Negócios

Empresas como a Amazon dividem menos lucros com seus funcionários

A ideia de que o acionista principal vai ganhar alguma coisa evoluiu para a ideia de que ele vai levar quase tudo.

LUCRO DA AMAZON: Na Amazon, os acionistas vêm se beneficiando mais do que os trabalhadores. No auge da Sears, os dois lados eram beneficiados. (Demetrius Freeman/The New York Times)

LUCRO DA AMAZON: Na Amazon, os acionistas vêm se beneficiando mais do que os trabalhadores. No auge da Sears, os dois lados eram beneficiados. (Demetrius Freeman/The New York Times)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 18 de novembro de 2018 às 06h00.

Última atualização em 18 de novembro de 2018 às 06h00.

Há meio século, um vendedor típico da Sears podia se aposentar com uma poupança de mais de US$1 milhão em valores de hoje, enriquecida com ações da empresa. Agora, um funcionário comum contratado pela Amazon que trabalhar na empresa até a aposentadoria vai sair com apenas uma fração desse valor.

A Sears diminuiu significativamente esses valores nas décadas seguintes, e a disposição das empresas americanas em compartilhar as recompensas de seu sucesso também está caindo. Hoje, os acionistas vêm em primeiro lugar, e os funcionários foram empurrados para o final da fila.

Essa transformação cultural, porém, não aconteceu em uma única empresa. Ela é o reflexo de mudanças profundas na maneira como os negócios são conduzidos. A ideia de que o acionista principal vai ganhar alguma coisa evoluiu para a ideia de que ele vai levar quase tudo, e, em vários casos, empresas de capital aberto estão concentrando riqueza, não compartilhando. A participação nos lucros e as aposentadorias são uma raridade entre os funcionários médios, enquanto os altos executivos levam para casa uma parcela cada vez maior dos lucros.

Na Amazon, os acionistas vêm se beneficiando mais do que os trabalhadores. No auge da Sears, os dois lados eram beneficiados.

A Sears destinava dez por cento de seus lucros, livres de impostos para um plano de aposentadoria para os funcionários que trabalhavam em tempo integral e, na década de 1950, esses trabalhadores possuíam um quarto da empresa. Por outro lado, um único trabalhador da Amazon, o fundador e presidente-executivo Jeff Bezos, possui 16 por cento da companhia e é considerado a pessoa mais rica do mundo.

A Amazon que, tanto quanto a Sears em seu auge, mudou a forma como os americanos compram, não revela qual porcentagem de suas ações está nas mãos dos funcionários.

Em outubro, no entanto, a Amazon parou de distribuir ações para milhares de empregados, apesar de ter elevado o valor mínimo que paga por hora para US$15. O aumento ganhou as manchetes, mas o movimento da empresa no sentido de diminuir o compartilhamento de suas ações pode, em última instância, ter mais importância.

Além de voltar atrás no que havia sido um programa incomumente amplo de distribuição de ações para funcionários, a decisão da Amazon deixa claro como os trabalhadores de salários mais baixos das corporações norte-americanas estão sendo cada vez mais impedidos de fazer parte dos acordos de participação nos lucros e das partilhas de ações.

"O que aconteceu é que os interesses dos acionistas estrangularam as outras partes interessadas", diz Arthur C. Martinez, que dirigiu a Sears durante os anos 1990 e levou crédito pela mudança na empresa. "O mantra hoje é: acionistas acima de tudo."

Décadas atrás, segundo ele, "as pessoas que produziam ou vendiam os produtos eram mais centrais do que aquelas que estavam no nível corporativo. Havia uma mentalidade diferente e ela estava ligada à questão maior da desigualdade de renda".

O programa da Sears não só foi generoso, como também era bastante igualitário. As contribuições se baseavam em anos de serviço, não no cargo do funcionário, e os trabalhadores mais antigos recebiam de contrapartida quase US$3 para cada dólar que guardavam para sua aposentadoria. A empresa eliminou gradualmente o plano de participação nos lucros a partir dos anos 1970. Em outubro, depois de anos de tentativas frustradas para se reinventar, a rede varejista entrou com um pedido de falência.

A Sears não estava sozinha nos Estados Unidos corporativo, afirma Joseph R. Blasi, diretor do Instituto Rutgers para o Estudo da Propriedade dos Empregados e Participação nos Lucros.

Empresas como a Procter & Gamble, a S.C. Johnson, a Hallmark Cards e a U.S. Steel também adotaram a divisão de lucros e fizeram parte de um movimento corporativo para incentivar essa prática, segundo ele.

Entre alguns dos principais executivos do início até meados do século XX, conta Blasi, "havia uma noção de que os salários não eram suficientes, e de que os funcionários tinham o direito de compartilhar os frutos de seu trabalho".

