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Conheça a startup que caça corruptos - e bombou com a Lava Jato

A Localize é um negócio que passou de despachante de documentos de cartório para investigação de empresas offshore, laranjas e imóveis em outras cidades

Rafael Nogueira, Flavio Goeldner, Aldo Moscardini e Lucas Gouvêa: sócios se uniram para formar a empresa de investigações Localize (Laílson Santos/Localize/Divulgação)

Mariana Fonseca

Publicado em 8 de agosto de 2017 às 06h00.

Última atualização em 8 de agosto de 2017 às 06h00.

São Paulo – A Operação Lava Jato foi um desastre para muitas empresas: várias corporações revelaram escândalos internos, que se transformaram em crises muito externas – do julgamento do público às acusações judiciais.

Mas, vendo pelo outro lado, alguns negócios se beneficiaram com a operação: por exemplo, aqueles que têm como meta recuperar o dinheiro desviado pelos corruptos.

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É o caso da Localize: a startup cresceu nada menos que 300% entre os anos de 2015 e 2016, no auge da Operação Lava Jato. Apenas no ano passado, a startup de investigação e de recuperação de ativos faturou cinco milhões de reais. Para 2017, planeja crescer esse valor em 30%.

Por trás de um negócio tão sofisticado estão quatro sócios: Aldo Moscardini, Flávio Goeldner, Lucas Gouvêa e Rafael Nogueira. Contrariando suas complexas operações, o negócio começou em um quarto com móveis emprestados e um investimento de 40 mil reais.

Começo de negócio e investigações

Os sócios-fundadores, Flávio Goeldner e Lucas Gouvêa, são também primos de segundo grau. Vários parentes são do ramo de cartórios. Enquanto Goeldner foi trabalhar na empresa de seu pai, como despachante de documentos cartoriais para pessoas físicas, Gouvêa se formou em Engenharia em São Carlos, interior de São Paulo.

Quando Gouvêa voltou à capital, em 2007, os dois se uniram para abrir uma empresa de despachante de documentos cartoriais para pessoas jurídicas, diferente da empresa do pai de Goeldner.

“Foi um negócio bem pequena empresa mesmo: um escritório de 30 metros quadrados com móveis emprestados, incluindo aquelas cadeiras de plástico vistas nos bares. Eu vendi um carro e o Flávio [Goeldner] usou um acerto do emprego anterior dele”, conta Gouvêa, com 25 anos de idade na época. Goeldner tinha 27.

A empresa começou sendo uma terceirizadora da burocracia, centralizando operações e despachando itens: a Localize autenticava documentos, controlava o fluxo gigante de papéis e coordenava as entregas de arquivos por motoboys.

No ano de 2012, um contrato com o banco HSBC fez a empresa explodir e chegar a ter uma equipe de 70 funcionários. Mas eles logo perceberam que faltava inovação no ramo.

“Vimos que a maioria da concorrência era muito burocrática. Entramos com a cabeça mais aberta, querendo entender as dores dentro dos bancos e corporações e melhorar o mercado”, afirma Gouvêa.

Para isso, os empreendedores decidiram agregar mais valor aos seus clientes corporativos ao mostrar o que estava por trás de tanta papelada: além dos serviços tradicionais, entregavam documentos já analisados e acessíveis por meio de um portal online.

“Iniciamos esse trabalho de investigação de ativos, que é nosso carro-chefe: mostrávamos se aquele mesmo devedor, dos documentos procurados, tinha um imóvel na praia ou bens em outras cidades. Pensamos fora da caixa, indo além de uma empresa despachante de documentos”, diz Gouvêa.

Lançado em 2015, esse grande relatório de investigação é hoje chamado de “Investigação MARC” (Mesa de Análise de Recuperação de Crédito).

Os principais clientes da Localize são bancos, grandes empresas e gestoras que procuram investigar e vida pessoal de empresários devedores para encontrar evidências de que eles têm bens como pessoa física para pagar as dívidas de pessoa jurídicas.

Alguns pontos analisados na hora de montar o perfil do devedor visado pelos empresários que contratam a Localize são diários oficiais; entrevistas; endereços e telefones cadastrados em nome de empresas dos investigados; fotos de famílias em redes sociais; e pesquisas cartoriais de aluguéis recorrentes, aviões, barcos, heranças, imóveis, maquinários, offshores e plantações.

Gouvêa ressalta que não há quebras de sigilo financeiro ou telefônico: todos os dados são obtidos de fontes públicas.

“Como a gente veio do mercado cartorário, conhecemos todos os caminhos para levantar os documentos públicos relacionados a um grupo econômico. Rastreamos e contamos o histórico desse grupo no tempo: entrada e saída de sócios e compra e venda de ativos. Nossa grande chance é achar brechas que podem denotar fraudes.”

