Insatisfação com a saúde abre espaço para as healthtechs no Brasil
Envelhecimento da população, preocupação com o bem-estar e desafios do atendimento público abrem espaço para as startups de saúde
Carolina Ingizza
Publicado em 10 de novembro de 2019 às 06h00.
Última atualização em 10 de novembro de 2019 às 07h00.
A plataforma brasileira Cuidas nasceu a partir da percepção de seus criadores de que a área da saúde é uma das mais promissoras no País. e também uma das que mais precisam de melhorias.“Pensamos em qual problema poderíamos solucionar de forma social e financeiramente sustentável, e identificamos que a área da saúde era a que mais oferecia desafios",conta Matheus Silva, um dos três fundadores da startup.
A avaliação dele e dos sócios Deborah Alves e João Henrique Vogel ganhou reforço diante de uma pesquisa da consultoria McKinsey feita com 5 mil brasileiros apontando que a maior insatisfação da população era com a área da saúde. Mesmo com um sistema de assistência de saúde universal e gratuita, ainda há muitas falhas e principalmente, muita desigualdade no acesso e na qualidade do atendimento no País. Os desafios atuais, aliados às mudanças sociais,ao envelhecimento da população e à evolução tecnológica, criam uma variedade de oportunidades de negócios nesse segmento e é aí que ganham espaço as chamadas healthtechs, as startups voltadas para a saúde.
No caso da Cuidas, o foco são os cuidados primários. É uma solução para empresas, mas não é um plano de saúde e tampouco possui clínicas, laboratórios ou hospitais. É uma plataforma que coloca à disposição dos funcionários da empresa contratante uma equipe de médicos e enfermeiros para atendimento básico de queixas, no local de trabalho,e ao mesmo tempo, atua na gestão da saúde básica dos participantes. “Conseguimos absorver mais de 80% dos primeiros cuidados da saúde”, conta Silva.
Isso significa que dores de cabeça, dores nas costas ou algum mal-estar simples não chegam até o atendimento de urgência e emergência,como geralmente ocorre, impactando o sistema e aumentando o custo desse serviço de saúde, seja no setor público ou no privado.
Potencial
Apesar de algumas limitações, como a questão regulatória, Silva vê o setor de saúde com bastante espaço para empreender, já que, segundo ele, ainda é uma área conservadora e carente de inovações.“Dá para fazer mais, de forma mais eficaz e eficiente e com mais economia. O uso da tecnologia nos processos ainda é limitado. Hoje, no Brasil, 70% dos dados médicos ainda estão em papel”, afirma Silva.
O consultor de negócios do Sebrae-SP Guilherme Arradi reforça essa avaliação. “Tecnologias cada vez mais acessíveis estão ampliando o leque de possibilidades de transformar a indústria da saúde”, diz. Não por acaso, o Hospital das Clínicas em São Paulo, maior complexo hospitalar da América Latina, acaba de abrir um centro de inovação para startups que queiram se dedicar ao tema, o Distrito Inova HC.
Dados da Associação Brasileira de Startups (ABStartups) apontam que muitos empreendedores entenderam o potencial que inovar na área de saúde oferece. O número de healthtechs associadas quase dobrou entre 2015 e meados de 2019, passando de 235 para 406.
Arradi destaca que no último ranking de transformação digital da consultoria McKinsey, a área da saúde aparece entre os setores ainda pouco impactados e mostra um mercado extremamente promissor, o que chama a atenção também dos investidores.
Rede para inovação
Destacar as soluções para os investidores é o objetivo da CareTech, criada pela Troposlab, aceleradora que queria justamente “estabelecer conexões que façam algo acontecer” no setor, como define a sócia e diretora comercial do hub de inovação, Nathália Tavares.“Quando começamos a estudar os possíveis mercados, chegamos ao CareTech, que tem grande potencial de negócio e de inovação. Ao mesmo tempo, há muitas tecnologias que estão sendo desenvolvidas, mas que não conseguem chegar ao mercado. Por outro lado, muitas empresas têm demanda por uma solução e não conseguem encontrá-la”, diz.
A CareTech atua não só na promoção do desenvolvimento de soluções, mas também no encontro dessas inovações com o mercado e investidores, reunindo startups, a academia geralmente celeiro de inovações ,investidores e grandes empresas em busca de inovações com agilidade.
A área da saúde envolve uma ampla gama de segmentos, mas Nathália destaca que a CareTech está bastante atenta a soluções que promovam há bitos mais saudáveis e que atuem nos cuidados com o envelhecimento. “A tendência do mercado é de trabalhar O envelhecimento, já que a sociedade está se direcionando para ser uma população com mais idosos. Por isso a atenção em estratégias e tecnologias que deem apoio ao bem-estar do idoso”, diz. Hoje, a Troposlab atua com 65 healthtechs, de um total de 725 que abriga como aceleradora.
Cuidados básicos
Guilherme Arradi, consultor do Sebrae-SP, lista outros pontos de atenção para quem pretende empreender com uma healthtech, começando pela equipe. “É importante ter alguém que conheça a área, para fazer com que a solução possa resolver alguma dificuldade”, diz. Também é necessário fazer testes e análises que mostrem o desempenho do produto.Isso é muito importante para criar um plano de marketing e um argumento de vendas assertivo.
Outra orientação do consultor é para que os empreendedores não foquem só na tecnologia que está sendo desenvolvida, mas sim que pensem em todo o modelo de negócios. Os empreendedores da área da saúde tendem a ser bons técnicos, mas não olham tanto para o negócio. O canal de distribuição, por exemplo, precisa do olhar de um profissional de marketing em saúde, que saberá como aquele produto ou tecnologia pode chegar ao mercado.
Além disso, é importante lembrar que os produtos na área da saúde são classificados por risco. Quanto maior o risco, maior a burocracia e os passos para aprovar a solução e disponibilizar no mercado.Existem várias consultorias que podem ajudar nessa questão. Arradi dá o exemplo de equipamentos que são implantados no corpo humano, que tendem a ter risco mais elevado e têm processo de registro mais demorado.