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Ineficaz contra Covid-19, ivermectina engorda lucro de farmacêuticas

Fabricantes de remédios genéricos ao redor do mundo estão aumentando as vendas de ivermectina na esteira de pedidos de médicos e pacientes para usar a droga contra a covid-19

As vendas do medicamento, que é aprovado principalmente para tratar doenças causadas por parasitas em rebanhos e humanos, aumentaram em todo o mundo, sendo promovida como alternativa para as vacinas e muitos o consideram uma cura para a Covid-19 (Reprodução/Reprodução)
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Da Redação

Publicado em 25 de outubro de 2021 às 06h00.

Última atualização em 25 de outubro de 2021 às 11h30.

Por Bruce Einhorn e Chris Kay, da Bloomberg Businessweek

Antes da pandemia, a empresa Taj Pharmaceuticals enviava quantidades insignificantes de ivermectina para a Rússia para uso veterinário. Mas, no ano passado, tornou-se um produto popular para a fabricante indiana de medicamentos genéricos: desde julho de 2020, a Taj Pharma vendeu US$ 5 milhões em pílulas para uso humano na Índia e no exterior. Isso é uma dádiva para uma pequena empresa familiar com uma receita anual de cerca de US$ 66 milhões.

As vendas do medicamento, que é aprovado principalmente para tratar doenças causadas por parasitas em rebanhos e humanos, aumentaram em todo o mundo, sendo promovida como alternativa para as vacinas e muitos o consideram uma cura para a Covid-19. Eles afirmam que isso poderia acabar com a pandemia se unicamente pessoas como o Dr. Anthony Fauci, o diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, abrissem seus olhos para isso. “Estamos trabalhando 24 horas por dia, 7 dias por semana”, disse Shantanu Kumar Singh, diretor executivo de 30 anos da Taj Pharma. “A demanda é enorme.”

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A empresa, que tem oito unidades de produção na Índia, está entre uma série de fabricantes de medicamentos — muitos deles em países em desenvolvimento — que buscam lucrar com a popularidade repentina da ivermectina, sem se incomodar com os alertas da Organização Mundial de Saúde e da FDA dos EUA, que afirmam que os estudos clínicos não mostraram evidências conclusivas da eficácia do medicamento contra infecções por coronavírus. Sem se deixar abater, os fabricantes aprimoraram seus argumentos de venda e aumentaram a produção.

A ivermectina ganhou destaque no ano passado, depois que alguns estudos iniciais indicaram que ela poderia ser um tratamento potencial para a Covid. Depois que líderes mundiais, incluindo o presidente Jair Bolsonaro do Brasil e celebridades como o podcaster Joe Rogan, se manifestaram a respeito das qualidades da ivermectina, médicos em todo o mundo sentiram-se pressionados a prescrevê-la.

Aumento de 24x nas prescrições

Desde que a patente do fabricante original, Merck, expirou em 1996, pequenos fabricantes de medicamentos genéricos como a Taj Pharma assumiram a produção, respondendo por uma fatia do fornecimento global. A Merck, que ainda vende ivermectina sob a marca Stromectol, alertou em fevereiro que "não havia nenhuma evidência significativa" de que seria eficaz contra a Covid.

No entanto, todos esses alertas não desencorajaram milhões de americanos de obter prescrições de médicos com ideias semelhantes em sites de telemedicina. As prescrições ambulatoriais aumentaram mais de 24 vezes sobre os níveis pré-pandêmicos, para 88.000 por semana nos sete dias encerrados em 13 de agosto.

Normalmente usada para tratar infecções por vermes em humanos e animais, a ivermectina ganhou para seus descobridores, William Campbell e Satoshi Omura, um Prêmio Nobel em 2015. Alguns estudos mostraram que a droga pode reduzir a carga viral da Covid, de acordo com pesquisadores da Universidade de Oxford. Mas muitos dos estudos sobre os benefícios da ivermectina para pacientes com Covid são pequenos e carecem de boas evidências, de acordo com uma revisão recente do Grupo Cochrane para Doenças Infeciosas, que avalia as práticas médicas.

