Inteligência emocional é peça chave para empresas superarem crises
Aprender a conhecer e controlar as emoções pode ajudar no desempenho dos negócios; empreendedores contam suas experiências durante a pandemia
Carolina Ingizza
Publicado em 2 de setembro de 2020 às 12h17.
Última atualização em 2 de setembro de 2020 às 13h10.
Com o seu best-seller “Inteligência emocional ”, lançado em 1995 , o jornalista científico Daniel Goleman popularizou nas empresas a ideia de que, grosso modo, profissionais com um quociente de inteligência emocional (QE) desenvolvido estão mais aptos a liderar do que aqueles que apresentam alto quociente de inteligência (QI) e mais aptidões técnicas, mas são menos hábeis emocionalmente. Na prática, isso significa que os resultados de um empreendimento estão diretamente relacionados à habilidade do empreendedor (ou líder) de gerenciar as emoções de todas as pessoas envolvidas no negócio. Isso se torna ainda mais evidente nos dias atuais, em meio a uma crise econômica e social gerada por uma pandemia .
Mas, antes de falar sobre inteligência emocional, é preciso entender o que são as emoções. A psicóloga Angélica Felix, terapeuta da Tully Desenvolvimento Familiar, explica que as emoções fazem parte de uma espécie de programa computacional do nosso cérebro que envolve uma relação com todo o corpo, movendo-o à ação.
A inteligência emocional, por sua vez, se traduz na possibilidade do ser humano de aprender a entender e a lidar com as próprias emoções e utilizá-las em benefício próprio, assim como compreender os sentimentos e comportamentos do próximo. “A maior parte das pessoas não sabe reconhecer suas próprias emoções e isso pode causar danos devastadores. Quando não temos clareza e entendimento de como estamos nos sentindo, perdemos o controle da assertividade das nossas ações”, dizFelix.
Perder o controle dessa forma na gestão dos seus negócios pode colocar o investimento e a dedicação de anos em risco. Para evitar esse problema, a analista de negócios do Sebrae-SP Raíssa Kill orienta aos empreendedores que eles precisam estar dispostos a se conhecer melhor, a observar mais as outras pessoas e a utilizar as emoções de forma estratégica.
“Quando falamos de negócios, falamos de pessoas e sentimentos. Por isso, precisamos exercitar a inteligência emocional para desenvolvermos competências essenciais para o dia a dia”, explica. Entre as principais competências estão a adaptabilidade, a negociação e o equilíbrio emocional.
Adaptabilidade
Empreendedora do segmento de confecção e varejo de moda, Diérika Silva tem na sua empresa, Pangéia, o objetivo de empoderar a beleza natural das pessoas na forma de vestir. Mas esse propósito, apesar de bem definido na mente da empresária, não foi aplicado de imediato no começo da pandemia. "Tive um surto! Quando tudo começou me peguei pensando sobre quem iria querer comprar roupa, já que não era considerada uma necessidade básica”, conta.
Outro ponto complicado foi a venda online. Diérika participava de eventos e feiras de moda, mas utilizava a internet apenas como uma vitrine, não como um meio de vendas. Após muita reflexão, no entanto, adaptou-se ao meio virtual, fez valer a essência de sua empresa e direcionou a comunicação de sua marca para a celebração da vida, aproveitando o momento do aniversário de três anos da marca.
Como resultado, teve no último mês de abril um faturamento 15% maior do que nos meses de outubro e novembro de 2019. “Ainda diminuí meus custos de locomoção e aluguel de lojas. Também passei a utilizar esse tempo para ter mais contato com um número maior de clientes online”, diz.
De acordo com a empreendedora, a inteligência emocional a ajudou a tirar o foco do problema, que é a pandemia, para pensar na solução. “O que eu podia fazer de melhor naquele momento com o que eu tinha a oferecer. Passei a olhar meu negócio com os olhos da possibilidade, não com os de fim da linha”, conta.
Para Raíssa Kill, refletir sobre o motivo de ter começado o negócio fez com que Diérika se conectasse à essência do seu modo de atuar. “Olhar para dentro da empresa e entender suas competências fez com que ela remodelasse a sua forma de comunicação e se adaptasse ao contexto atual mantendo a empresa em funcionamento e até faturando mais”, observa.
