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NR-1: advogada trabalhista explica como empresas irão responder à norma em 2026

A norma criada em 1983 passa a exigir no próximo ano ações obrigatórias contra riscos psicossociais como estresse crônico, burnout e assédio no ambiente de trabalho

O aumento expressivo dos afastamentos por ansiedade, depressão e burnout pressionou o poder público a ampliar a visão sobre segurança no trabalho, antes restrita quase exclusivamente aos acidentes físicos (Malte Mueller/Getty Images)

O aumento expressivo dos afastamentos por ansiedade, depressão e burnout pressionou o poder público a ampliar a visão sobre segurança no trabalho, antes restrita quase exclusivamente aos acidentes físicos (Malte Mueller/Getty Images)

Publicado em 9 de dezembro de 2025 às 10h45.

Última atualização em 9 de dezembro de 2025 às 10h49.

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A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), criada em 1983 para estabelecer as diretrizes gerais de segurança e saúde no trabalho, entra em uma nova fase a partir de 2026, quando passa a permitir a aplicação de multas relacionadas também aos riscos psicossociais — como estresse crônico, assédio, metas abusivas e esgotamento mental. A mudança marca uma virada na forma como o ambiente corporativo passa a ser fiscalizado no Brasil.

“A NR-1 é, hoje, uma resposta de socorro para um cenário de adoecimento coletivo, principalmente ligado à saúde mental”, afirma Yara Leal Girasole, advogada trabalhista e sócia do PK Advogados, especializada na área desde 2008.

Segundo ela, o aumento expressivo dos afastamentos por ansiedade, depressão e burnout — muitos já reconhecidos como doenças ocupacionais pelo INSS — pressionou o poder público a ampliar a visão sobre segurança no trabalho, antes restrita quase exclusivamente aos acidentes físicos.

“A Constituição de 1988 já dizia que o empregador tem obrigação de oferecer um ambiente de trabalho seguro. Mas, por muito tempo, isso foi interpretado só pelo ponto de vista físico. Agora, a NR-1 regulamenta de forma mais clara a saúde mental”, afirma.

Multas só a partir de maio de 2026 

Embora a atualização da NR-1 tenha sido publicada em 2024, a punição financeira só passa a valer em maio de 2026. A vigência, que inicialmente começaria em 2025, foi adiada porque, segundo a especialista, nem as empresas nem o próprio Ministério do Trabalho estavam totalmente preparados.

“O adiamento não significa que as empresas podem ficar paradas. Significa que elas ganharam tempo para se estruturar”, diz Girasole.

A principal exigência documental é a inclusão dos riscos psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). Nesse documento, a empresa precisa classificar suas áreas conforme o nível de risco — baixo, médio ou alto — e, a partir disso, apresentar um plano de ação.

Cultura, escuta e canais de denúncia entram no radar da fiscalização

Mais do que um formulário, o PGR passa a funcionar como um retrato da cultura organizacional. Segundo Yara, não basta identificar que determinada área — como a comercial — tem alto nível de estresse. É obrigatório demonstrar quais medidas estão sendo adotadas para reduzir esse risco.

Entre as ações que podem ser incluídas no plano estão:

  • programas de comunicação não violenta
  • fortalecimento da cultura organizacional
  • canais de ética e denúncia
  • protocolos de tratamento de queixas
  • ações de escuta ativa
  • políticas contra assédio e discriminação

“Não é só colocar tudo no papel. É cuidar do ambiente de forma efetiva”, afirma.

Veja também: Saúde mental no trabalho: uso de medicamentos dispara entre profissionais brasileiros

Como será a fiscalização?

A fiscalização, segundo a advogada trabalhista, será feita pelo Ministério do Trabalho, que não acompanha os planos de ação de forma contínua, mas atua por meio de visitas às empresas. O processo funciona assim:

  1. O fiscal analisa o PGR
  2. Identifica áreas de alto risco
  3. Verifica se existe um plano de ação
  4. Volta após alguns meses para avaliar se houve avanço

“Nesse retorno, o fiscal vai observar se o risco diminuiu, se ficou igual ou se piorou”, conta a advogada.

Além dos dados internos, como número de atestados médicos e afastamentos, também poderão entrar no radar:

  • volume de ações trabalhistas
  • processos com pedidos de dano moral
  • condenações por assédio ou adoecimento ocupacional

Veja também: ‘Brasil não está preparado para a NR-1’, diz especialista britânico

Penalidades: multa, processos e impacto no caixa

O valor das multas ainda não foi divulgado. A previsão legal é que valha o chamado critério da dupla visita: na primeira fiscalização, o auditor orienta; na segunda, se não houver adequação, multa.

Mas, segundo Yara, o impacto financeiro vai muito além da penalidade administrativa.

“Existem reflexos diretos em ações trabalhistas, no aumento do FAP (Fator Acidentário de Prevenção) e nas indenizações por dano moral. Dói no bolso de várias formas”, diz.

Quando o nexo entre a doença e o trabalho é comprovado em perícia, o funcionário passa a ter estabilidade de 12 meses após o retorno. “A empresa é obrigada a manter esse profissional no quadro — não se trata de indenização, mas de garantia real no emprego.”

Tendência global

O Brasil não está sozinho nesse movimento. Europa e Japão já avançaram na criação de normas relacionadas à saúde mental no trabalho. “O burnout, por exemplo, não foi reconhecido aqui primeiro. Outros países já tratam isso como doença ocupacional há mais tempo, como o Japão”, conta a advogada.

Na prática, a NR-1 sinaliza uma convergência do Brasil aos padrões globais de proteção emocional no ambiente corporativo.

“É uma responsabilidade coletiva”

Para a advogada, a nova fase da NR-1 marca uma virada de consciência no mundo do trabalho.

“Não se trata apenas de multa. Existe um impacto social enorme. É uma responsabilidade de todo mundo”, afirma. “As empresas vão precisar olhar para dentro de casa, para seus números, sua cultura e suas relações — porque agora isso também é saúde e segurança do trabalho.”

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