Carteira de trabalho (Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas)
Mariana Fonseca
Publicado em 13 de julho de 2017 às 06h00.
Última atualização em 13 de julho de 2017 às 06h00.
São Paulo – Nesta semana, a reforma trabalhista foi aprovada no Senado Federal – e segue, agora, para sanção presidencial. Ao todo, mais de 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) serão alterados.
Algumas das mudanças são a sobreposição dos acordos entre empregados e patrões aos acordos coletivos; a adoção de uma jornada de trabalho de até 12 horas com compensação em outros dias; a divisão das férias em três períodos; e a regulamentação de trabalhos home office e terceirizados.
Para o governo de Michel Temer, o projeto é uma das principais medidas para estimular novas contratações e desburocratizar processos de admissão e demissão de funcionários. A medida foi comemorada por alguns empresários, principalmente do setor de indústrias, ressaltando que as relações de trabalho seriam modernizadas e que o país ganharia competitividade.
Porém, também há críticas quanto à mudança. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontou, em carta, que a reforma proposta pelo governo viola uma série de convenções internacionais assinadas pelo Brasil. Ela também é vista como ruim ou péssima por metade dos mais de três mil profissionais consultados pela equipe do Vagas.com.
Mas, afinal, o que muda na vida do pequeno e médio empreendedor com a revisão da CLT? EXAME.com conversou com especialistas no tema e elencou algumas alterações que as PMEs sentirão na pele com a reforma trabalhista – entre benefícios e alertas. Veja neste link o texto completo da reforma.
Confira, a seguir, os principais pontos da reforma trabalhista para os empreendedores:
A reforma trabalhista elencou uma série de novas medidas quando se fala em flexibilização dos horários de trabalho e de lazer.
Agora, por exemplo, será possível negociar salários por hora ou por dia, em vez de pagamentos mensais.
A jornada de trabalho também poderá adotar o esquema "12x36": após 12 horas de trabalho, há 36 horas de descanso, respeitando o máximo de 48h por semana trabalhadas – 44 horas comuns e 4 horas extras.
Por fim, o tempo de alimentação, de uniformização ou de transporte cedido pela empresa para chegar ao trabalho não contarão como horas trabalhadas.
“O empregador só vai pagar pelo tempo que o empregado efetivamente trabalhar, o que otimiza a produção da sua empresa e reduz os custos. Em tempos de maior demanda, pode haver o pagamento das 48 horas de jornada semanal; em baixa estação, ele pode contratar menos horas de trabalho”, afirma Jorge Boucinhas, docente da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP).
As férias também serão flexibilizadas. Continuarão a ser 30 dias de descanso remunerado, mas eles poderão ser divididos em até três períodos. Até então, era possível dividir o recesso apenas em duas partes.
Andrea Lo Buio Copola, diretora trabalhista e previdenciária da auditoria PP&C, defende que tal medida irá agradar ambos os lados: empregador e empregado.
“O parcelamento irá ajudar no cronograma das atividades da empresa, do lado do empreendedor. Do lado dos empregados, muitos querem fracionar as férias e só conseguem em casos extraordinários”, afirma.
Uma pequena e média empresa costuma ter poucos funcionários, e cada um deles possui grande peso no negócio. “Se a pessoa puder se ausentar menos dias seguidos, é melhor para o empreendimento”, afirma Alexandre Almeida, sócio da área de tributação da auditoria Mazars Cabrera.
Para ele, esse tipo de acordo era feito de maneira informal: o funcionário de fato tirava menos dias de férias, mas registrava o número de dias permitido pela CLT.
“As relações de trabalho que já existiam são regulamentadas, o que é muito importante para dar segurança jurídica ao empreendedor na hora de ele montar um negócio que opera de maneira flexível. O fim da informalidade de acordos assim também reduz a brecha para processos jurídicos, que representam um custo alto para qualquer PME.”
Outro ponto da reforma trabalhista é a regulamentação do home office. Agora, há menção específica a esse tipo de trabalho na legislação. Não há muitas definições, exceto que a divisão de custos (água, internet e luz elétrica, por exemplo) deverão ser acordadas entre empregador e empregado.