Autoridades de saúde alertaram que a dosagem inadequada até mesmo da versão para humanos da droga pode causar náusea, tontura, convulsões, coma e morte em alguns casos. A mídia local em Cingapura detalhou este mês a postagem de uma mulher no Facebook sobre como sua mãe evitou a vacinação, mas tomou ivermectina, influenciada por amigos que frequentavam sua igreja, e ficou muito doente.

Apesar das preocupações com a segurança e uma onda de envenenamentos, a popularidade da droga entre aqueles que veem a pandemia como uma conspiração é constante. Também se tornou uma droga de escolha em países mais pobres, onde os tratamentos para a Covid são difíceis de encontrar e a regulamentação não é rígida. Disponível no balcão, a droga foi muito procurada durante a onda delta na Índia.

Algumas farmacêuticas estão alimentando esse interesse. A Taj Pharma — que diz que não envia para os Estados Unidos e que a ivermectina não é uma parte importante de seus negócios — tentou atrair os que acreditam na droga e tem divulgado nas redes sociais um bordão frequentemente usado de que a indústria das vacinas está conspirando ativamente contra o medicamento. A conta da empresa no Twitter foi suspensa por um breve período após divulgar o medicamento com tags como #ivermectinafunciona#.

Na Indonésia, o governo iniciou um ensaio clínico em junho para testar a eficácia da ivermectina contra a Covid. No mesmo mês, a estatal PT Indofarma começou a produzir uma versão genérica. Desde então, distribuiu mais de 334.000 frascos de comprimidos para farmácias em todo o país. “Comercializamos a ivermectina de acordo com sua função principal como medicamento antiparasitário”, diz o secretário corporativo da empresa, Warjoko Sumedi, acrescentando que alguns relatórios publicados dizem que o medicamento é eficaz contra a doença. “Seu uso como outra terapia é prerrogativa dos médicos que o prescrevem”, afirma.

Efeitos colaterais

Até agora, o negócio de ivermectina representa pouco para a Indofarma, que teve uma receita total de 1.7 trilhão de rúpias (US$ 120 milhões) no ano passado. A droga rendeu 36 bilhões de rúpias nos quatro meses desde o início da produção. A empresa vê potencial maior, porém, e está se preparando para lançar sua própria marca de ivermectina, chamada Ivercov 12, até o final do ano.

No ano passado, a fabricante brasileira Vitamedic Industria Farmaceutica vendeu 470 milhões de reais (US$ 85 milhões) em ivermectina, em contraste aos 15,7 milhões de reais em 2019. A empresa gastou 717.000 reais com propaganda promovendo a ivermectina como um tratamento precoce contra a Covid, disse o diretor da Vitamedic, Jailton Batista, no dia 11de agosto, durante depoimento às autoridades brasileiras que investigam a forma como o governo está lidando com a pandemia. A empresa não respondeu aos pedidos de comentários.

Em países onde há escassez de ivermectina destinada a humanos ou quando as pessoas não conseguem obter receitas, alguns procuram a variante veterinária, que pode representar um risco de graves efeitos colaterais. Afrivet Business Management,  um grande fabricante sul-africano de medicamentos veterinários, viu os preços de seu produto ivermectina em pontos de venda no país subirem dez vezes, para quase 1.000 rands (US$ 66) por cada 10 mililitros. “Pode ou não ser eficaz”, disse o CEO, Peter Oberem. “As pessoas estão desesperadas.” A empresa, que importa da China o ingrediente farmacêutico ativo para a droga, às vezes fica sem estoque.

Em setembro, o Conselho Indiano de Pesquisa Médica retirou o medicamento de seu protocolo clínico para o tratamento de Covid em adultos. Mesmo assim, uma série de empresas indianas – que produzem cerca de um quarto dos genéricos de baixo custo do mundo – comercializam a ivermectina como um medicamento contra a Covid, inclusive uma das maiores, a Sun Pharmaceutical e a Emcure Pharmaceuticals, uma farmacêutica com sede em Pune apoiada pela Bain Capital.

