Mendes Junior: grupo vive segundo revés em duas décadas, primeiro com a Guerra do Golfo e agora com a Lava Jato (Thinkstock)
Da Redação
Publicado em 29 de agosto de 2016 às 09h07.
São Paulo - A festa para 500 convidados, num dos redutos da elite de Belo Horizonte, o Minas Tênis Clube, foi um marco para a Mendes Júnior, uma das construtoras mais tradicionais do País.
Ao som da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, a empresa comemorava, naquela noite do dia 10 de dezembro de 2013, 60 anos de atuação e o fim da maior crise de sua história, depois de quase ter quebrado na década de 90 por causa de uma empreitada malsucedida no Iraque.
Em seu discurso, Murillo Mendes, um dos fundadores da construtora, exaltou as aventuras - e desventuras - da companhia nas centenas de obras feitas no Brasil e no exterior.
A receita para o sucesso é ter coragem para enfrentar as coisas. Quanto mais porrada você leva, mais você cresce e ganha resistência, afirmou, na ocasião, o empresário, que hoje está com 91 anos.
Quase um ano depois, o discurso de Murillo Mendes seria posto à prova. A construtora estava no centro da Operação Lava Jato, que investiga o maior esquema de corrupção da história do País.
Sobrinho do fundador, Sérgio Cunha Mendes, o principal executivo do grupo, foi preso e condenado a quase 20 anos de prisão por contratos irregulares com a Petrobrás.
O escândalo abalou o caixa da empresa, a única até agora declarada inidônea pela Controladoria-Geral da União, condição que impede a construtora de participar de licitações públicas.
Sem novos projetos, sem crédito e sem caixa, a estratégia da Mendes Júnior foi se financiar por meio de fornecedores e funcionários, na tentativa de escapar da recuperação judicial - que acabou se concretizando em março deste ano.
Na prática, a empresa passou a atrasar pagamentos de faturas e salários de trabalhadores.
A estrutura minguou. Dos 15 mil trabalhadores da área operacional, restam apenas 3,6 mil nos canteiros de obras que a companhia ainda comanda.
Na área administrativa, eram 420 funcionários, mas o quadro foi reduzido a um quarto desse número, com a perspectiva de novos cortes a qualquer momento.
A contenção de despesas têm sido drástica. A palavra de ordem é austeridade extrema, relatam funcionários. Apenas viagens consideradas prioritárias são aprovadas.
E se o voo estiver previsto para sair entre 8h e 22h o táxi até o Aeroporto de Confins está vetado. Para fazer esse trajeto, os taxistas cobram R$ 127 - um luxo para uma empresa inidônea que está em recuperação judicial.
Os funcionários são orientados a ir até o ponto de ônibus, que fica praticamente no mesmo quarteirão da sede, e comprar a passagem por R$ 27.
Essa política atinge até mesmo pequenos gastos do dia a dia, como a confecção de carimbos. Por enquanto, a ordem é usar os antigos.
Na sede da construtora, localizada na Avenida João Pinheiro, no centro de Belo Horizonte, seis dos dez andares ocupados nos tempos de expansão estão vazios.
Ao contrário do que se vê nos suntuosos prédios que abrigam as grandes construtoras do Brasil, a exemplo de Odebrecht e Camargo Corrêa, a sede da Mendes Júnior é simples, sem luxo.
Carpete no chão, móveis comuns e muitos quadros de obras executadas pela empresa na parede compõem o cenário da construtora, que ajudou a levantar a Hidrelétrica de Itaipu e a Ponte Rio-Niterói.
Essa situação não é nova para a Mendes Júnior. Nos anos 90, a trajetória de crescimento da empresa foi interrompida pela Guerra do Golfo.
Durante anos, a companhia fez várias obras no Iraque. Chegou a ter 10 mil trabalhadores brasileiros no país. Com a guerra, porém, foi obrigada a se retirar.
No mesmo período, a empreiteira entrou numa briga judicial com a estatal elétrica Chesf e com o Banco do Brasil - pendente até hoje.
Em 1995, a Mendes estava no auge da crise, com dívidas e sem poder disputar novos contratos. Três anos depois, a empresa começava a retomar fôlego.
A partir de 2010, o faturamento alcançou cifras bilionárias. Em 2013, beirou os R$ 2 bilhões e pôs a empresa na 13.ª posição do ranking de construtores.
Nessa fase, os executivos decidiram investir no setor de infraestrutura por meio das concessões feitas pelo poder público. Bancos foram contratados e estudos elaborados para captar US$ 250 milhões no mercado externo e, dessa forma, se preparar para a concorrência.
Prestes a iniciar uma sequência de apresentações para investidores no exterior, o mercado piorou e o plano foi adiado. Mas as perspectivas continuavam positivas.
Em 2014, novamente havia uma oportunidade de iniciar as captações. Mas a tempestade provocada pela Lava Jato colocou um pá de cal nos planos do grupo, que vive seu segundo revés em duas décadas - o primeiro foi na Guerra do Golfo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.