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Responsável pela Avis no Brasil começou a carreira como office-boy

Afonso Celso de Barros Santos tirou zero de matemática, no primeiro teste de emprego, mas hoje lida com números como um faturamento de 300 milhões de reais

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h39.

Em 1994, quando o então funcionário de banco Afonso Celso de Barros Santos resolveu abrir um negócio próprio, escolheu um setor ligado a mobilidade - aluguel de carros. A escolha não poderia ser mais simbólica. Foi à frente da locadora Avis que ele tornou-se símbolo da mobilidade social, ao alcançar, em 2007, um faturamento de 300 milhões de reais. Número bem significativo para quem levou um zero em Matemática, na prova de admissão do seu primeiro emprego, como office-boy. Na entrevista a seguir, ele conta como percorreu esse caminho.

- Como foi a sua infância?

Eu tive uma infância muito pobre. Nasci em São Paulo e meus pais tiveram sete filhos, sou exatamente o do meio. Minha mãe era professora, voltada para crianças excepcionais. Meu pai era contador, primeira da Light e depois num hospital em Osasco. Quando eu era muito jovem a minha família mudou-se para a cidade na grande São Paulo. Vou ser honesto com você: perdi a conta de quantas vezes a minha família foi despejada por falta de pagamento de aluguel. Eu tinha uns 10, 12 anos. Desde que eu me lembro por gente vi que meus pais lutavam muito para pagar as contas de casa. Mas a luz de casa era difícil não cortar. Todo mês tinha problema. Naquela época, há 40 anos, era difícil criar sete filhos. Apesar de ser contador, talvez meu pai não estivesse preparado para crescer profissionalmente. As pessoas às vezes têm as suas limitações. Para complementar a renda da família, ele trabalhava demais e eu não o via em casa. Acho que entre ficar em casa para ver os filhos e trabalhar, ele ficou com a segunda opção. Para você ter idéia, à noite ele ficava nos guichês do jóquei para registrar as apostas.

- Como era a casa onde a família morava?

Era uma casa muito pequena. Normalmente, a gente morava numa casa com dois quartos. Por causa disso, tinha gente que dormia na sala. Sempre morei em casas muito pequenas. Chegamos a morar num apartamento de um quarto que não passava de 50 metros quadrados.

- E sua mãe também fazia bico?

Só à noite. Boa parte da nossa educação foi conduzida pela minha irmã mais velha, chamada Regina. Quando ela fez 9, 10 anos ela passou a cuidar da meninada. Ela foi sacrificada nessa história, mas era responsável e levou bem esse papel de ser meia-mãe, meia-irmã. Quando a gente não estava na escola, ela era que cuidava da família.

- E hoje ela faz o quê?

Ela seguiu os passos da minha mãe e foi professora. Trabalhou muitos anos na Fundação Bradesco. Mas hoje ela está aposentada.

- O senhor estudou aonde?

Num colégio público em Osasco. Mas estudei muito pouco, só até a sexta série. Aí eu tive um pouco de sorte. Eu morava em Osasco e lá é a sede do maior banco privado do país, o Bradesco. A minha mãe tinha uma amiga cujo marido trabalhava no banco. Então ela perguntou se eles poderiam ajudar a encontrar uma colocação para mim.

- Os filhos tinham que trabalhar para ajudar na renda da casa?

Exatamente. Cada irmão fazia uma coisa. Um trabalhava no setor metalúrgico, a Regina foi ser professora, um serviu o exército. Cada um foi para um lado para se virar um pouco. Mas ainda assim era insuficiente para complementar a renda. Aí a minha mãe me colocou para trabalhar no Bradesco como office boy. Eu lembro que não passei em nenhuma questão da prova de admissão. Acho que levei zero de matemática.

- E como o senhor conseguiu o emprego, então?

Acho que o pessoal ficou com dó de mim. Pensaram: vamos colocar esse rapaz para trabalhar para ver o que acontece. Mas aí eu era muito esforçado desde jovem. Lembro que no meu segundo ou terceiro dia de trabalho, fizeram eu andar de um prédio para o outro com uns documentos. Fiquei mais de uma hora e meia indo e vindo no prédio. Eles queriam me testar. Aí viram que eu era esforçado e me deixaram trabalhar.

- O senhor lembra qual era o seu salário na época?

No máximo um salário mínimo.

- E quando foi isso?

Em 1973.

- O senhor trabalhou como office boy por quanto tempo?

