Alinhador dentário transparente da SouSmile (SouSmile/Divulgação)
Mariana Fonseca
Publicado em 14 de setembro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 14 de setembro de 2019 às 17h15.
As startups já mudaram diversos setores em terras brasileiras -- dos serviços financeiros até a maneira de entregar encomendas ou de achar uma academia, por exemplo. O próximo alvo é o seu sorriso e a jornada incômoda para deixá-los perfeitos. Negócios como Smilink e SouSmile têm como missão popularizar um modelo de aparelho ainda pouco usado no Brasil: alinhadores dentários transparentes.
Para isso, essas empresas estão usando a tecnologia para cortar intermediários e investir em produção local, lojas físicas e comunicação virtual constante. O maior desafio é o mesmo das outras quase 400 startups nacionais mapeadas no setor de saúde: convencer brasileiros a apostarem em novas tecnologias em um mercado apegado ao tradicional.
A maior referência no setor de alinhadores dentários transparentes é a Invisalign, criada para substituir aparelhos de metal e oferecer tratamentos mais discretos e rápidos. Segundo a empresa, seus 20 anos de pesquisa geraram 900 patentes e dados de 5,6 milhões de sorrisos. A empresa opera por meio de ortodentistas parceiros, que capturam uma imagem 3D dos dentes do paciente e ajusta o molde junto com a Invisalign. Com o plano de tratamento digital aprovado, os alinhadores são confeccionados e enviados. São diversos moldes com alterações pequenas entre cada um, a serem trocados a cada uma ou duas semanas até que os dentes se movimentem o suficiente.
O maior obstáculo para uma maior expansão da Invisalign é o preço. Exemplos próprios da Invisalign mostram aparelhos custando de 3,4 a 7,1 mil dólares. Mesmo na terra natal da gigante, surgiram concorrentes dispostos a deixar os alinhadores dentários transparentes mais acessíveis ao cortar intermediários.
O competidor mais conhecido é o SmileDirectClub, que tira as imagens 3D em lojas próprias ou enviando kits para as casas dos pacientes. A empresa cobra 1.895 dólares à vista ou mensalidades de 85 dólares por dois anos. A SmileDirectClub abriu capital nesta semana na bolsa americana Nasdaq e é avaliada em mais de 12 bilhões de dólares.
Tanto a Smilink quanto a SouSmile nasceram inspiradas no modelo direto ao consumidor (ou D2C) da SmileDirectClub, que atua apenas no Canadá, nos Estados Unidos e na Austrália. Mas tiveram de se tropicalizar -- no lugar de o próprio consumidor tirar seus moldes, as startups brasileiras contrataram ortodentistas para ficarem em suas lojas físicas e realizar o procedimento.
Ambas enxergaram uma oportunidade no amplo mercado consumidor nacional, especialmente no setor de estética. Segundo Marcos Boysen, argentino e fundador da Smilink, o aparelho tradicional incomoda na aparência, no conforto, na higiene e na falta de valores fixos.
“Enquanto em um dentista não há garantia de quando o tratamento acabará ou de quanto sairá devido a exames extras ou manutenções repentinas, a ideia é oferecer um preço fechado e um tratamento mais ágil e moderno”, diz. Boysen trabalhou com investimentos de private equity em sua terra natal e no Brasil. Ele próprio usou alinhadores dentários transparentes.
“Os alinhadores dentários transparentes eram superiores às alternativas, mas ainda tinham uma penetração muito baixa por conta de um preço proibitivo”, completa Michael Ruah, português e presidente da SouSmile.
A SouSmile começou a operar em outubro de 2018. Além de Ruah, que já foi gerente executivo de planejamento financeira na gigante BRF, a startup conta com os sócios Andrea Nazare (cirurgiã dentista), Alexandre Gama (ex-diretor de engenharia na startup Gympass), Ornella Moraes (ex-diretora de produto na marca de moda PatBo) e Natalia Lombardo (ortodentista).
