caminhão (Pixabay/Reprodução)
Karin Salomão
Publicado em 22 de outubro de 2019 às 10h35.
Última atualização em 22 de outubro de 2019 às 10h38.
Pelas estradas do Brasil, cerca de 500 mil motoristas de caminhão transportam soja, fertilizantes, milho, entre outros. No entanto, seu trabalho ainda é feito da mesma maneira há décadas: empresas do agronegócio os contratam pelo telefone ou Whatsapp e o pagamento, muitas vezes, é feito em dinheiro.
A Sotran, empresa de tecnologia para transportes, busca mudar esse cenário com um aplicativo que conecta caminhoneiros, transportadoras e empresas de agronegócio, a Tmov. Para facilitar a remuneração ao motorista, a companhia também criou um cartão de débito, que já tem 35 mil usuários ativos.
A empresa foi criada em 1985 por Ruber Dallamaria e Rosler Dallamaria como uma transportadora. Mas foi a partir de 2016 que a expansão acelerou, com o investimento do fundo norte-americano de private equity Arlon Group. A companhia mudou o foco e investiu em seu aplicativo Tmov. Se antes os fretes eram acordados em outras plataformas, hoje 65% dos 400 mil transportes feitos todo ano pela Sotran já são negociados pela plataforma da Tmov e o plano é chegar a 100%. De 500 caminhões cadastrados, hoje a Tmov tem 180 mil caminhoneiros cadastrados e faz 2 mil carregamentos por dia.
A entrada do fundo de private equity não apenas injetou capital no negócio - também alterou sua liderança. Charlie Conner, que havia criado o fundo em 2013 ao lado do sócio Bruno Martins Silva, principal coordenador do fundo na América Latina, deixou o gerenciamento do fundo e se tornou o CEO da Sotran. Na ocasião, o fundo já havia investido em quatro empresas. Além da Sotran, são a CBL Alimentos, Grano Alimentos e OK Superatacado.
A expectativa para a Tmov é movimentar 1 bilhão de reais em pagamentos de frete nos próximos 12 meses - a companhia fica com uma margem, não divulgada, de cada entrega.
O Brasil tem cerca de 2 milhões de caminhoneiros e cerca de 500 mil motoristas estão dedicados exclusivamente ao agronegócio, diz Conner. O mercado de transporte rodoviário de cargas, foco da Sotran, movimenta 400 bilhões de reais no país, segundo a ABAG (Associação Brasileira do Agronegócio).
Para o executivo, a companhia tem a oportunidade de levar tecnologia e uma boa experiência aos motoristas do setor de agronegócio. “Nesse segmento, a tecnologia ainda está anos atrasada. Os contatos entre motoristas e empresas ainda é feito por telefone ou Whatsapp”, diz Conner.
O Brasil tem cerca de 150 mil transportadoras, com uma média de 7,6 caminhões, segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres. Ou seja, há transportadoras maiores e mais estruturadas, mas a maior parte das cargas é levada por empresas com frotas menores ou por motoristas autônomos. Essas empresas sofrem com o capital de giro necessário para suportar o tempo entre investir na entrega, como na compra do caminhão, contratação de motorista e gastos com combustível, e receber o pagamento de seu cliente.
Dessa forma, escalar a startup fica mais difícil, diz Conner, já que é necessário conquistar os caminhoneiros um a um. Mesmo assim, esse público é essencial para a companhia, já que é o mais carente de soluções, afirma.
A plataforma conecta os motoristas a cerca de 700 clientes, como a exportadora de açúcar e etanol Coopersucar, a produtora de alimentos Cargil, frigoríficos como JBS e BRF e a Yara, de fertilizantes.
As empresas informam as cargas disponíveis e os motoristas aceitam o frete pela plataforma. Assim, a carga fica garantida e o motorista não perde viagem ao chegar em um cliente e a carga já ter sido levada por outro.
