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As startups que apostaram num nicho sem crise: o gim

Em 2016, foram lançados no mercado os primeiros gins feitos no país, e a contagem já está nas dezenas

Produção da Amázzonin: destilação feita numa antiga fábrica de cachaça é uma das pioneiras no país (foto/Divulgação)
EH

EXAME Hoje

Publicado em 8 de agosto de 2017 às 12h18.

Última atualização em 26 de março de 2019 às 19h58.

Destilado mais amados pelos fãs de coquetéis no mundo, o gim é forte, aromático e diversificado. Ele é a alma do Dry Martíni, tido por muitos como o rei da coquetelaria, e é também versátil o bastante para protagonizar tanto o amargo Negroni quanto o refrescante Gim Tônica. Só uma coisa ninguém poderia prever: que a bebida se tornaria um destilado brasileiro. Ano passado foram lançados no mercado os primeiros gins feitos no país, e a contagem já está nas dezenas.

O Virga, com um toque de cachaça, e o Arapuru, com elementos brasileiros, como o caju, saíram praticamente na mesma semana. Este ano completaram a prateleira de gins nacionais o Amázzonin, feito no Rio, e o Vitória Régia, da mesma empresa que produz a cachaça Yaguara. Ao lado de marcas mundialmente famosas, como Gordon’s, Bombay Sapphire, Beefeater e Tanqueray, os gins brasileiros surpreendem pela complexidade das receitas e pela dedicação de seus produtores, o que se reflete na qualidade das bebidas.

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“Nós temos dois grandes diferenciais, destilar o gim num alambique de cachaça, algo único, e usar botânicos brasileiros”, conta Felipe Jannuzzi, um dos quatro sócios do Virga. Vannuzzi conheceu Gabriel Foltran, cuja família produz cachaça há mais de um século em Pirassununga, no interior de São Paulo, onde hoje é feito o gim. Aos dois se juntou o holandês Joscha Niemann, que não entendia por que o Brasil não explorava a ideia de fazer o próprio gim – João Lucas Leme, que, entre outras coisas, criou o rótulo, completou o time. O principal destaque do Virga, segundo Jannuzzi, é o uma semente pouco conhecida. “Optamos por dar destaque aromático ao pacová, que lembra cardamomo, gengibre”, conta ele. “Além disso, produzimos uma cachaça exclusivamente para usar no Virga”, diz Jannuzzi. A previsão de produção em 2017 é de doze lotes de mil garrafas cada. O preço final sugerido da garrafa é de 109 reais.

Lançado ao mesmo tempo ano passado, o Arapuru é resultado da batalha do exército de um homem só. O eslovaco Mike Simko, que cresceu cercado de zimbro por todos os lados em seu país. “Nas nossas montanhas da Eslováquia, o zimbro é muito comum, minha avó preparava bolos com ele, nosso destilado nacional é feito dele. É um sabor que faz parte da minha vida desde a infância”, conta Simko. Depois de ter morado na Inglaterra e conhecido o mundo trabalhando como consultor, ele mudou de vida e resolveu começar a empreender.

Foi nesta condição que chegou a São Paulo, há três anos, para explorar o que havia no mercado local. No começo, o Arapuru era um hobby, que logo depois virou seu negócio principal. Ao conceituar a marca que havia imaginado, teve o auxílio na receita do inglês Rob Dorsett, autor do gim Martin Miller’s e referência da bebida no mundo. O Arapuru é o gim que revela com mais intensidade na boca a experiência com botânicos nacionais. Entre os doze elementos listados da sua receita, há o caju, o imbiriba, um fruto seco nordestino, e a puxuri, uma semente da região amazônica que faz as vezes da noz-moscada.

Este ano o Arapuru chega a Londres e Madri. E mesmo antes de desembarcar em solo europeu, a bebida já tem um embaixador de respeito, o bartender Erik Lorincz. Conterrâneo de Simko, vencedor do Diageo World Class em 2010 e titular das coqueteleiras do American Bar do Hotel Savoy, em Londres, terreno sagrado da mixologia mundial, ele é um entusiasta do Arapuru. No Brasil, além de bares e pontos de venda, ele é vendido pela loja virtual da marca por 130 reais.

Mais botânico, mais zimbro, mais tudo

O Amázzonin, lançado este ano, nasceu de uma brincadeira entre amigos. Na falta de um bom gim brasileiro, o italiano Arturo Isola e seus amigos, entre eles o brasileiro Alexandre Mazza, começaram em casa, no Rio, com um alambique elétrico de cinco litros. A coisa foi evoluindo, eles chegaram numa primeira destilação de gim com jambu, até que um amigo em comum apresentou a eles o argentino Tato Giovanonni. O mixologista, que estava morando no Rio, já tinha o próprio gim em seu país. “Ele topou fazer a consultoria técnica, e ficou seis meses mexendo nas combinações, até chegar na receita ideal”, conta Isola.

