J&F: como as demais que fecharam acordo, empresa terá vantagens e desvantagens (Daniela Toviansky/Exame)
Tatiana Vaz
Publicado em 31 de maio de 2017 às 17h27.
Última atualização em 31 de maio de 2017 às 18h15.
São Paulo – Desde que grandes empresas passaram a ser alvo de investigação no âmbito da Operação Lava Jato um termo jurídico se tornou bem popular na imprensa do Brasil: acordo de leniência.
O exemplo mais recente do uso do instrumento (e que uso) foi o da J&F, anunciado hoje, com o pagamento de 10,3 bilhões de reais de multa, o maior para esse tipo de acordo no mundo.
Mas, afinal, você sabe o que é um acordo de leniência?
EXAME.com falou com três advogados especializados no assunto para explicar a seguir. Confira:
O acordo é um combinado entre a autoridade competente (administração pública, nacional ou estrangeira) e pessoas físicas ou jurídicas que cometeram infrações à ordem econômica, sejam de concorrência, corrupção ou de licitações. Ele gera ônus e bônus para as duas partes.
Para as empresas, o maior benefício em fechar um acordo como esse é o de extinguir ou reduzir a pena que seria aplicável, além de evitar ser processadas. Para tanto, elas têm de reconhecer que participaram de uma conduta ilegal e pagar uma contribuição pecuniária, uma fração da possível multa.
Elas também se comprometem a colaborar efetivamente com as investigações, entregando provas e identificando as condutas e os envolvidos. Também se comprometem a cessar a prática ilícita e adotar programas corretivos e de compliance.
“Além disso, as companhias conseguem estabilizar as suas atividades e, de certa forma, precificar os valores que precisarão ser devolvidos a quem de direito”, explica Juliano Barbosa de Araújo, diretor do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE).
Para a autoridade, a vantagem é ter uma investigação robusta, com provas e testemunhos, de forma muito mais rápida, e com as custas pagas pela empresa. Há, então, uma enorme economia de tempo e dinheiro.
Também é uma forma da sociedade receber de volta, ainda que de forma parcial, os valores desviados pelas ações ilícitas das corporações.
“A obrigação de parte da autoridade é, como o nome diz, ser leniente, ou seja, reduzir ou extinguir a penalidade”, explica Patrícia Agra, sócia da área de defesa da concorrência e compliance do L.O. Baptista Advogados.
Ele entrou no ordenamento jurídico nacional em 2000, restrito às “infrações à ordem econômica”, mas sofreu uma série de modificações e melhorias para ganhar os moldes de hoje.
O acordo de leniência está previsto na Lei de Defesa da Concorrência e na Lei Anticorrupção. O primeiro é feito no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – o CADE, enquanto o segundo, em âmbito federal, pela Controladoria Geral da União – a CGU, ambos com a participação do Ministério Público.
Mas em qual tipo se enquadram os acordos fechados no âmbito da Lava Jato?
“Nos dois, uma vez que, pelas denúncias que vêm sendo publicadas, os atos investigados envolvem, dentre outras condutas, corrupção, cartel, fraude a licitações e lavagem de dinheiro”, explica Abra.
Você pode estar ouvindo muito falar sobre esse recurso hoje, mas ele existe há tempos e já foi usado por muitas empresas, esclarecem os advogados.
Desde 2003, ano da celebração do primeiro acordo de leniência no país, foram fechados cerca de 50 acordos desse tipo. Porém, o volume aumentou consideravelmente com a Lei Anticorrupção e o início da Operação “Lava Jato”.
“É válido destacar que, até 2013, com a edição da Lei Anticorrupção, os acordos de leniência estavam restritos à defesa da concorrência”, afirma Araújo. “Não havia nem sequer previsão legal de celebração de acordo relativo às práticas de corrupção”.
O Cade, no entanto, tem um histórico de mais de 10 anos negociando e assinando acordos de leniência e desenvolveu uma expertise no assunto.
“O órgão já teve tempo de testar, corrigir rumos e hoje é um importante instrumento de investigação, que autoridade e sociedade têm segurança para fazer”, diz Patricia Agra.
O tamanho grandioso do conglomerado dos irmãos Joesley e Wesley Batista foi a base para o cálculo da multa do acordo de leniência, o maior já fechado do mundo.
A Lei Anticorrupção prevê a possibilidade de redução de até dois terços da multa prevista, que pode chegar até 20% do faturamento bruto da empresa em 2016.
“Além disso, a gravidade endêmica e sistêmica das infrações praticadas foi levada em conta”, afirma Carla Rahal Benedetti, da Viseu Advogados e Presidente da Comissão de Estudos de Criminal Compliance do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).
Os mesmos critérios foram usados para a estipulação da multa em acordos de leniência anteriores – e também serão usados no caso da Odebrecht.
Para garantir que o acordo de leniência seja cumprido, nada impede que o órgão competente exija garantias, explica Araújo.
“Podem ser garantias reais, avais de sócios, percentual de faturamento do grupo, seguros, fianças bancárias, dentre outras”, alerta o especialista.
Há ainda a exigência de implementação ou melhorias de programas de integridade, os chamados compliance. Uma forma de garantir que nenhum ato ilícito será cometido no futuro.