Eu era um office boy curioso. Um exemplo: eu tinha que servir café para as pessoas. Mas tinha gente que eu deveria servir e outras não. Eu queria saber por que aquilo acontecia. Aí me explicaram que eu só tinha que servir café para quem era diretor. Nunca fiz uma coisa na vida sem saber por que eu estava fazendo. De uma certa forma, isso me ajudou a entender todos os processos que eu participei. Devo ter ficado como office boy durante uns 3 ou 4 anos. Naquela época, o importante era saber datilografia. Quem não soubesse estaria liquidado dentro de um banco. Mas eu não tinha dinheiro para pagar um curso. O que eu fazia? Depois do expediente eu ficava datilografando sozinho. Aí tinha umas mocinhas lá que eram escriturárias que tinham dó de mim e me ensinavam a datilografar. Quando aprendi a datilografar fui promovido a escriturário. Eu lembro que eu era um escriturário meio diferente. Eu já tinha alguma coisa de tentar liderar um time. Eu lembro que uma vez mandei um outro escriturário embora porque ele era vagabundo e não gostava de trabalhar. Eu não poderia fazer isso. Não sei por quê, eles respeitaram a minha decisão e mandaram o cara embora. Aí eu comecei a aprender o que estava fazendo. Naquela época, eu fazia posições para o Banco Central para operações de moedas estrangeiras. Fui me especializando nisso e, num determinado momento, fui promovido e virei chefe de seção. Fiquei todo orgulhoso: ganhei uma carteira vermelha. Já tinha uns sete anos de banco. E aí eu sempre fui me aperfeiçoando: virei chefe de serviço, sub-gerente e finalmente virei gerente. Aos 24 anos, fui o gerente mais novo da história do banco.

- Gerente do quê?

Eu era gerente de um departamento chamado resolução 63. Era justamente o departamento que cuidava de operações de moeda estrangeira. O Brasil captava dinheiro lá fora e aplicava para as pessoas jurídicas aqui no Brasil. Eu que cuidava dessa área: era a maior área do departamento onde eu trabalhava.

- O senhor tinha uma equipe que trabalhava para o senhor?

Tinha umas 150 pessoas. E nunca tive problema - nem mesmo com os funcionários mais velhos. Nunca dei muita bola para isso. Se você dá muita atenção para a torcida, começa a ter dor de cabeça. Você tem que traçar um objetivo e ir atrás dele. O meu objetivo era sempre crescer. Eu não tive uma carreira planejada, nunca fui de planejar as coisas. Uma coisa eu sabia: eu queria crescer. Então eu sempre mirei no próximo alvo, dava um passo de cada vez. E graças a Deus eu nunca tive uma frustração. Obviamente você passa por algumas frustrações, como não crescer como você gostaria. E é preciso saber lidar com isso. O jovem hoje em dia é muito apressado. Quando ele está para subir um degrau ele joga tudo para o alto porque ainda não subiu. Às vezes você tem que saber esperar o momento certo.

- Como o senhor aprendeu todas essas coisas?

Eu sempre fui uma pessoa muito prática, gosto de aprender o que eu vou usar. Como eu não tinha estudado, comecei a fazer curso que Bradesco pagava porque via que eu tinha potencial. Quase não paguei curso nenhum. Fiz curso de matemática financeira, de análise de balanço, de português, para falar em público. Fiz mais de 30 cursos. Isso me ajudou a complementar aquilo que eu não tinha, que era o estudo. O que mais me agregou conhecimento foi quando fui transferido dessa área para crescer a área de leasing do Bradesco. Às vezes o bancário cuida de um determinado produto ou bancário, mas tive a felicidade de ir para uma empresa que estava ligada ao banco. E assim você tinha desde a contabilidade, parte fiscal, de contratação, área comercial, marketing. Qualquer coisa no Bradesco é grande. Ter a chance de cuidar da Bradesco Leasing me abriu os horizontes no sentido de saber o que é administrar uma empresa.

- Qual era o tamanho do Bradesco Leasing naquela época?

Tinha cerca de 350 funcionários e chegou a estar entre as três maiores empresas de leasing do Brasil. Era uma empresa grande. Não sei te dizer o tamanho da carteira.

- O senhor tinha quantos anos nessa época?

Tinha 29, 30 anos. Aí eu comecei a perceber que eu precisava buscar outros caminhos. Às vezes uma placa importante atrás das suas costas fazem você duvidar se você é que é bom ou se a instituição que é boa. Às vezes uma coisa não tem nada a ver com a outra. Em 1994, decidi sair do Bradesco e ir para o banco Excel.

- Depois de quanto tempo no Bradesco?

De 22 anos. Foi a decisão mais difícil que tomei na minha vida. Eu tinha um emprego bom, com um salário razoável e as pessoas gostavam de mim. Muita gente não aceitava isso.