Para fazer tal análise, foi preciso se reinventar e investir em pessoal qualificado e tecnologia: a Localize possui profissionais da área de advocacia, execução bancária e de títulos, investigação, jornalismo e mineração de dados, por exemplo.

Dois sócios entraram no negócio: o advogado especialista em recuperação de crédito Aldo Moscardini e Rafael Nogueira, que trabalhou em bancos e gestoras do mercado financeiro.

Ao todo, o relatório leva até 60 dias para ser concluído. Tanto serviço, claro, não sai barato: uma Investigação MARC custa entre 30 e 50 mil reais. Por isso, Gouvêa analisa que só vale investir se a dívida tiver um valor igual ou acima de três milhões de reais.

“Foi uma barreira convencer os bancos a adquirirem nosso serviço. Como era algo novo, tínhamos dificuldade em explicar por que valia a pena gastar tanto nesses processos. Eles já viam as dívidas deles como prejuízo, e não estavam dispostos a pagar ainda mais nisso”, conta o empreendedor.

Como estratégia, a Localize deu em 2015 um grande número de investigações a seus potenciais clientes, descontando apenas custos cartoriais. “Convertemos 90% dos clientes desse nosso piloto. Deixamos de nos posicionar como despachante virtual para uma empresa de investigação. Aí que começamos a ganhar mercado.”

Números e Operação Lava Jato

Nos últimos dois anos, a Localize investigou quase 200 casos. Dos 6 bilhões de reais em dívidas a serem investigadas, a startup encontrou 7,2 bilhões de reais.

Segundo a empresa, o índice de ativos diretamente recuperáveis está em 53% (cerca de 3,5 bilhões de reais nos últimos dois anos, portanto): são bens livres, prontos para serem tomados pelo credor que contratou a startup.

“A gente não recupera em si: tal retomada depende da instituição que pediu a investigação. Os outros bens podem já estar alienados, financiados ou hipotecados. São casos a serem avaliados à parte, se vale a pena prosseguir ou não com a procuração”, diz Gouvêa.

Ainda que os dois últimos anos tenham marcado a mudança de foco da Localize para a investigação, 2016 foi o ano crucial para consolidar o trabalho da startup: o auge da Operação Lava Jato fez o faturamento da empresa saltar 300%, indo para 5 milhões de reais.

“Tivemos umas 15 investigações de empresas relacionadas à Operação Lava Jato – não posso falar em nomes, mas foram casos frequentes nos noticiários. Os bancos não estavam preparados para tal operação: houve diversos bloqueios de contas de clientes dos bancos, que estavam com problemas de liquidez e nos contrataram para recuperar tais ativos”, explica Gouvêa.

“Algumas instituições pediram até serviços de investigação preventiva, para nem correr o risco de esvaziamento de caixa. Neste ano a situação se estabilizou e queremos crescer 30% sobre o ano passado.”

Big Data e inteligência artificial para combater corruptos

Se o ano passado foi de crescimento acelerado, a regra de 2017 é colocar ordem na casa e pensar em novas soluções. “Estamos atentos às fintechs e às lawtechs, para acompanhar as novidades do mercado.”

O grande objetivo dos empreendedores até o fim do ano é levar seus serviços a dívidas menores, a partir de 100 mil reais, e atacar mais segmentos dos seus clientes já estabelecidos. A Localize trabalha com segmentos bancários como Corporate e Prime; agora, quer entrar em áreas como Pessoa Jurídica e Varejo.

O número de casos, segundo a Localize, saltará para milhares por mês. Da mesma maneira, por serem dívidas menores, o ticket médio cobrado pela startup irá diminuir.

Para ganhar essa escala, a Localize quer incorporar conceitos famosos: Big Data e inteligência artificial. “Com o avanço da tecnologia, estamos de novo reinventando o negócio. O acesso da informação está ficando mais fácil e estamos investindo nisso para baratear o custo e avaliar um número maior de negociações.”

Com o Big Data, será possível analisar documentos em grandes volumes: por exemplo, pegar uma carteira de clientes do banco e qualificar seus devedores em chances de fechar um acordo de recuperação de ativos ou não. Se não houver acordo, analisar as chances de a ação judicial ser bem sucedida, por meio do histórico do juiz do caso, de casos similares de fraude e das defesas utilizadas.

Além disso, o big data poderá cruzar mais dados e estabelecer relações antes não percebidas. “Os dados de cartório em grande volume poderão dar um panorama sobre qual realmente é a estratégia do devedor: podemos achar um link entre dois investigados que uma pessoa comum não conseguiria, por exemplo.”

No caso da inteligência artificial, Gouvêa projeta que será possível ler e interpretar a matrícula de um imóvel. “Hoje, temos uma equipe que tem de ler a documentação e cadastrar conclusões no sistema. A máquina irá começar a fazer ligações e indagações – no futuro, até identificar fraudes.”

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