Liderança visionária: saiba o que é, como virar uma delas e por que ela é tão importante num negócio
Professor associado da Fundação Dom Cabral, Marcos Patta Bardagi argumenta que times engajados são necessários para entregar resultados. Por trás dela está uma boa liderança
Redação Exame
Publicado em 10 de dezembro de 2022 às 08h05.
Última atualização em 15 de maio de 2023 às 14h58.
A cena é conhecida: melhor preparo, melhor estrutura, superioridade numérica. Melhor “track record”, mais experiência, melhor cadeia de suprimentos, e, acima de tudo, uma liderança emblemática, quase inquestionável. Mas a batalha foi perdida, e neste caso, a guerra também.
Assim foi o desastre de Napoleão na Rússia, e Tolstoi, resume, no grande “Guerra e Paz”, em uma das passagens mais marcantes para a desmistificação do líder super-herói: “Ganhou o exército mais engajado”. E é fácil de entender.
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Você, mesmo sendo um líder excepcional, não pode estar em todas as frentes, a todo o momento, decidindo por tudo e por todos. Você precisa de um time engajado para entregar o resultado.
Desengajamento é o mal das organizações do século XXI, e o quiet quitting, apenas sua manifestação mais recente. Mas por que algumas organizações conseguem manter alto grau de envolvimento em sua força de trabalho?
Investigando este ponto, uma pesquisa McKinsey, de 2019, apontou, entre inúmeros exemplos, que o propósito é a chave para a liberação do pleno potencial da força de trabalho.
Mas não é qualquer propósito. Gerar resultados financeiros sempre crescentes e satisfazer os acionistas é um propósito. Embora legítimo, talvez não seja de moral elevada. Para estar neste patamar o propósito precisa ser percebido por todos como algo que os impele a entregar uma contribuição extraordinária, para um “bem maior”. É disso que estamos falando. O propósito tem de ser moralmente justo.
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Para exemplificar esta diferença entre graus de propósito, não encontro frase mais interessante que a do oscarizado Bradley Bird: “O dinheiro é apenas o combustível para o foguete. O que eu realmente quero é ir para algum lugar”.
Este lugar, que simboliza o aspiracional, aquilo que verdadeiramente é almejado, traduz-se na ideia de visão. Mas hoje sabemos que não importa somente onde se quer chegar, mais relevante ainda é o “como” fazê-lo.
A liderança que incorpora esta lógica é a Liderança Visionária com Propósito. Na definição mais tecnicamente apurada do CIPD (Chartered Institute of Personnel and Development), encontramos:
- “A liderança com propósito ocorre na medida em que um líder possui um "eu" moral forte, uma visão para a sua equipe e adota uma abordagem ética da liderança marcada por um compromisso com as partes interessadas".
- Encontramos nosso propósito quando entendemos porque existimos e fazemos o que fazemos, ou porque queremos mudar o que estamos fazendo.
- Insisto em enfatizar que o propósito não é criado, ele já está lá e você precisa apenas descobri-lo.
- Criar um propósito seria criar uma maquiagem que pode ruir a qualquer instante.
E como descobrir este propósito moralmente justo? Pense na sua organização a partir do radical que descortina a essência desta palavrinha. Organo, do grego, quer dizer função. Então é isso, simples assim: A sua organização existe para cumprir uma função, fazer algo, e este algo é relevante para um organismo — de novo o radical grego — um sistema, uma sociedade.
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A sociedade na qual sua empresa interage e com a qual interdepende. Do contrário, a sua organização será relegada a um papel disfuncional, estará lá e não servirá para nada, será um apêndice, um dente siso que, cedo ou tarde, terá de ser retirado.
Então, quais são os principais atributos de uma liderança visionária com propósito? Vamos a eles:
Torna-te quem tu és
Tire a máscara, seja você mesmo, um ser humano completo, com problemas, com dúvidas, com deficiências. Você pode até ter seus arroubos de heroísmo, mas não se julgue invencível. Nada é mais crível que a autenticidade. E a autenticidade passa por suas vulnerabilidades. Se você for daqueles que ainda acha esse papo de vulnerabilidades uma tolice, lembre-se que na mitologia grega todos os deuses têm vulnerabilidades. Se nem Zeus, por que você? Ninguém lidera com propósito se este propósito não parecer absolutamente autêntico para todos.