- O senhor recebeu uma proposta para ir para o Excel?

Já tinha recebido várias propostas, mas não tinha aceitado nenhuma. Desta vez resolvi olhar. Achei que estava maduro o suficiente para alçar novos vôos. Quando eu cheguei no Excel, em 90 dias eu percebi que ali não seria a minha casa. Não me acostumei à cultura do banco, que era muito diferente do Bradesco.

- Em que aspecto?

Acho que o Bradesco era um banco de banqueiros. O Excel era um banco em formatação. Dez meses depois de chegar, pedi para sair do banco. Quando eu saí do banco Excel, resolvi ter um negócio próprio e montei uma locadora de carros.

- Por que uma locadora de carros?

Aí tá um ponto importante que sempre recomendo para uma pessoa que eu gosto. Às vezes a pessoa trabalha muitos anos em alguma coisa e quando ela vai buscar um negócio pessoal elas mudam radicalmente de área. Tudo aquilo que elas aprenderam elas jogam na lata do lixo. Tudo o que aprendi no Bradesco foi o meu relacionamento e o meu conhecimento pessoal. Por que resolvi criar uma locadora? Porque ela funciona igual a uma empresa de leasing. O que uma empresa de leasing faz? Ela capta dinheiro, transforma em carro e arrenda o carro. A locadora a mesma coisa. A diferença é que ela agrega serviços, como carro reserva, licenciamento, manutenção corretiva, proteções etc. Quando estive no Bradesco, participei da regulamentação do leasing operacional, que é o leasing financeiro com serviços. Percebi que, naquele momento, os bancos não fariam leasing operacional porque os spreads eram bastante confortáveis. E o leasing operacional você tem o risco de assumir a desvalorização do bem que você está comprando. Resolvi montar uma locadora porque eu conhecia todo o aspecto do leasing financeiro e só teria que me aprofundar na parte de serviços.

- O senhor teve alguma dificuldade em montar a empresa?

O maior problema foi o capital inicial. Até aquela época eu só havia juntado 100 000 dólares. Era o único dinheiro que eu tinha. Se desse errado eu estava complicado. É muito pouco depois de 23 anos de serviço.

- O senhor investiu todas as suas economias no negócio?

Isso. Montei uma locadora com 21 carros e apenas quatro funcionários. A sede era em Alphaville. Ela sempre se chamou Dallas, mas sempre foi franqueada. Começou sob a bandeira de uma franqueadora chamada FleetCar e depois de um ano virou Avis. Um anos depois, já tinha 200 carros.

- Como o senhor cresceu tanto?

Sempre digo que nessa atividade não é importante ter dinheiro, e sim ter crédito. Naquela época, existia 65 empresas de leasing e eu conhecia os 65 diretores. Eles confiaram em mim e me deram dinheiro para comprar mais carros. Por conta do relacionamento que eu tinha, consegui buscar clientes. Coloquei a pastinha embaixo do braço e lá em Alphaville mesmo eu buscava clientes. Ia em casas de pessoas e empresas para oferecer aluguel de carros. Naquela época, a diária de um carro custava muito mais do que hoje. Mesmo assim, tinha muita empresa que já entendia que era melhor alugar do que ter frota própria. Aí eu consegui convencer algumas empresas. Quando atingi 200 carros, a Avis, que já havia sido Brasmotor, tinha sido vendida para esse pessoal da FleetCar. E esse pessoal quebrou. Da noite para o dia, a Avis deixou de ter representação em São Paulo e no Rio. Só tinha representantes em outros estados porque eram franqueados. Em 1995, 96, a Avis me procurou para saber se eu queria assumir a franquia master da empresa no Brasil. Mas eu ainda não me sentia preparado porque fazia pouco tempo que estava na atividade. Concordei em assumir a franquia de São Paulo. Tive que começar do zero porque o antigo franqueador levou tudo embora: central de reservas, levou os funcionários, levou os carros, levou tudo. Era terra arrasada. Eles me ofereceram também o Rio de Janeiro mas eu não quis comprar, gosto de dar um passo de cada vez. A operação no Rio depois foi comprado pelo Pacífico Paole, que é ex-presidente da Fiat. Comecei a assumir a praça de São Paulo e comprei uma sede na rua Clélia, na Lapa, financiada e fui abrir nos aeroportos. Mas para abrir em aeroporto você depende de licitação pública. Por exemplo: no aeroporto de Guarulhos eu consegui entrar em 90 dias, enquanto que no aeroporto de Congonhas eu demorei praticamente um ano para entrar. Nesse meio tempo, abri uma loja na frente de Congonhas, na Washington Luis. Ainda tenho loja lá, que funciona como car return. Um ano depois de assumir São Paulo eu tinha uma frota de 1 000 carros e resolvi comprar também o Rio de Janeiro. São Paulo é muito exportador de negócio para outras regiões e o Rio de Janeiro precisava profissionalizar. O franqueado do Rio não era o negócio principal deles. Eles estavam mais preocupados com o negócio de concessionárias. Quando comprei o Rio, eu tinha 40, 50% da Avis no Brasil. Aí conseguimos crescer para 3 500 carros e chegou um momento que foi interessante. A Avis estava confortada na posição de master franqueadora no Brasil e não detinha operação, só cuidava de administrar a rede e nomear franqueados em regiões que eu não operava. Nesse momento, os banqueiros começaram a nos observar pelo crescimento que nós tivemos, os clientes começaram a nos observar e os concorrentes começaram a nos observar. Eu tive três ou quatro boas ofertas para mudar de bandeira, para ir para outra locadora. Pensei bem e disse: o pessoal da Avis me conhece, vou lá conversar com os americanos nos Estados Unidos e vou propor comprar a master franquia deles. Com o americano tem que ser assim: tem que ir devagar porque senão eles vão lá e arrebentam tudo. Fui lá e disse: olha, adoro a Avis, meu coração é vermelho. Mas eu tenho outros caminhos e só posso continuar se vocês aceitarem que eu assuma a master franquia no Brasil. Depois de três ou quatro dias de reunião, eles aceitaram. Fechei negócio em agosto de 2003 e assumi a rede no Brasil inteiro.