Além disso, o motorista também consegue viajar com o caminhão cheio o tempo todo. Se leva grãos do Centro-Oeste aos portos no litoral, na volta pode transportar fertilizantes ao campo, por exemplo, o que não seria possível se o contrato fosse apenas com uma empresa. A parcela de veículos rodando sem carga chega a 43%.
Além da dificuldade de garantir o frete, outro obstáculo para os motoristas é o pagamento pelo serviço, já que muitos não possuem contas em bancos. No total, o Brasil tem 45 milhões de não incluídos no sistema bancário, segundo uma pesquisa do Instituto Locomotiva. Eles movimentam 820 bilhões de reais por ano fora dos bancos — é praticamente o produto interno bruto de Portugal (218 bilhões de dólares).
Para conquistar essa parcela da população, diversas companhias surgiram nos últimos anos - de fintechs a meios de pagamento de varejistas e divisões de grandes bancos tradicionais. No entanto, a área rural ainda é carente de soluções financeiras, diz Conner.
Muitos motoristas do agronegócio ainda recebem em dinheiro, cheque ou até carta-frete - proibida desde 2010, a modalidade de pagamento por meio de um documento que é trocado por alimentação ou combustível em postos ainda é uma realidade.
Além da insegurança de rodar com o pagamento em dinheiro e da informalidade da carta-frete, é difícil transferir a remuneração para a família, comprovar renda para conseguir empréstimos, entre outros obstáculos.
A Sotran lançou o cartão em abril deste ano e já tem 35 mil usuários ativos. Com o cartão, os motoristas também ganham uma conta digital, que permite pagar contas e sacar dinheiro. “Queremos virar o principal banco dos motoristas”, afirma Conner.
A companhia está desenvolvendo novas funcionalidades para a conta digital, como transferências e empréstimos. Para atrair os motoristas, a empresa está oferecendo cash back em alguns postos no abastecimento de combustível, por exemplo. A companhia também oferece seguro de vida aos motoristas, serviço contratado por 35% da base.
Parte dos funcionários também está dedicada ao desenvolvimento de novas tecnologias. Um dos grandes desafios da companhia, hoje, é atrair talentos. “É difícil convencer um engenheiro ou desenvolvedor a viajar para o campo no Mato Grosso”, diz Conner. Assim, uma parte considerável das despesas é no time de funcionários, que vieram de startups como Uber, iFood e 99, por exemplo.
A sede da companhia é em Londrina, Paraná, mas há um escritório de desenvolvimento em São Paulo. Atualmente, a empresa tem cerca de 500 funcionários. Grande parte atua no time de relacionamento: são 15 funcionários voltados para o atendimento aos clientes e 350 funcionários para o atendimento dos motoristas.
A Sotran não é a única a apostar no mercado de transporte de cargas. Uma concorrente é a CargoX, empresa fundada em 2013 que tem 350 mil caminhões conectados a seu aplicativo, que atendem 8 mil empresas como fabricante de bebidas Ambev, a multinacional de bens de consumo Unilever e a Votorantim, de indústria pesada. A CargoX faturou 500 milhões de reais em 2018 e já acumula 95 milhões de dólares em investimentos feitos por entidades renomadas no mercado de startups e de mobilidade.
Já a americana Convoy quer automatizar a negociação entre motoristas e companhias. Fundada em 2015, a empresa já levantou 260 milhões de dólares em investimentos, incluindo um aporte de 185 milhões de dólares liderado pelo fundo da Alphabet, CapitalG.
A Flexport, startup nascida na Califórnia, Estados Unidos, não se limita ao trasporte rodoviário e abriu sua plataforma para entregas pelo ar, mar e por ferrovias. Até a Uber tem uma divisão voltada a frete, a Uber Freight. Lançada em 2017, virou um negócio independente em 2018. São 400 mil motoristas e 1.000 clientes nos Estados Unidos e Europa.