Liquidação ou coronavírus? Softbank vai recomprar US$ 18 bi de suas ações
Na semana passada, a Bloomberg publicou que o Softbank buscava levantar dinheiro para financiar startups impactadas pelo coronavírus
Carolina Riveira
Publicado em 23 de março de 2020 às 09h44.
Última atualização em 23 de março de 2020 às 12h25.
O grupo japonês Softbank anunciou que vai vender parte de seus ativos com o objetivo de liberar caixa para um programa de recompra de ações.
A ideia é levantar 4,5 trilhões de ienes (cerca de 41 bilhões de dólares) e recomprar 2 trilhões de ienes em ações (cerca de 18 bilhões de dólares). Outro dos focos do plano será reduzir a dívida.
O anúncio vem somente poucas semanas depois de a empresa ter anunciado outro programa de recompra de ações, na ocasião, de 500 bilhões de ienes (mais de 4 bilhões de reais) -- a maior recompra já feita pelo grupo japonês até então. Com o anúncio, as ações do grupo subiram 18% na bolsa de Tóquio nesta segunda-feira, 23. Mesmo após a alta de hoje, as ações acumulam baixa de 30% no ano.
Empresas recompram as próprias ações ou para estimular seu valor de mercado e evitar quedas mais acentuadas nos papéis ou quando enxergam uma oportunidade, ao entender que as ações valem mais do que seu preço naquele momento. No caso do Softbank, pode ser um misto dos dois.
O Softbank é um grupo japonês de telecomunicações e tem também um bilionário braço de investimento em startups, que fez aportes em nomes como Uber, de transporte privado e WeWork, de compartilhamento de escritórios, além das brasileiras Loggi, de logística, banco Inter e Gympass, marketplace de academias.
Na semana passada, a agência Bloomberg havia informado que o Softbank estava em busca de levantar 10 bilhões de dólares para financiar startups impactadas pelo coronavírus. Do montante, 5 bilhões de dólares viriam de investidores e outros 5 bilhões do próprio grupo Softbank. No comunicado de hoje, o Softbank não especificou se parte do dinheiro levantado com a venda de ativos seria destinada a esse fim, para além da recompra de ações e pagamento de dívidas.
Mesmo antes da crise do coronavírus, o braço de investimentos em startups, refletido no fundo Vision Fund, de 100 bilhões de dólares, vinha enfrentando intenso escrutínio no último ano. O ceticismo aumentou sobretudo após a WeWork não conseguir abrir capital na bolsa no ano passado em meio a altos prejuízos. A empresa corria o risco de ficar sem caixa e o Softbank precisou fazer um novo aporte de 10 bilhões de dólares na companhia e praticamente tomar a gestão da empresa, expulsando o fundador Adam Neumann. Enquanto isso, o valor de mercado foi de 47 bilhões de dólares para apenas 8 bilhões, o que fez o Softbank perder muito dinheiro.
Fundos de capital de risco vinham crescendo sobretudo diante de um cenário de juros baixos globalmente, com investidores partindo para aportes arriscados, somado à animação com o crescimento das startups mundo afora.Os investimentos de fundos de capital de risco passaram de 36 bilhões de dólares, em 2009, para 287 bilhões em 2018, segundo a empresa de inteligência Pitchbook.
Mas o fim da lua de mel com as startups investidas começou a impactar diretamente o Softbank.O lucro da empresa de Masayoshi Son caiu 92% no quarto trimestre de 2019 em relação ao mesmo período do ano anterior, para 24 milhões de dólares. Só o Vision Fund apresentou prejuízo de 225 bilhões de ienes, aproximadamente 2,05 bilhões de dólares. No terceiro trimestre, a empresa já havia anunciado o primeiro prejuízo em 14 anos, com perdas de 6,5 bilhões de dólares.
O fundo Elliot, que tem cerca de 2,5 bilhões de dólares em ações do Softbank, segundo o jornal The Wall Street Journal, vinha pressionando por um plano de recompra de ações da ordem de 20 bilhões de dólares. O projeto anunciado hoje pelos japoneses ultrapassa este valor. O Softbank tem no portfólio, além das ações do grupo de telecomunicação (que tem capital separado na bolsa), uma grande participação na empresa de comércio eletrônico chinês Alibaba, que tem valor de mercado de 505,9 bilhões de dólares. No plano de vendas de ativos, a Alibaba seria um dos principais alvos.
Startups do Softbank em apuros?
O que já estava ruim, pode piorar. Os prospectos negativos para a economia global afetam também as startups investidas pelo Softbank. A WeWork deve ver escritórios esvaziando à medida em que empresas mundo afora implementam trabalho remoto para ajudar a conter o vírus.
A Uber, que fez IPO em maio do ano passado, anunciou que esperava chegar a lucro operacional já no fim deste ano. Contudo, o anúncio veio antes da crise do coronavírus. Com cidades paralisadas e pouca circulação de pessoas, a probabilidade é que os serviços de transporte da Uber sejam cada vez menos demandados.
Um aspecto positivo fica por conta do Uber Eats, braço de entrega de refeições -- mas que responde por pouco mais de 10% do faturamento da Uber, ainda centrado nas viagens de passageiros.
No ano passado, as ações da Uber já haviam caído mais de 20% desde o IPO, diante da falta de perspectivas mais precisas de lucro. Os papéis começaram 2020 crescendo diante das novas projeções de receita, mas voltaram a cair mais de 30% em meio ao coronavírus. Ainda assim, analistas apontam que a ação pode estar pela "metade do preço", o que fez o papel subir nos últimos dois pregões.
É difícil dizer por ora o quanto as startups do Softbank podem ser afetadas, uma vez que boa parte delas ainda tem capital privado. No Brasil, empresas como Loggi tendem a se beneficiar com um aumento de procura por entregas durante a quarentena, o Gympass pode sofrer com menor demanda por academias e a QuintoAndar pode ser afetada pela pouca possibilidade de visita a apartamentos.
Dos males, o menor: a plataforma de messageria corporativa Slack, outra das participantes da "família Softbank", anunciou ter ganho mais de 7.000 novos clientes pagos entre fevereiro e 18 de março. O motivo é que, com o coronavírus, mais empresas estão trabalhando remotamente e precisando da ferramenta para conversas online. Com os assuntos, as ações do Slack subiram 35% na semana passada.