- Hoje quantos carros tem a Avis no Brasil?

Vamos terminar o ano com 18 000 carros. Começamos com 21 e vamos fechar o ano com 18 000.

- E qual é o faturamento da empresa?

O sistema todo deve faturar alguma coisa perto de 300 milhões de reais por ano. Para quem começou com 21 carrinhos e 100 000 dólares até que deu certo. Mas eu sempre digo: empresa é como bicicleta, você não pode perder o medo senão se arrebenta. Não pode achar que você é o bom e que não vai errar. A gente tem que ter medo de quebrar, porque quando você tem medo você não quebra. É a mesma coisa com a moto.

- Com que idade o senhor saiu de casa?

Com 18 anos. Ainda trabalhava no Bradesco, já era escriturário. Até nisso o banco foi bom. Eles financiavam imóveis e a taxa era a mais competitiva do mercado. Consegui comprar um apartamento para mim. Comprei na Vila São Francisco, que fica perto de Osasco mas já é São Paulo. Era um prédio que o Bradesco tinha feito os apartamentos. Tinha 93 metros quadrados e eu morava sozinho.

- Quando o senhor casou?

Casei com a minha esposa 18 anos atrás e nós fomos morar nesse apartamento. Ainda estava no Bradesco. Ela se chama Elaine.

- O senhor teve filhos?

Três filhos. Hoje eu tenho o Vitor, de 15 anos, o Lucas, de 11 anos e a Flávia, de 9 anos. Vou ter que alugar muito carro para manter essa turma toda.

- Onde o senhor mora hoje?

Em Alphaville. A sede da empresa fica na Lapa, na rua Tito.

- Quando o senhor estava começando como office-boy o senhor pensou que seria presidente de uma empresa que fatura 300 milhões de reais?

Nem me passou pela cabeça. Mas eu sempre procurei o melhor que eu podia para poder dar o próximo passo. Me considero uma pessoa que tem ambição. Sou um eterno descontente. Se você me perguntar se eu me considero realizado, respondo: "nem um pouco". Infelizmente. Lembro quando eu atingi 100 carros e a minha mulher falou: "agora tá bom, né, Afonso?". Eu respondi que não, que precisaríamos crescer mais um pouco. Quando cheguei em 1 000 carros ela falou: "agora, tá excelente". Eu respondi que não, que ainda não estava bom. Fomos tão bem e a Avis está tão contente com o nosso trabalho que em abril de 2005 eu pude adquirir a Budget. Eu brinco que se eu não der certo não foi por falta de chance. Das três maiores locadoras de carros do mundo eu tenho duas. Eles estavam vindo para o Brasil e pertencem ao mesmo grupo lá fora. De 167 países onde a Avis e a Budget operam no mundo, só em quatro países o franqueador é o mesmo. São eles: Brasil, Uruguai, Panamá e República Dominicana.

- Mas são operações separadas?