Quando chegaram no que queriam, acharam uma destilaria de cachaça em Porto Real, a 120 quilômetros da capital, que estava inativa mas cujo dono ofereceu um espaço para a produção do gim. Isolda e Mazza levantaram o investimento para transformar o lugar. “A gente investiu no maquinário e a transformou na primeira destilaria de gim do país”, conta. Entre os botânicos da receita comandada por Giovanonni, chamam a atenção as notas cítricas do limão siciliano e da mexerica e os sabores tipicamente brasileiros. “O cacau da Bahia é mais imediato, remete logo ao Brasil, mas quem quiser se aprofundar, a castanha do Pará e o cipó-cravo são elementos muito perceptíveis, e absolutamente inéditos”, conta o italiano. O preço da garrafa nos pontos de venda varia em torno de 130 reais.

Lançada este ano no mercado, a Vitória Régia se distancia das outras marcas em duas frentes. Primeiro, por trazer a grife da assinatura do master blender Erwin Weimann, conhecido no mundo da cachaça e titular da Yaguara, produzida pelo mesmo grupo. E por ser um gim mais acessível. “Na gôndola só havia ou um gim nacional de 40 reais ou um produto importado por mais de 100 reais, nada entre eles”, conta o bartender David Barreiro, embaixador da marca. Em função disso, a receita do Vitória Régia faz uma opção pela simplicidade, com cinco botânicos completando o sabor do zimbro. “Todos os países desenvolvidos começaram a produzir seus próprios gins, como a França e a Espanha”, diz Barreiro.

Virga, Arapuru, Amázzonin e Vitória Régia são os principais rótulos, mas não estão sozinhos. “Fizemos recentemente uma degustação com onze gins nacionais, e desde então já saíram novos rótulos, a produção está explodindo”, conta José Osvaldo Albano do Amarante, engenheiro químico especialista na bebida e autor de Os Segredos do Gim (Mescla Editorial), único livro nacional sobre o destilado, lançado ano passado.

Amarante vê o gim como um potencial substituto de outra bebida destilada. “Ele vai substituir a vodca em breve, não tenho dúvidas. São bebidas da mesma categoria, mas a vodca é neutra, enquanto o gim, com uma etapa a mais, tem diferentes possibilidades de sabores e aromas”, completa.

Resumidamente, pode ser chamada de gim toda bebida destilada à base de zimbro com adição de elementos aromáticos, que os produtores chamam genericamente de botânicos. Alguns foram consagrados pelo uso, como o coentro, o cardamomo, a canela e o gengibre. A boa receita pede, antes de tudo, equilíbrio. Fãs de uma bebida mais clássica vão preferir o gim sem muitos adereços, com gosto pronunciado de zimbro (que também é elemento principal de outras duas bebidas, a Genebra e o Steinhaeger).

O foco está na receita

O que não falta, no Brasil, é espaço para crescer. O mercado brasileiro de destilados cresceu 1% em vendas ano passado, segundo a Euromonitor International, o que representou 39,4 bilhões de reais. E o gim, como o whisky escocês e o americano, teve um crescimento no país acima da média. Segundo a International Wine & Spirit Research, o consumo da bebida no Brasil cresceu 40% nos últimos cinco anos.

A expansão se deu muito graças ao impulso que os coquetéis ganharam, dois em particular: o Gim Tônica e o Negroni. Ainda assim, estamos falando de uma fatia pequena – a participação do gim no mercado nacional foi de 0,1% em 2012, o que significa algo em torno de 12,5 milhões de reais. Em comparação, o Reino Unido, maior exportador da bebida no planeta, distribui 70% de sua produção para cerca de 140 países, o que representa em vendas algo em torno de 1,5 bilhão de reais.

Uma curiosidade é o inusitado país principal consumidor de gim no mundo: as Filipinas, responsáveis por esvaziar 450 milhões litros por ano, o que representa 43% do consumo total mundial, num mercado dominado pela destilaria local San Miguel.

O Brasil, claro, vai ficar muito longe disso. O foco dos gins feitos no país não é o alto volume, mas o esmero nas receitas. Cada marca trabalha em uma direção diferente. “O Vitória Régia é o mais clean, menos explosivo em termos de complexidade aromática”, avalia o italiano Fabio la Pietra, bar manager do SubAstor, um dos principais bares de coquetéis de São Paulo. “O Arapuru é ótimo em termos de complexidade, mas tem um problema de falta de versatilidade. Eu não o recomendaria em um Dry Martíni ou um Negroni, apenas em drinks mais refrescantes”, completa. “O Virga é ótimo e nas últimas amostras não se percebe tanto a presença da cachaça como nas primeiras garrafas”, aponta La Pietra, para quem o mais versátil de todos é o Amázzonin. “De Negroni e Dry a drinques refrescantes, o Amázzonin funciona bem com todos”, diz.

Já para José Amarante, entre os quatro citados, o Vitória Régia foi o que mais agradou, justamente por estar mais próximo da tradição. “O outros três estão buscando personalidades brasileiras. Mas eu sou um purista. E o Vitória Régia é, entre esses quatro, o que mais me agradou”, diz. Há espaço e paladar para todos.

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