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'Não digo que sou empresário, mas empreendedor', diz João Appolinário

Para presidente e fundador da Polishop, insegurança jurídica afasta investidor "gringo", mas dá espaço aos brasileiros

João Appolinário, fundador e presidente da Polishop: "Uma característica do empreendedor é otimismo" (Renato Pizzutto/Divulgação)

João Appolinário, fundador e presidente da Polishop: "Uma característica do empreendedor é otimismo" (Renato Pizzutto/Divulgação)

GA

Gabriel Aguiar

Publicado em 16 de junho de 2021 às 18h50.

Última atualização em 16 de junho de 2021 às 20h55.

O paulista João Appolinário fundou a Polishop com um diferencial: vender produtos inovadores pela televisão. E deu certo. Depois de 22 anos, a rede de varejo tem 280 pontos de venda em todo o país, 150 mil empreendedores cadastrados, uma fábrica em Manaus (AM) e seis emissoras próprias. Além disso, participa do programa Shark Tank Brasil. Confira a entrevista exclusiva para a EXAME.

Você considera que a pandemia da covid-19 criou oportunidades de negócios? E como afetou as suas empresas e os seus investimentos?

“A pandemia trouxe uma crise totalmente diferente. Porque já vínhamos, desde 2015, atravessando momento difíceis no varejo, no comercio geral e também na cadeia produtora, que é a indústria. Mas essa foi uma crise de saúde, que é algo atípico. Em todas as crises, dá para focar tanto nos problemas como nas soluções. Criar oportunidades. E uma característica do empreendedor é otimismo, porque tem que tirar algo bom de algo ruim, que não dá para resolver, como é o caso dessa pandemia.

Nós tivemos que aprender a conviver com essa nova realidade. Desde solidariedade até compromisso social, tudo faz parte dos aprendizados. E, do lado empresarial, a maior mudança foi a aceleração da digitalização. É o caso da Polishop, por exemplo, que nasceu como e-commerce de televisão e, mesmo com esse pensamento de ser digital, teve que acelerar vários projetos de digitalização e modernização que estavam nos planos, mas não tinham acontecido. Esse foi o principal legado para empresas”.

E por que ainda não tinham sido colocados em prática esses planos de digitalização?

“Acho que é até um pouco cultural. No call center, por exemplo, mesmo sendo uma atividade permitida, preferimos, pela segurança dos nossos colaboradores, passar para home office. Esse era um projeto que eu tinha há muitos anos e que nos Estados Unidos é comum. Por lá, você é atendido por alguém da Índia ou do Paquistão. Não é algo físico. Mas, para nós, exigia muito investimento e tempo. Do dia para noite, tivemos que fazer acontecer com 5% do previsto no orçamento e em 10% do tempo. Mudamos em três dias. Não existia opção e aí, quem queria o ideal, teve que fazer o possível e que ficasse bom.”

O que te motivou a participar do Shark Tank Brasil, considerando que você tem que administrar diversas empresas e tem uma agenda concorrida? Além disso, existe o risco da exposição, que pode ser boa, mas também pode trazer prejuízos à imagem de quem aparece.

“Eu analisei bastante, porque temos canais de TV próprios e nunca fui para frente das câmeras, já que esse não era meu objetivo. E participar [do Shark Tank Brasil] também não. Tanto que eu fui abordado algumas vezes, porque esse projeto demorou para nascer no Brasil. Mas o que me motivou foram três motivos, porque esse é o mesmo conceito de tripé que utilizo dentro da Polishop.

Primeiro, dar oportunidade às pessoas, porque eu tive mentoria do meu pai, um empresário de sucesso, e por ser difícil empreender aqui pelas questões fiscais e contábeis; segundo, para mudar a percepção do empresário, que parece ser aquilo que há de ruim nas páginas policiais quando a pessoa não declara nenhuma profissão, e mostrar que são pessoas que geram emprego, renda e que fizeram por merecer; terceiro, para oxigenar com ideias novas e buscar algo bom, que nem sempre precisa ter conexão óbvia com meus negócios, mas que podem acabar casando com outros projetos futuros.

No programa, vão pessoas humildes, que estão começando, que têm ideias e que querem ser pessoas de sucesso. Tanto que não digo que sou empresário, mas empreendedor. Elas não querem ser xingadas nas ruas porque conseguiram, como se tivessem dado sorte ou explorado alguém. Em outros países, quando as pessoas têm sucesso, são parabenizadas e servem de inspiração. Acho que o Shark Thank Brasil tem essa missão. Mesmo com pouco tempo, poderia virar as costas e cuidar dos meus negócios, mas não dá para viver em uma ilha, esquecendo o mundo em volta e as pessoas”.