Negociação
Proprietária da escola infantil bilíngue Green Kids School, Maria Pizzi Veloso faz parte de um dos segmentos mais afetados pela crise gerada pelo novo coronavírus. Afinal, as escolas estão fechadas desde março e, até a conclusão desta edição, ainda não havia uma data definida para retorno das atividades presenciais nas instituições de ensino. Em meio às incertezas, a empreendedora agiu rápido e negociou descontos com os pais dos alunos.
A transparência nas negociações foi tamanha que a empresária fez um questionário entre os pais para saber se alguém aceitava receber menos desconto do que outros. Pelo menos 10% aceitaram, o que vem auxiliando muito no fluxo de caixa da instituição.
“Gostei muito da reação e do entendimento dos pais. Nós nos entendemos, fomos transparentes, pois todos estão perdendo com a pandemia. Conseguimos chegar a um denominador comum. Os descontos estão variando e também oferecemos condições especiais para o próximo ano letivo”, explica.
Para a empreendedora, que é sócia do marido na escola, a inteligência emocional no momento de crise levou a uma relação de “ganha-ganha” com seus clientes. “Não podemos apenas pensar em ganhar se os pais também estão com problemas, alguns até desempregados”,completa. O resultado da negociação trouxe algum alívio para as contas da escola, mas, mais do que isso, ajudou a aproximar a escola dos pais.
Equilíbrio
Outro segmento bastante afetado pela pandemia é o de alimentação, onde o Grupo Tria Consultoria e Treinamento presta serviços sobre normas, legislação e requisitos de vigilância sanitária. Uma das sócias do empreendimento, Tatiana Campos, explica que a situação chegou a ser desesperadora, uma vez que 79% do faturamento vinha de redes de fast-foods em shoppings e escolas. Alguns contratos foram reduzidos, outros cancelados, mas mesmo assim as três sócias mantiveram a calma.
“Fizemos uma divisão entre nós para ligarmos para todos os clientes para entender a situação de cada um, assim como fizemos com a nossa equipe. Quisemos entender e analisar primeiro a situação como um todo antes de tomar qualquer tipo de decisão”, explica.
Elas fizeram então um levantamento estratégico financeiro de toda a situação e criaram uma metodologia de pagamento negociada individualmente com cada colaborador. A ação gerou uma resposta muito boa, inclusive com alguns funcionários se colocando à disposição para receber menos para que a empresa pudesse ajudar colegas com mais necessidades.
“Com isso, conseguimos manter todos os 43 colaboradores”, afirma. Mais uma vez, colocar as cartas na mesa fortaleceu o vínculo entre a empresa e seus colaboradores – algo que será fundamental para as empresas no pós-pandemia.
Como desenvolver a inteligência emocional?
1- Autoconhecimento
Analise as suas emoções e as ações que você faz em resposta aos estímulos que recebe. Essa é a chave! Coloque seus sentimentos e suas ações em um papel e depois reflita profundamente sobre cada uma delas.
2 - Saiba lidar com as emoções
Todos passam por momentos estressantes na vida. Quando estiver sob pressão, o mais importante é tentar manter a calma e evitar chegar ao limite. Utilize estratégias como os treinos de respiração para evitar crises de ansiedade.
3 - Motivação
Tudo é possível desde que você corra atrás do que você deseja de maneira consciente e sem passar por cima do próximo. Aprenda a responder aos seus estímulos, analisando como você se sente, para só então decidir como se comportar.
4 - Empatia
Saiba reconhecer as emoções dos outros. Aprender a se colocar no lugar do próximo e entender seus comportamentos nos torna pessoas mais abertas e sensíveis.
5 - Relacionamento
Saber ter boas relações, guiando as próprias emoções e as dos outros é mais um ponto-chave da inteligência emocional. Fazer isso criará um ambiente positivo à sua volta, melhorando não só a sua qualidade de vida como também contagiando aqueles ao seu redor.
Fonte: Angélica Felix, psicóloga