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Feedback: aprenda com os cachorros

David Cohen Desde o final dos anos 1970, quando o psicólogo americano Aubrey Daniels criou o termo “performance management” (gestão de desempenho), a prática do feedback começou a ganhar espaço nas empresas. Quase meio século de prática, porém, não parece ter tornado o processo muito eficiente. Pesquisas com empregados costumam apontar que 80% não se […]

CENA DO FILME QUERO MATAR MEU CHEFE: feedbacks negativos podem afastar funcionários do trabalho e piorar performance geral / Divulgação
DR

Da Redação

Publicado em 24 de outubro de 2016 às 11h39.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h02.

David Cohen

Desde o final dos anos 1970, quando o psicólogo americano Aubrey Daniels criou o termo “performance management” (gestão de desempenho), a prática do feedback começou a ganhar espaço nas empresas. Quase meio século de prática, porém, não parece ter tornado o processo muito eficiente. Pesquisas com empregados costumam apontar que 80% não se sentem tratados com justiça nas avaliações de desempenho. Em 2008, fez sucesso um livro do consultor e professor de gestão Samuel Culbert que propunha eliminá-las. segundo ele, as avaliações de desempenho destroem a moral, acabam com o trabalho em equipe e prejudicam os resultados financeiros das companhias.

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A dificuldade é estranha, porque a essência do feedback é um tanto óbvia: quando as pessoas são informadas sobre os efeitos de seu trabalho e seu comportamento, podem alterá-lo para atingir melhores resultados. Ouvir críticas, até mesmo duras (contanto que honestas), serve para ajudar as pessoas – pelo menos em tese.

Uma pista para entender os problemas do feedback é uma pesquisa recente conduzida por Francesca Gino e Paul Green, professores da Escola de Negócios da Universidade Harvard, e Brad Staats, da Universidade da Carolina do Norte. Sua conclusão é que, quando podem, as pessoas se afastam de quem lhes dá um feedback mais negativo do que a imagem que fazem de si mesmos.

Os três pesquisadores analisaram dados de mais de 300 funcionários de uma empresa de alimentos e agronegócio. Nessa companhia, os empregados preenchem uma auto-avaliação e uma avaliação dos colegas com quem trabalharam no ano anterior. Ao comparar os registros ano a ano, Francesca e seus colegas perceberam que, nos grupos em que tinham independência para escolher os companheiros de equipe, as pessoas tendiam a afastar de seu grupo quem lhes desse um feedback “não confirmatório”.

Mais especificamente, disse Francesca em um artigo na Harvard Business Review, “quando a avaliação de um colega era um ponto mais baixa que a avaliação feita de si mesmo, numa escala de sete pontos, o funcionário era 44% mais propenso a terminar o relacionamento de trabalho com aquele colega”.

Os pesquisadores confirmaram o resultado em estudos de laboratório. Em um deles, voluntários tinham de fazer pequenos trabalhos e se auto-avaliar. Quando recebiam do “parceiro” (na verdade uma resposta automática) um feedback pior que a sua auto-crítica, ficavam mais inclinados a trocar de parceiro para a próxima tarefa.

Essa aversão à crítica tem efeitos concretos no desempenho. No estudo dos dados da companhia de alimentos e agronegócio, os pesquisadores perceberam uma correlação positiva entre o afastamento de colegas mais críticos e uma piora nos resultados no ano seguinte.

Não há limite para a bajulação

Talvez esta seja uma característica humana. Não somos lá muito receptivos à crítica. Gostamos mesmo é de uma boa bajulação.

Em uma declaração que ficou famosa depois de publicada na revista The Economist e no livro Poder, de Jeffrey Pfeffer, a professora de gestão Jennifer Chatman, da Universidade da Califórnia, afirmou ter procurado o ponto a partir do qual a bajulação deixava de ser eficiente como tática para conseguir algo. “Talvez esse ponto exista, mas eu não consegui encontrá-lo”, disse.

“Nosso estudo nunca foi publicado”, ela me disse, “mas o que fizemos foi pesquisar os recrutadores que conduziram entrevistas de contratação de candidatos de uma das principais escolas de negócios dos Estados Unidos”. Com base nas informações dos recrutadores, os alunos de MBA foram classificados de acordo com quem era mais agradável e elogioso à empresa.

Os exemplos de comportamento elogioso incluíam bajular o entrevistador com frases como “belo terno” ou “aposto que você é bom em X”, e expressar admiração pela empresa. A descoberta, diz Jennifer, é que quanto mais amável o candidato, mais ofertas de emprego recebia.

