A startup da vaquinha imobiliária
Gabriela Lara As vaquinhas virtuais deixaram de ser novidade há anos: financiam de livros a viagens para o sudeste asiático. Desde o final de 2015, a startup gaúcha Urbe.me levou a lógica de financiamento coletivo para o mercado imobiliário. Funciona assim: pequenos investidores ajudam a bancar a construção do imóvel pela internet, com aplicação mínima […]
Da Redação
Publicado em 8 de março de 2017 às 12h42.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h25.
Gabriela Lara
As vaquinhas virtuais deixaram de ser novidade há anos: financiam de livros a viagens para o sudeste asiático. Desde o final de 2015, a startup gaúcha Urbe.me levou a lógica de financiamento coletivo para o mercado imobiliário. Funciona assim: pequenos investidores ajudam a bancar a construção do imóvel pela internet, com aplicação mínima de 1.000 reais e, em troca, recebem um título com uma estimativa de rentabilidade. O desafio da turma por trás da plataforma online é tornar esta modalidade de investimento mais conhecida.
A primeira captação do Urbe.me terminou em janeiro do ano passado. A incorporadora Vitacon, de São Paulo, arrecadou 1,278 milhão de reais para bancar uma parte da construção de um prédio residencial no bairro Vila Olímpia. Na metade de 2016 foi a vez da RottaEly, de Porto Alegre, captar cerca de 1 milhão de reais para a obra de um edifício residencial na zona central da capital gaúcha. A mais recente empreitada terminou em 23 de fevereiro. A construtora Lotus, de Maringá, conseguiu 676.000 reais. No total, 165 pessoas, de 16 estados, participaram da captação paranaense.
O Urbe.me tenta encontrar o caminho para alçar voos maiores. “A gente acha que vai dar um salto assim que a economia brasileira melhorar”, diz o administrador Paulo Deitos, de 34 anos, um dos fundadores.
É claro que o ambiente econômico não é a única variável. Por isso, a plataforma está desenvolvendo parcerias com outras fintechs para atrair mais investidores. Uma delas envolve a Foxbit, corretora de bitcoin. Na captação de Maringá foi permitido usar a moeda virtual. A ideia é que seja uma porta de entrada para quem não está no Brasil, mas quer investir nos projetos do Urbe.me.
O Urbe.me foi fundado em 2015 por uma dupla de jovens empresários gaúchos. Paulo Deitos e Lucas Obino ficaram dois anos estudando a legislação e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para desenvolver a plataforma. Enquanto estruturavam a ideia, viam surgir nos EUA sites com propostas semelhantes.
Cada site norte-americano de financiamento coletivo para o setor imobiliário – são mais de 100 – tem seu próprio modelo de negócio. A essência, no entanto, é a mesma: dar a pequenos investidores a chance de aplicar dinheiro no mercado imobiliário, de um jeito simples, sem depender de corretoras ou bancos de investimento. O site Prodigy Network, que surgiu na época em que o Urbe.me era idealizado, já levantou 410 milhões de dólares com 6.500 investidores.
Um empurrão, aqui, depende da regulamentação da CVM. A autarquia permite a atividade de equity crowdfunding, mas não tem um regramento específico para essa operação. Para dar sinal verde a uma captação, a CVM se baseia na instrução 400, de 2003, que dispensa de registro ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários até um limite de R$ 2,4 milhões, desde que as empresas que vão captar atendam a certas condições. Na prática, o órgão regulador filtra as ofertas, mas não se responsabiliza por eventuais problemas que os investidores possam ter.
Esta dinâmica deve mudar em breve. A CVM trabalha em uma regulação para todas as captações de equity crowdfunding, não somente as do setor imobiliário. Aportes coletivos a startups, por exemplo, se enquadrarão nesta regra. Uma primeira minuta foi apresentada em agosto de 2016 e a expectativa é de a instrução definitiva venha ainda este ano.