A Bajaj Healthcare disse em um documento de 6 de maio que iria apresentar uma nova marca de ivermectina, a Ivejaj, que Anil Jain, diretor administrativo adjunto da empresa, disse que ajudaria a melhorar a saúde dos pacientes com Covid e oferecer-lhes uma "opção muito esperada de terapia precoce”.  Porta-vozes da Sun Pharma e da Emcure se recusaram a comentar, enquanto a Bajaj Healthcare e a Bain Capital não responderam imediatamente aos pedidos de comentários.

As vendas de produtos a base de ivermectina na Índia, do último ano até agosto triplicaram, para 3.87 bilhões de rúpias (US$ 51 milhões), em relação ao período anterior de 12 meses, de acordo com Sheetal Sapale, presidente de marketing da pesquisadora indiana Pharmasofttech AWACS. “Muitas empresas entraram no mercado para aproveitar essa oportunidade e aproveitá-la ao máximo”, afirma. “Como a incidência da Covid diminuiu significativamente, isso pode não ser entendido como uma tendência de longo prazo.”

Embora algumas empresas estejam promovendo ativamente o uso indevido da droga, muitas permanecem em silêncio, diz Carlos Chaccour,  professor assistente de pesquisa no Instituto de Saúde Global de Barcelona que estudou a eficácia da ivermectina contra a malária. “Tem gente que foi pescar em um rio indômito e, aproveitou a situação para obter algum lucro”, diz ele.

Venda no Twitter

A farmacêutica búlgara Huvepharma, que também possui fábricas na França, Itália e Estados Unidos, não havia vendido ivermectina para consumo humano até 15 de janeiro, quando obteve a aprovação do governo para registrar o medicamento, não para tratar a Covid, mas a estrongiloidíase, infecção rara causada por vermes. Não houve nenhum caso recente de estrongiloidíase na Bulgária. Mesmo assim, a aprovação ajudou a empresa sediada em Sofia a levar a ivermectina às farmácias, onde as pessoas poderiam comprá-la com receita médica como tratamento não autorizado para a Covid. A Huvepharma não respondeu aos pedidos de comentário.

Mesmo quando os governos desencorajam o uso de ivermectina, os fabricantes de medicamentos precisam reconhecer que alguns médicos reaproveitarão seus produtos de formas não autorizadas, diz Maria Helen Grace Perez-Florentino, consultora de marketing médico e consultora médica da empresa baseada em Manila, Dr. Zen's Research, braço de marketing da região metropolitana do Grupo Lloyd, que começou a distribuir ivermectina produzida localmente em maio.

A Dr. Zen’s realizou duas conferências online sobre o medicamento para médicos filipinos, apresentando palestrantes do exterior, fornecendo informações sobre dosagem e efeitos colaterais. Isso é prático, diz Perez-Florentino. “Conversamos com médicos que estão abertos ao uso da ivermectina”, diz ela. “Fazemos a apresentação do produto, seus efeitos colaterais, dosagem adequada. Nós os informamos”.

Assim como a Merck, alguns fabricantes da droga foram enfáticos em suas advertências contra o uso indevido da ivermectina. Isso inclui a irlandesa Bimeda Holdings, a Durvet com sede em Missouri e a alemã Boehringer Ingelheim. Mas outros, como a Taj Pharma, hesitam menos em fazer a ligação entre ivermectina e Covid, que publicando artigos em seu site promovendo a droga. Singh, da Taj Pharma, diz que a empresa está sendo responsável. “Não afirmamos que a droga tenha qualquer efeito sobre a Covid”, diz Singh. “Nós realmente não sabemos o que vai funcionar”.

Essa incerteza não impediu a empresa de vender a droga novamente pelo Twitter, onde sua conta foi restaurada. Um tuíte em 9 de outubro promoveu o TajSafe Kit, pílulas de ivermectina embaladas com acetato de zinco e doxiciclina, com a hashtag #Covidmeds.

— Com Daniel Carvalho, Fathiya Dahrul, Slav Okov, Ian Sayson, Antony Sguazzin, Janice Kew e Cynthia Koons

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