O negócio captou 1,5 milhão de reais entre sócios, amigos e familiares. Neste ano, captou uma rodada semente de 1,1 milhão de dólares (cerca de 4,5 milhões de reais) com os fundos Global Founders Capital e Canary.
Já a Smilink começou a realizar tratamentos pouco depois, em dezembro de 2018. O investimento inicial foi de cinco milhões de reais. A startup captou um investimento anjo de 750 mil dólares e negocia outro investimento semente de um milhão de dólares. Nos próximos meses, planeja captar um série A de dois milhões de dólares.
A SouSmile e a Smilink possuem processos similares de atendimento. O cliente agenda online um horário para realizar o escaneamento dos seus dentes e raio-x em uma das unidades físicas. A sessão demora menos de uma hora. Após ajustes finos por ortodentistas próprios das redes, o paciente recebe uma simulação do sorriso final, das movimentações necessárias, do tempo de tratamento e do preço. Se o projeto for aprovado, os moldes são produzidos e entregues ao paciente. A cada dois meses em média, o consumidor passa na unidade para pegar novos moldes e avaliar seu progresso.
A SouSmile tem quatro centros de atendimento nas regiões paulistanas da Mooca, do Morumbi, da Paulista e de Pinheiros. “As lojas físicas ajudam na marca, mas principalmente na experiência do consumidor. Oferecemos escova e pasta de dentes, manteiga de cacau e música ambiente. Os detalhes são fundamentais para conseguirmos aprender com a resposta do cliente e melhorar mais rápido”, afirma Ruah. Até o final deste ano, a empresa irá abrir outros cinco centros. A SouSmile tem um preço único de 3.850 reais, parcelado em até 12 vezes. O negócio afirma já ter instalado “centenas” de alinhadores. Na comparação entre dezembro deste ano com o do ano passado, a SouSmile espera multiplicar as vendas quinze vezes.
A Smilink realizou cerca de 250 atendimentos, com tíquete médio de 4 a 6,4 mil reais. Até o final deste ano, a startup espera chegar a 1.000 deles. Uma primeira forma de aumentar o número de atendimentos é flexibilizar o pagamento por meio de um modelo de mensalidade, de 200 a 350 reais em 24 vezes.
A segunda maneira de ampliar os atendimentos é expandindo os pontos de contato direto com o consumidor. A Smilink tem quatro centros de atendimento hoje. Três estão na Grande São Paulo, nas regiões de Pinheiros, Vila Olímpia e São Caetano. A última unidade está em Buenos Aires, na Argentina. Até o final deste ano, serão sete centros. Para os próximos dois anos, a Smilink quer chegar a outras regiões paulistas -- como Alphaville, ABC, Campinas e outros bairros da capital -- e estados como Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre e Rio de Janeiro.
Tanto SouSmile quanto Smilink atendem um público mais jovem e antenado com a tecnologia, geralmente das classes A e B. As startups esperam que o parcelamento atraia mais consumidores e que o aumento da produção diminua os custos unitários e permita preços mais acessíveis. Por enquanto, cada centro de atendimento é um investimento no futuro. Na Smilink, por exemplo, pede-se de 100 a 150 mil dólares por unidade. “É um mercado que precisa de escala e, portanto, de investimento”, diz Boysen. Enquanto o volume não compensa, tanto SouSmile quanto Smilink combinam receitas próprias com aportes externos.
Além do preço, os alinhadores dentários transparentes têm um limite em relação a outros tratamentos. Os moldes são indicados para casos leves a moderados de correção, em problemas como dentes apinhados e desalinhados, diastemas ou mordidas abertas ou cruzadas. Por isso, tanto a SouSmile quanto a Smilink focam em tratamentos não invasivos mais ligados a questões estéticas. “Fizemos estudos e as pessoas relacionam o sorriso com um cartão de visita e com a felicidade. Queremos ligar nosso negócio à autoestima”, diz Ruah. “A Invisalign realiza tratamentos mais complexos. Há uma faixa que não atendemos, mas acreditamos ser a opção mais eficiente para aqueles que se encaixam em nossa solução”, afirma Boysen.