A hipótese inicial era que a curva de eficiência da bajulação teria um formato de U invertido – crescendo muito no início mas, a partir de certo ponto, perdendo efeito. Os resultados que ela encontrou, no entanto, parecem indicar que não há limite para a quantidade de elogios que queremos ouvir.

“Fizemos uma análise quantitativa da bajulação. Quanto mais desse comportamento, e quanto mais intenso o seu nível, mais ofertas de emprego os candidatos recebiam”, diz Jennifer.

Isso leva ao paradoxo do feedback. A ideia é apontar os erros – aprender com eles, como diz um dos jargões mais disseminados no mundo dos negócios. Mas todo o mundo só quer saber dos erros dos outros.

As consequências de fazer avaliações críticas podem ser extremas. Um recente estudo da empresa de pesquisas VitalSmarts indicou que 83% dos funcionários nos Estados Unidos já testemunharam algum colega dizer algo que teve impacto negativo em sua carreira, um fenômeno que os autores classificaram como “suicídio por feedback”. Em português, não é raro ouvir o neologismo “sincericídio”.

Não é à toa que a indústria do feedback tenha se movido para o treinamento. Há um jeito certo de comunicar a avaliação de desempenho, dizem os consultores da área.

Entre os conselhos mais comuns está o de separar o comportamento da pessoa. Dizer, por exemplo, “quando você me interrompe na frente do cliente a nossa empresa passa uma imagem ruim” é melhor do que dizer “a sua arrogância estragou o negócio”.

Se funciona com os cães…

Curiosamente, boa parte desses conselhos ecoam a revolução ocorrida no treinamento de cães nas últimas duas décadas. O movimento conhecido como adestramento positivo começou a ser divulgado na década de 80 e lentamente vem ganhando a hegemonia no mercado de ensinar os cães.

Trata-se, basicamente, de esquecer aquela história de mostrar ao cão que você é o macho alfa, que ele deve temer, e adotar a postura de pai de família. O conceito fundamental é que um cachorro aprende melhor com exemplos positivos do que negativos.

Um exemplo é dado pelo adestrador Alexandre Rossi, criador da franquia Cão Cidadão: há infinitas formas de o cachorro errar o lugar de fazer suas necessidades, e apenas uma de ele acertar. Para treinar pelo não, afirma ele, você tem de insistir inúmeras vezes, em todas as ocasiões em que ele erra; para treinar pelo sim, tem apenas que fazer afagos e dar recompensas quando ele acerta.

A lógica é exatamente a mesma das modernas recomendações para feedback. “O feedback positivo estimula os centros de recompensa do cérebro, deixando o receptor aberto a tomar uma nova direção”, diz Scott Halford, autor de Be a Shortcut: The Secret Fast Track to Business Success (Seja um atalho: a via rápida secreta para o sucesso nos negócios). O feedback negativo, segundo ele, tem a ação oposta: é percebido como ameaça e ativa os centros de defesa da pessoa.

Além disso, você quer manter a relação prazerosa. Se considerar você divertido, o cão estará sempre disposto a fazer mais tarefas (sim, tem algo a ver com o esforço das empresas por criar um bom clima de trabalho).

Alguns dos principais conselhos de especialistas em feedback poderiam perfeitamente estar nos livros de adestramento canino. “Assim que você vir um comportamento desejável, elogie”, afirma Halford. “O cérebro adulto aprende melhor quando é pego em ação.”

Um segundo conselho é “seja específico”. Aparentemente, somos parecidos com os cães. Gostamos do elogio, mas não sabemos exatamente o que temos de repetir para ganhar outro elogio.

Um terceiro é evitar o feedback sanduíche. É comum nas avaliações dizer algo positivo, depois a crítica, e encerrar novamente em tom positivo. Estudos mostram que a maioria das pessoas já aprendeu a encarar esses elogios como mera introdução antes da bronca e um afago final para não ser acusado de assédio moral. As demais ficam confusas e não percebem a mensagem.

Pode parecer degradante inspirar-se nas modernas técnicas de adestramento animal para fazer avaliações de desempenho com humanos. Mas a coincidência tem menos a ver com tratar as pessoas como cachorros e mais com perceber um novo “espírito do tempo”.

Estamos na época da psicologia positiva (um movimento que ultrapassou a ênfase no tratamento de desvios) e do ensino pelo estímulo à curiosidade (em vez da disciplina). Os mesmos valores chegaram à área de adestramento. É apenas natural que dominem também o campo das avaliações de desempenho.

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