E qual é seu nível de participação e contato com as empresas nas quais investiu no programa?

“Muitos investimentos acabaram não fechando porque nem sempre a pessoa dizia a verdade. Não que mentia, mas nem sempre contava tudo. E existe um prazo de seis meses, que é um ponto em todos os países nos quais o Shark Tank é exibido, para concretizar. Algumas vezes, o próprio empreendedor não quer honrar o negócio e eu não participo com pessoas assim. Também há aqueles que só aparecem pela divulgação que o programa oferece, o que não é correto. Mas, de fato, são várias empresas.

Temos uma linha de comportamento para os negócios; dou suporte nas áreas tributária, fiscal, jurídica e trabalhista; disponibilizo uma empresa para todos esses trabalhos; e temos uma inteligência de pessoas que podem ajudar e encurtar os caminhos. Isso porque alguns desses empreendedores não têm acesso àquilo que, para nós, é comum pela rede de contatos. Eles não teriam oportunidades e pequenas dicas fazem toda a diferença. E tudo parece óbvio, mas o ‘óbvio’ só é ‘óbvio’ porque alguém disse”.

Só que não adianta o empreendedor participar do Shark Tank Brasil e pensar que todos problemas estão resolvidos, porque as responsabilidades e o dia a dia continuam sendo da pessoa. Nós facilitamos esse caminho. Todo o mérito é do empreendedor, porque é ele quem faz tudo acontecer. Não adiantar ter as receitas, porque elas não viram comida. Precisa do cozinheiro. É importante que se comporte como um empreendedor: assuma os riscos e não se amedronte com os problemas. O que fazemos é a mentoria e a colaboração. Hoje mesmo, eu estava em reunião com uma dessas empresas pela manhã”.

Você já se arrependeu de algum investimento que fez?

“Eu não costumo me arrepender, porque sei que faz parte do jogo. Dois negócios já fecharem, mas não me arrependo. Fantástico do empreendedorismo é que, todos os dias, se aprende algo. Mesmo sendo eu o mentor. Perdi dinheiro? OK. Só que arrependimento é algo muito forte e que não serve para quem é empreendedor. Tem algumas coisas novas no programa, por exemplo, que aparecem e que eu não invisto porque já aprendi que não dariam certo depois de participar da primeira temporada”.

Como empreender no Brasil atualmente?

“Por aqui, como eu falei, o ambiente é muito difícil e muito desafiador. Existem muitas leis e formas de interpretações que criam insegurança jurídica, tributária e trabalhista. Mas vejo que tudo tem os lados positivos e negativos, como aprendi com meu pai, porque ele dizia que era uma oportunidade e que, se fosse mais fácil, teria gente muito melhor vindo de fora para empreender e não teria espaço para quem é daqui. Exatamente por ser difícil do gringo entender, é uma oportunidade de empreender. Sem dizer que muitas coisas não funcionariam em mercados maduros, como nos EUA, mas aqui funcionam.

Por um lado, existem desvantagens. Mas já melhorou muito com a reforma trabalhista e com a reforma tributária que está vindo. Pelo menos para simplificar e facilitar a vida das pequenas e médias empresas. Muitas vezes, acham que eu falo em causa própria, mas grandes empresas têm departamentos jurídicos que não deixam cair em armadilhas. Eu falo em nome do pequeno e do médio empreendedor que é o verdadeiro gerador de empregos, riquezas e pagador de impostos. É neles que está a recuperação que precisamos para os próximos anos. Porque, se forem 2, 3 ou 4 empregos por empresa, quando forem montadas mil novas empresas, veja quantos empregos são criados. Esse é o crescimento do país.

Mas ainda é necessário descomplicar o ambiente, porque existe o Simples Nacional [regime tributário para microempresas e empresas de pequeno porte] e o MEI [modelo de empresa simplificado para o microempreendedor individual] que não são suficientes. Quando passam a ser maiores, existe um salto e muita dificuldade para continuar com sucesso. É neste momento que vem a queda. Isso contribui para a informalidade. O que faz o país crescer e manter toda máquina funcionando são os empresários, que muitas vezes são malvistos pela sociedade. Não apenas os grandes, mas os pequenos e médios”.

Com você enxerga o processo acelerado de desindustrialização que o país vive nos últimos meses e o foco no sucesso do agronegócio nas previsões para os próximos anos?

“Eu acho que cada país tem um pouco de sua vocação. Com as leis trabalhistas que temos, é difícil ter indústrias que precisam de mão de obra. No Brasil, não temos mão de obra cara, mas temos tributação em cima disso. É aquela coisa: fazem uma lei tão protecionista que acaba não protegendo nada. Eu sou liberal e a favor do livre mercado. No momento em que empresas tiveram reduções, para cortar custos, têm que cortar para todos os lados e isso significa mandar 100 pessoas embora para manter outras 500 e não fechar as portas. Nenhum empresário gosta de demitir, porque, além de tudo, isso dá gastos.

