Culto ao frango: o ritual da Korin para agradecer aos animais abatidos
Ligada à Igreja Messiânica, marca que vende frango sem antibiótico faz cerimônia anual em homenagem aos animais abatidos. Acompanhamos o ritual:
Mariana Desidério
Publicado em 23 de agosto de 2018 às 06h00.
Última atualização em 27 de novembro de 2018 às 12h21.
São Paulo – "Ó Deus, senhor e criador do universo. A Korin Agropecuária Limitada realiza o culto de elevação aos espíritos das aves, animais, insetos e peixes que foram sacrificados no exercício de suas atividades. Aceitai nossa prece de solicitação de sufrágio dos espíritos destes animais, envolvendo-os no seu misericordioso manto de proteção.”
Com essas palavras, o diretor-superintendente da Korin, Reginaldo Morikawa, iniciou o Culto em Sufrágio aos Espíritos dos Animais, ritual realizado todos os anos pela marca, famosa por vender frango sem antibiótico, além de outros produtos orgânicos e naturais.
A Korin abate, por mês, 450 mil frangos, 320 bovinos e 5 toneladas de trutas. Apesar de a empresa faturar 138 milhões de reais com a atividade, sua filosofia não deixa os executivos confortáveis com os abates.
A companhia é ligada à Igreja Messiânica, religião de origem japonesa que tem cerca de 2,5 milhões de fiéis no Brasil. Dentre os ensinamentos de Mokiti Okada, líder dos messiânicos, estão orientações para uma alimentação saudável e totalmente natural (eles são contra o uso de agrotóxicos e até de adubos). Caso essa alimentação envolva a morte de animais, é preciso realizar um culto de gratidão a eles, explica o mestre.
No mercado desde 1994, a Korin (lê-se kô-rin, nome que significa anéis de luz em japonês) realiza essa cerimônia há dez anos e vem aprimorando a homenagem a cada edição. Este ano, a cerimônia, teve uma plateia de 524 pessoas, reunidas numa tenda instalada no Pólo de Agricultura Natural da empresa, em Ipeúna, interior de São Paulo.
Dentre os presentes estavam líderes da igreja, funcionários da Korin, produtores rurais que fornecem para a empresa e políticos locais, como o prefeito da cidade, José Antônio de Campos (PSD), o Zé Banana. EXAME acompanhou o culto, que ocorreu no último sábado.
Saborosas oferendas
A cerimônia começa com uma pequena explicação sobre a Igreja Messiânica, seguida de um cântico entoado em japonês por um dos quatro reverendos no palco. Na plateia, boa parte dos presentes acompanha a reza de cor.
Abertos os trabalhos, os espíritos dos animais são convocados a comparecer. Um sonoro e um tanto fantasmagórico “Ooooooo” toma o ambiente e é feita a oração de chamamento dos bichos. Um dos reverendos volta-se para o altar e diz: “Espíritos de animais que estão presentes neste altar, a empresa Korin Agropecuária Limitada ao longo dos anos vem sacrificando a vida de animais. Portanto, para sufragar seus espíritos, depositamos neste altar diversas e saborosas oferendas”.
Á sua frente, uma bandeja com cumbucas etiquetadas traz um pequeno banquete com porções de milho, soja e capim. Para completar o altar, pés de alface e couve, tomates, sacos de arroz e feijão (tudo orgânico), além de um belo arranjo floral. Na parede, um quadro traz a inscrição Senhor da Luz, em japonês, e a foto do líder messiânico Mokiti Okada.
Em determinado momento, todos os presentes se curvam em reverência aos animais. Encabulada de ficar de fora, curvo-me também. Depois, sentados, recebemos Johrei, uma espécie de benção da Igreja Messiânica, “a oração em ação”, como me explicou depois o reverendo Marco Antônio Franco Rocha, que conduzia a cerimônia.
Rocha posta-se à beira do palco, ergue a mão direita com a palma voltada para a plateia e fica assim por alguns minutos. Nessa hora, boa parte dos presentes mantém os olhos fechados. Meus olhos pesam também, a mente se aquieta e sinto um leve formigamento no rosto.
Pouco depois, os espíritos dos animais são convocados a voltar ao plano espiritual e a cerimônia se encerra, não sem antes ouvirmos algumas palavras do reverendo. No sermão, ele dá exemplos de provas de que os animais têm espírito – e de por que maltratá-los pode não ser um bom negócio.