Deitos espera que a CVM reveja algumas questões, mas considera a regulamentação uma conquista. “Traz mais credibilidade”, resume. Quando um órgão regulador começa a olhar para um novo instrumento financeiro, os investidores tendem a se sentir mais confortáveis para embarcar. Outra boa notícia diz respeito a um possível aumento no limite de captação dos projetos, hoje em 2,4 milhões de reais.
Funcionamento
Aqueles que investem pelo Urbe.me recebem um título que tem vencimento determinado e garante uma participação sobre o Valor Geral de Vendas do empreendimento em questão. Após o lançamento do imóvel na planta, a incorporadora apura a cada trimestre como foi a comercialização das unidades e, com base nesses números, distribui rendimentos aos investidores. Ou seja, a rentabilidade está associada ao valor e à velocidade de venda.
A presença do crowdfunding imobiliário no Brasil simboliza uma tendência de aproximar o investidor comum de instrumentos e mercados tradicionalmente sofisticados. O Urbe.me quer levar a experiência de investir em imóveis para o dia a dia de qualquer um. Papel semelhante tem sido desempenhado por corretoras de valores voltadas à pessoa física, que se propõem a apresentar diferentes modalidades financeiras a investidores leigos.
“Esta pulverização é positiva. Estamos em um ciclo de redução de juros na economia que fará investimentos tradicionais de renda fixa renderem menos, portanto ter alternativas é importante”, avalia Edoardo Dalla Fina, gerente de Capital Market e Investimentos da consultoria imobiliária Colliers. “Muitos instrumentos financeiros são exclusivos para investidores qualificados justamente”.
Nos três projetos imobiliários que tiveram captação via Urbe.me, a rentabilidade estimada aos investidores é a mesma: de 13% a 17% ao ano, mais a variação do Índice Nacional de Custo da Construção (INCC). Como todos os investimentos ainda estão vigentes – os contratos são de no mínimo 36 meses –, ainda não é possível saber a rentabilidade final de nenhum deles.
O prédio de Porto Alegre teve boa parte das unidades vendidas no lançamento. Consequentemente, começou a distribuir rendimentos cedo. Conforme o Urbe.me, o retorno ao investidor está dentro da previsão. O prédio de São Paulo, pelo contrário, sentiu os efeitos da crise e apresenta um ritmo de vendas lento.
O próprio site do Urbe.me informa que os investimentos possuem alto risco e retorno variável. Deitos pondera que, no vencimento do título, a rentabilidade paga ao investidor sobre as unidades não vendidas será proporcional à taxa de juros da economia, a Selic. Se a incorporadora suspender a obra ela é obrigada, por contrato, a devolver os recursos aplicados, corrigidos pela poupança.
Embora a carência de funding imobiliário no Brasil afete incorporadoras de médio e pequeno porte, o dinheiro não é o principal interesse das empresas que firmam parceria com o Urbe.me. A “vaquinha virtual” se tornou estratégia de marketing. Ricardo Ruy, diretor-executivo da incorporadora Lotus, conta que foi ele quem procurou o Urbe.me. O valor que foi arrecadado pela plataforma online representa somente 5% do custo total do empreendimento em Maringá. O principal ganho, diz o empresário paranaense, está na visibilidade conferida à incorporadora. “Mesmo quem não investiu vai ver que a inovação está no nosso DNA”, diz.
O Urbe.me vem ocupando praticamente sozinho o mercado de crowdfunding imobiliário no Brasil. Mas aos poucos plataformas estrangeiras começam a se interessar pelo investidor brasileiro. É o caso do site britânico Bricksave, especializado em imóveis de luxo localizados nos Estados Unidos e na Argentina. Neste caso, quem investe não financia a construção, mas compra uma fatia de unidades já finalizadas. Os investidores recebem primeiro um rendimento pelo aluguel e, depois, pela venda do imóvel. O tíquete mínimo é de 2.500 dólares.
O site brasileiro ganha dinheiro recebendo das incorporadoras um porcentual não revelado sobre os valores captados. A operação, garantem os sócios, dá lucro para os sócios desde o ano passado. O próximo projeto da Urbe.me deverá ser em Florianópolis.