Em cima disso, temos outro problema, porque é mais fácil acompanhar a produção na China que manter aqui no país. É mais barato pagar o imposto de importação, todas as cadeias e os custos de transporte que nacionalizar. Tudo isso é parte de uma reforma tributária que precisa ser feita de maneira racional. Não justifica ter uma carga tão alta que vale mais a pena importar. E não é para aumentar as barreiras à importação, mas baixar os custos por aqui. Porque é isso que contribuiu para a desindustrialização.

Em relação ao agronegócio, essa é uma vocação, porque temos extensão gigante, terras maravilhosas, clima perfeito e água em abundância. Somos abençoados nestes aspectos. Então, não tenho dúvidas de que o Brasil será o celeiro do mundo. Quanto aos minérios, somos extremamente ricos, então faz todo o sentido exportarmos, já que não daria para consumir tudo aqui. É como querer que os árabes utilizem toda a produção de petróleo. O problema é que, muitas vezes, o aço brasileiro importado é mais barato que o aço feito aqui. É esse tipo de reforma que precisamos. Não na marra, mas pelo livre mercado.

Precisamos de política fiscal, política trabalhista e política de investimentos, já que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi criado para isso. Porque a indústria precisa receber investimentos pesado para fomentar negócios aqui e para que sejamos também um país de tecnologia, para vender os produtos com mais valor agregado, o que é uma oportunidade sem dúvida nenhuma”.

Para você, como está a situação política e econômica atual do Brasil?

“Como empreendedor, sou otimista. Vivemos uma grande oportunidade para reformas administrativas, já que a máquina pública é muito pesada, e simplificar a parte tributária. E, isso, até pelo momento no qual o país vive, depois de todos os gastos que a pandemia obrigou o governo a ter. Na minha empresa, quando passo por dificuldades, a primeira coisa é cortar custos. Então, a reforma precisa fazer isso.

E eu acho que o empreendedor participe e esteja presente, não necessariamente como político, mas como mentor, ajudando quem está na política. Para mostrar como funciona e fazer entender os lados dos custos e dos impostos. Dizer que não existe somente a política, mas o lado econômico. Nós temos uma grande culpa por não ter participação mais próxima de quem está tomando as decisões.

Se vamos encontrar políticos, não significa que nós estamos apoiando. Pode ser para cobrar atitudes e cobrar melhorias para o país. É uma desinformação que foi plantada, de que, quem se aproxima é para ser conivente. É o contrário: a sociedade tem que se aproximar e cobrar ações. Eu não peço nada para mim. Eu falo muito pelos pequenos e médios empresários, porque, quando eles estão fortalecidos, o consumo aumenta e, com isso, também sobe o padrão socioeconômico de toda a população”.

E que tipo de investimento você vê como tendência e oportunidade para os próximos anos?

“Percebi que muitas pessoas e empresas foram pegas de surpresa durante a pandemia e não estavam preparadas para a digitalização. Mas esse processo começou há 25 anos no varejo. Estavam vivendo no mundo com WhatsApp, Spotify, Google Maps, mas esqueceram que as empresas e os negócios também precisariam acompanhar essas evoluções. Então, tudo aquilo que tem a ver com tecnologia para servir pessoas são oportunidades para o futuro. E que tragam benefícios reais para facilitar as vidas. Inovação é questionar o que já existe e não só aquilo que vem da Nasa. É resolver os problemas das pessoas. E é questionar o que já existe, analisando o que as pessoas utilizam cada vez mais”.

Pensando em tecnologia, considera as criptomoedas bons investimentos?

“Estou, neste momento, em contato com um especialista de Singapura para me aprofundar no assunto, porque acho que é o tema do futuro. Existem várias criptomoedas e, infelizmente, ainda tenho pouco conhecimento do assunto. Sou muito questionador. Já me chamaram para ser investidor em mineração, mas não achei ninguém que falasse como funcionam todos os controles além do que eu sei. E eu quero entender a tendência, porque entendo que é uma necessidade do futuro.

Muitos países estão evoluídos nesse aspecto e podem incorporar as criptomoedas em dois minutos. Eu quero conhecer desde lá atrás, como funciona a mineração. Estou me aprimorando no tema durante meu tempo livre, porque é um assunto novo e que poucas pessoas sabem. Então, eu tenho a humildade de dizer que não conheço como gostaria e quero estudar esse assunto, porque faz parte de um futuro próximo e deverá ter importância na macroeconomia nos próximos anos”.

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