A estratégia foi não reinventar a roda, só repliquei o que os americanos fizeram lá fora. Deixamos o front office, as lojas, completamente separadas. Unificamos o back office. Não precisamos de dois recursos humanos, dois financeiros, duas tecnologias. Nós unificamos o back office. Principalmente, unificamos a frota. Nas locadoras, é normal ter uma ociosidade da frota, que gira em torno de 25, 30%. Então teria uma ociosidade dessa na Avis e outra na Budget. Transformamos isso numa ociosidade só, o que faz com que a Budget possa ter preços mais competitivos.

- Quando o senhor fala que o faturamento da empresa é de 300 milhões de reais não conta a Budget?

A Budget é uma operação pequena. Vai finalizar o ano com 1000 carros e faturamento de 15 milhões de reais.

- A que o senhor atribui esse sucesso?

Gostar do que você faz. Para mim, essa é a coisa mais importante. Quando você não gosta do que você faz, não vai fazer bem feito.

- Mas o senhor gostava de ser office-boy, por exemplo?

Gostava. Sempre gostei do que eu fiz. Eu enxergava o futuro. Na profissão de office-boy eu vi uma porta de entrada para entrar no mercado financeiro. Para mim, era um processo natural de quem queria entrar ali. O Bradesco tinha (e tem até hoje) o processo de carreira fechada. Ninguém é contratado de fora para ocupar o lugar de quem está lá dentro. Se você vai crescendo lá dentro com as próprias pernas você não corre o risco de vir alguém e tomar o seu lugar. Com esse processo de carreira fechada eu vislumbrei que a porta de entrada seria o posto de office-boy e depois eu iria crescer. O segredo é gostar do que você faz. Outra coisa é não desistir nunca. Tem gente que no primeiro tropeço desiste. Você tem que ser persistente. Se você sabe o que quer, você tem que ser persistente. E tem que ter uma dose de ambição também. Uma ambição positiva, uma ambição de querer crescer. Costumo dizer que não trabalho pela minha família. Nunca trabalhei. Trabalho por causa de mim, porque sei que não me sentiria bem se não pudesse dar um bom estudo para os meus filhos. Outra coisa: não dá mais para ser clínico geral. Quando você tem dor de estômago, você procura um especialista. E as empresas, a economia estão adquirindo uma tal complexidade que se você não se especificar, você tem muita chance de errar. Se especificar não significa entender só daquele assunto, ter uma cultura múltipla em prol de um objetivo único.

- Hoje os seus filhos estudam aonde?

No Porto Seguro do Morumbi (em São Paulo).

- O senhor lembra o nome da primeira escola do senhor?

José Liberati.

- O senhor acha que teria as mesmas chances que teve na vida se tivesse nascido num país que não o Brasil?

Para ser honesto, eu teria chances num outro país. Mas o crescimento seria muito mais lento. Essa chance que eu tive aqui no Brasil eu não teria num país desenvolvido, não. Acho que o Brasil é um país que dá muita oportunidade para as pessoas crescerem. Basta você encontrar um caminho certo e seu pai e sua mãe olharem por você de alguma forma. Obviamente se o teu pai sempre te deixa numa situação desfavorável é mais difícil. Então acho que os pais têm que ter esse discernimento de dar o primeiro empurrão. Não sei o que seria de mim se a minha mãe não tivesse me colocado no Bradesco. Você encontra pessoas que conseguem construir uma vida e o pai e a mãe não deram um empurrão. Tem gente que era engraxate e conseguiu se virar. O Brasil dá oportunidade. O capitalismo tem essa característica positiva. Ele te dá chance, te deixa crescer. Obviamente, se a pessoa nasce num berço esplêndido ela tem mais chance de crescer por um lado. Por outro, às vezes ela se acomoda porque os pais já fizeram tudo que tinha que ser feito. Não tenho a menor intenção que meus filhos me sucedam na empresa. Quero que eles façam o que eles gostem. Não posso querer que eles sejam meus sucessores. O mais velho por exemplo tem muito interesse em história, filosofia. Mas não estou preocupado, não. Às vezes me perguntam o que é ter sucesso na vida. Para mim não é ser rico, ter dinheiro, não que é ter sucesso na vida. É ser feliz.

- O senhor já passou necessidade na vida?

Nós tínhamos que disputar o último pedaço de bife. Fome eu não passei, mas faltava sobremesa, às vezes comia um pouco menos. Luxo a gente não tinha nenhum. Pelo contrário: a luz era cortada, a água era cortada. A gente passava vergonha. Imagina o que é ter a luz cortada aos doze anos. Os vizinhos ficavam comentando. A gente ficava morto de vergonha. Lembro que a minha irmã mais velha ia casar e três ou quatro dias antes ela estava recebendo as pessoas em casa para entregar os convites e cortaram a luz de casa. Foi muito ruim.

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