Carne sem rancor
“Bom dia! Engoli um mosquito na hora da oração, acho que ele chegou atrasado para a cerimônia”, diverte-se o reverendo sob os risos da plateia.
“Lembro do caso de uma menina jovem com câncer na cabeça. Fui estudar a família e descobri que o pai tinha um matadouro de porcos, e matava os bichos com uma paulada na cabeça. Perguntei: ele faz oração? ‘Não’. Quando isso mudou, a menina também melhorou”, contou, dentre muitos outros casos.
Rocha explica que todos os seres vivos têm sentimentos. E os animais, quando mortos sem o devido cuidado, nutrem sentimentos de ódio e rancor em relação ao homem. “Outro dia vi na televisão os caras selecionando pintinho bom e pintinho ruim. E jogavam os bichinhos para um lado e para o outro, tratando como se não fosse nada. Queria ver se fosse com os filhos deles”, disse, para dar um exemplo de como se forma o ódio no coração dos animais.
Para encerrar o culto, define o diferencial da Korin: “O princípio básico dessa empresa, e que diferencia nossos produtos dos demais, é que nossos animais não têm rancor".
O paraíso é vegetariano
Após mais de uma hora de demonstrações de respeito aos bichos, a pergunta mais óbvia é: Não seria melhor que os messiânicos fossem vegetarianos? “Existe a cadeia alimentar, e o homem está no topo. Então, não é que não se pode sacrificar, mas precisa ter gratidão, respeitar esses animais”, afirma o reverendo Rocha.
No entanto, mesmo essa posição na cadeia alimentar está com os dias contados, prevê o diretor-superintendente da Korin, também reverendo da igreja. Segundo a doutrina messiânica, no “paraíso”, os vegetais serão livres de químicos, portanto mais saborosos e nutritivos. Com isso, haverá um controle para que os homens consumam menos carne (doenças como a da vaca louca e a gripe suína já são indícios, na visão dele). Quando isso acontecer, a Igreja Messiânica será vegetariana.
“A Korin produz carne por dois motivos: os vegetais estão muito contaminados e a humanidade precisa aprender a conviver com os espíritos dos animais. Produzimos carne para que as pessoas comam menos carne. Pode parecer um jargão de defesa comercial, mas foi previsto pelo nosso fundador”, atesta Morikawa.
A postura da Korin tem gerado frutos ao menos entre os concorrentes. No início do mês, a BRF anunciou o lançamento de sua linha “Sadia Bio”, de frangos sem antibióticos e alimentados com ração 100% vegetal. A JBS tem uma linha sem antibiótico desde 2015.
“Isso para nós é um mérito. Já fazemos assim há 20 anos. E quando eles chegam ao nosso patamar, nós subimos mais um degrau. Agora vamos começar a tirar o transgênico da ração e, quando nos seguirem, vamos para o orgânico”, afirma Morikawa.
Galinhas felizes
Além se preocupar com o que o frango ingere, a Korin também cria os animais em condições naturais. “As galinhas não ficam presas em gaiolas, podem andar, ciscar, abrir as asas para se refrescarem. São animais que têm uma vida feliz”, diz o site da empresa.
A política tem atraído consumidores, e a Korin multiplicou seus números nos últimos anos. Em 2009, faturava 20 milhões de reais – hoje, são 138 milhões de reais. A abordagem também agrada os produtores rurais. Em depoimento lido durante a cerimônia no sábado, uma produtora comparou a empresa com outras do setor.
“Quando trabalhávamos anteriormente com outras empresas, éramos instruídos a entregar o frango nas melhores condições possíveis, mesmo que isso custasse fazer uso de diversos medicamentos. Utilizávamos antibióticos terapêuticos não só em casos de tratamentos, mas de maneira diária. Hoje o sentimento é de gratidão à Korin”, disse.
Outro que só tem elogios à Korin é o prefeito de Ipeúna, Zé Banana. Ele conta que a empresa é a que mais movimenta a economia da cidade, de apenas 6 mil habitantes. Por influência da companhia, em 2016 o município foi nomeado Capital da Agricultura Natural. Recentemente, uma lei aprovada na Câmara Municipal proibiu a pulverização aérea de defensivos agrícolas.
Terminado o culto, todos vão almoçar nas tendas de alimentação, onde são distribuídos lanches de frango e carne, suco e pequenas bandejas de sushi. A cerimônia me faz pensar no tanto de carne que já ingeri sem nem pensar na alma dos bichos. Mas ali como meus lanchinhos sem culpa. Afinal, aqueles já estão devidamente agradecidos.