Assim como no caso das férias, especialistas apontam que a reforma trará um benefício de regulamentação de uma relação trabalhista que já funciona atualmente, mas de maneira informal.
“Agora, o negócio está respaldado na lei para incluir o home office no seu modelo de trabalho. O empregador terá custos reduzidos com aluguel e outras contas fixas, já que poderá praticar rodízio de empregados na sede da empresa, que será menor, portanto”, diz Copola.
“Enquanto isso, os funcionários ficam mais engajados em uma empresa que lhes oferece flexibilidade, aumentando a produtividade do negócio como um todo.”
Boucinhas, da FGV, cita um exemplo prático: o home office já é comum nas empresas em áreas como programação e tecnologia da informação.
“Quem tem funcionários home office, hoje, pode se envolver em problemas na justiça. Agora, o contrato entre as partes fica mais definido, inclusive no quesito de quem deve arcar com os custos relacionados a esse tipo de trabalho. A reforma abre menos brechas para processos jurídicos interpretativos.”
Um ponto bem polêmico no texto é o reforço quanto à terceirização de atividades empresariais – que já estava em discussão antes do anúncio reforma trabalhista desta semana.
Agora, será possível terceirizar todas as atividades do negócio. O propósito é, assim como nas decisões de jornada intermitente e férias parceladas, flexibilizar a relação entre empregador e empregado.
Porém, o empreendedor tem de ter cuidado para não cair na “pejotização” de funcionários: membros que são cadastrados como pessoa jurídica (“PJ”), mas trabalham de forma não-eventual, assim como um empregado CLT.
“Muitos empregadores vão simplesmente transformar seus funcionários em PJs, sem se atentar à carência de 18 meses para a recontratação de um membro CLT como PJ”, alerta Boucinhas, da FGV. “Mesmo passado esse tempo, o empregador ainda tem que tomar cuidado. Se isso cair na mão de um juiz que entender que há uma relação de emprego comum, considerará o PJ como CLT e o empreendedor perderá um grande processo trabalhista.”
Copola, da PP&C, minimiza a chance de “pejotização” dos funcionários, defendendo a capacidade dos pequenos e médios negócios de valorizarem a gestão de pessoas como um aspecto fundamental para o sucesso do empreendimento.
“Será decisão da empresa terceirizar todas as suas atividades ou não. O negócio deverá ter consciência de que sua empresa precisa ter uma história empresarial. A partir do momento em que eu perco a cultura que eu promovo, a minha identidade, o empreendimento se enfraquece.”
Em linhas gerais, o principal ponto da reforma trabalhista é de flexibilização de contratos: as decisões acordadas entre empregador e empregado, individualmente, têm sobredeterminação aos acordos coletivos de cada categoria.
A principal crítica a essa linha de pensamento é a de que as relações entre empregador e empregado não são igualitárias, como a ideia de “negociação” pressupõe: o dono de negócio é detentor de bens de produção e capital, sendo o agente responsável por remunerar o empregado em troca de sua força de trabalho e, portanto, com maior poder ao negociar.
Para Almeida, a situação nas pequenas e médias empresas não reflete tal argumentação. “Em uma grande empresa, minha tendência é concordar com isso. No mundo das pequenas e médias, porém, não é bem assim. Embora o empreendimento também seja detentor de capital, ela está numa situação mais difícil, com custos, litígios e inseguranças jurídicas que podem realmente inviabilizar o negócio”, defende.
Para o sócio da auditoria Mazars Cabrera, toda ação para fortalecer investimentos no país é positiva. “O custo trabalhista é realmente um obstáculo para o investimento em atividade produtiva no Brasil, seja ele doméstico ou estrangeiro. Trazendo um incentivo econômico para o empreendedorismo, haverá mais empregos e mais consumo.”
Boucinhas traz uma linha de análise mais crítica para os efeitos da reforma trabalhista: atitudes como a “pejotização” dos funcionários podem ser um tiro no pé dos planos do governo para melhor o caixa público.
“A terceirização de qualquer relação trabalhista, por meio do pagamento de notas fiscais a diversos empregados, pode acabar interferindo na contribuição à Previdência Social. É preciso analisar bem como essa flexibilidade será feita”, alerta o docente da FGV.