No nível executivo, no entanto, a participação nos lucros ainda é a regra. Enquanto 68 por cento dos trabalhadores que ganham mais de US$75 mil se beneficiam com ela, apenas 20 por cento dos que ganham menos de US$30 mil o fazem, de acordo com Blasi. A participação nos lucros para esse grupo com salários mais baixos vem diminuindo nos últimos anos, com a média anual do valor caindo de US$921 em 2002 para US$300 em 2014.

No entanto, existem funcionários da Amazon que possuem muitas ações. Quatro dos cinco principais executivos da empresa ganharam menos de US$175 mil cada em salário anual nos últimos três anos, mas conseguiram milhões de dólares em ações.

Pelos padrões das companhias atuais, a Amazon é relativamente generosa. Além dos planos de aposentadoria 401(k), patrocinados pelo empregador, os funcionários que trabalham em tempo integral recebem seguro médico e uma semana de férias pagas no primeiro ano.

Há cinquenta anos, a Sears oferecia tudo isso, além de uma contribuição anual muito maior para a aposentadoria. Enquanto o funcionário típico da Amazon recebe US$680 da empresa em um 401(k), o trabalhador médio da Sears recebia o equivalente a US$2.744 de hoje. Além disso, lucros advindos de estoques acumulados podiam adicionar milhares de dólares todos os anos.

O projeto da Sears teve falhas. Ao colocar grande parte de seus ativos em ações da empresa, os trabalhadores acabavam ainda mais expostos ao destino de seus empregadores. Ele também favoreceu os homens em detrimento das mulheres, já que, como os ganhos não eram salariais, elas perdiam dinheiro quando se afastavam do trabalho ou quando saíam da empresa mais cedo do que os colegas do sexo masculino, segundo Sanford Jacoby, professor de Administração e Política Pública da Universidade da Califórnia, em Los Angeles.

Ainda assim, a política era muito popular entre os funcionários. "As pessoas se aposentavam com uma boa quantidade de dinheiro", afirma Jacoby. "Elas adoravam esse fundo de pensão, e a Sears foi uma empresa de enorme sucesso."

Se os 575 mil funcionários da Amazon possuíssem a mesma proporção das ações da empresa quanto os trabalhadores da Sears tinham na década de 1950, cada um deles teria US$381 mil em ações.

Até outubro, a Amazon concedia duas ações por ano para os funcionários do depósito, no valor de cerca de US$3.500 ao preço atual. A perda dessas concessões impedirá que os funcionários participem diretamente de um dos maiores exemplos de criação de riqueza.

Para compensar as ações perdidas, a Amazon deu aumentos de pelo menos US$1,25 por hora para os funcionários que ganhavam mais de US$15, além de bônus em dinheiro aos cinco, dez, 15 e 20 anos de trabalho. Os funcionários podem usar as contribuições do tipo 401(k) que a empresa faz para comprar ações da própria Amazon.

O cálculo era diferente na Sears, explica Dan Fapp, ex-executivo de comunicações que trabalhou na companhia de 1963 a 1999. "Se a empresa se saísse bem e as ações subissem, seu lucro seria maior", diz ele.

"Não era incomum que as pessoas tivessem entre US$250 mil e US$350 mil quando se aposentavam na década de 1960 e início de 1970", afirma Fapp. Isso vale bem mais do que US$1 milhão hoje, após o ajuste da inflação.

Nas lojas, também havia oportunidades para os vendedores aumentarem seu salário-base por meio de comissões. Os chamados Big Ticket Men, que vendiam produtos mais caros, ganhavam o equivalente a quase US$50 mil por ano.

Stanley Hreneczko, de 91 anos, começou a trabalhar na Sears de Troy, no Michigan, em 1965. Era vendedor no departamento de eletrodomésticos – vendendo fogões e geladeiras. Graças ao seu salário generoso e ao plano de poupança da empresa, Hreneczko comprou uma casa em dinheiro vivo e passou férias de verão no Arizona e na Flórida.

"Foi como trabalhar no céu", diz ele.

Até mesmo funcionários juniores eram bem tratados.

"A maioria dessas pessoas se aposentou com uma boa pensão", diz Jon White, que trabalhou na Sears por 38 anos, mais recentemente como gerente em uma loja de Lithonia, na Geórgia, antes de se aposentar em 2008. "A maioria, em geral, está confortável – caixas, balconistas, repositores, todos os tipos de trabalhadores."

The New York Times News Service/Syndicate – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

Acompanhe tudo sobre:AmazonSears

Mais de Negócios

Isak Andic, fundador da Mango, morre em acidente na Espanha

Jumbo Eletro: o que aconteceu com o primeiro hipermercado do Brasil

Esta empresa fatura R$ 150 milhões combatendo a inflação médica no Brasil

Equity: a moeda da Nova Economia e o segredo do sucesso empresarial