Em busca do sentido
Sofra, resista, aprenda, adapte-se, seja como um camaleão. Resiliência é condição necessária, mas não suficiente. Viktor Frankl, autor do livro que intitula este segundo item, ensina: “quando a situação não pode mais ser mudada, é hora de mudarmos a nós mesmos”. Considero a adaptabilidade uma das maiores virtudes para os novos tempos. Não há nada mais em desuso que o status quo. Qual é o estado das coisas? A questão é que as coisas não tem estado. E apesar da numerosa literatura sobre gestão de mudança, arrisco-me a propor aqui um caminho alternativo para a mudança em direção ao propósito. Sofra, pois 90% dos propósitos são descobertos após crises agudas. Resista, pois é do instinto humano querer preservar. Aprenda, pois não posso almejar algo novo se não aprender algo. E, finalmente, adapte-se, para incorporar a mudança. Seja novo.
O conselheiro Holder
Como ter certeza de que se está diante de um propósito moralmente justo? Recomenda-se avaliar as necessidades de todas as partes interessadas e entender como nossa organização produz impactos em cada uma delas. O propósito será moralmente justo se o saldo desta conta for positivo. Se não conheço meus stakeholders e suas necessidades, não posso ter um propósito além de minhas quatro paredes. Portanto, conheça Mr. Holder, seu conselheiro honorário. Senhor Stake Holder, prazer.
Espaço Seguro
Internamente, a persona de Holder veste a roupa de sua equipe. E o que a equipe mais precisa, além de compartilhar da visão, é de um ambiente saudável para que ela exerça o seu melhor: o famoso conceito de segurança psicológica. Não se cultiva um propósito moralmente justo sem o estabelecimento de uma cultura de confiança entre as partes. Um ambiente de segurança psicológica vai acalentar a troca de ideias, a diversidade, a inclusão, a busca do novo, a formação de forças-tarefas, a resolução de problemas em colaboração, o senso de unidade, a coerência. Não precisa mais, não é?
Conduza em ambas as vias
Imagine-se como um condutor que cruza o canal da mancha diariamente, da França para a Inglaterra e vice-versa, naqueles ferry-boats onde você fica sentado, dentro do seu carro, esperando a travessia. Você tem de constantemente mudar a lógica de conduzir, ora será pela mão direita, ora será pela mão esquerda. Em um piscar de olhos. Você precisa fazer bem das duas maneiras. Creio que é uma boa analogia para o conceito de ambidestria. Você sempre está no comando de duas organizações, ainda que somente no plano informal. Conduza o negócio atual, garante que ele é gerador de valor e de recursos para que você possa insistentemente criar algo novo, aquele que vai garantir a perenidade da sua organização no amanhã.
Nunca se satisfaça
Walt Disney, perguntado sobre quando a Disneyland estaria finalmente pronta, respondeu: “Enquanto houver imaginação no mundo, não ficaremos prontos”. Isto para mim é a essência de um valor inestimável para o novo cenário dos negócios. A ânsia pelo novo, a sensação de que sempre é possível melhorar, criar e estar à frente. Chame de ambição, inquietude, paranoia, chame do que quiser. Mas que este espírito inovador seja o propulsor de sua organização. Pelo seu propósito relevante, e em busca de sua visão.
Por fim, faça a prova dos nove
Quer submeter seu propósito a uma prova cabal? Em toda e qualquer oportunidade de atuação onde você terá de confrontar interesses de diferentes partes interessadas, você terá esta chance. Imagine que sua tomada de decisão sobre um projeto específico poderá significar a geração de um maior fluxo de caixa de curto prazo, porém, o projeto implicará em aumento desproporcional da sua emissão de gases de efeito estufa. Como você decidirá? Se você decidir em favor de implementá-lo, bem, seu propósito não resiste até a página dois.
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