Corrida para acalmar a tropa
Michele Loureiro Na manhã de segunda-feira 20, os funcionários da unidade de Lins (SP) da JBS tiveram o trabalho interrompido e foram chamados para uma reunião de emergência. Por cerca de 45 minutos, o diretor da unidade leu uma carta escrita pelo CEO da empresa, Wesley Batista, e tirou dúvidas dos trabalhadores. “Está todo mundo […]
Da Redação
Publicado em 21 de março de 2017 às 17h32.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h11.
Michele Loureiro
Na manhã de segunda-feira 20, os funcionários da unidade de Lins (SP) da JBS tiveram o trabalho interrompido e foram chamados para uma reunião de emergência. Por cerca de 45 minutos, o diretor da unidade leu uma carta escrita pelo CEO da empresa, Wesley Batista, e tirou dúvidas dos trabalhadores. “Está todo mundo aflito e se sentindo injustiçado”, afirma um dos funcionários. O procedimento foi padrão em todas as fábricas da JBS espalhadas pelo país, mesmo sem que nenhuma delas tenha sido interditada e não haja menção no relatório da Polícia Federal (PF) sobre irregularidades sanitárias da companhia.
A empresa não se pronuncia sobre os procedimentos internos, mas EXAME Hoje teve acesso ao comunicado, que recruta os funcionários a defenderem a empresa e suas marcas, como Seara e Friboi. “Esse é o momento de, mais do que nunca, nos unirmos para defender nosso trabalho, nossa empresa e tudo que acreditamos… Precisamos deixar tudo isso claro para todos. Não temos nada que comprometa a qualidade e a segurança alimentar de nossos produtos e marcas”, diz a carta.
A preocupação dos frigoríficos brasileiros da porta para fora ficou evidente nos últimos dias. Como as investigações ainda estão em andamento, os danos às companhias são incalculáveis. As ações de JBS e BRF estão em queda desde sexta-feira, quando foi deflagrada a operação, e uma série de mercados (como China, Hong Kong e a União Europeia), suspenderam a compra de carne. Mas uma faceta menos pública da crise de imagem acontece dentro das companhias. Afinal, a vida tem que continuar. Como acalmar os ânimos dos funcionários e continuar motivando a equipe?
A BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão e um dos principais alvos da Polícia Federal convocou seus funcionários para defender suas marcas publicamente. Desde o final de semana a companhia veicula uma campanha institucional na televisão onde funcionários aparecem, de forma voluntária, segundo a empresa, postando imagens e textos favoráveis à companhia. São trabalhadores ao lado de seus refrigeradores e churrasqueiras garantindo a qualidade das carnes. A mensagem da empresa é “a gente só produz os alimentos que a gente coloca na mesa das nossas famílias”. Em nota, a companhia manifesta seu apoio à fiscalização do setor e ao direito de informação da sociedade com base em fatos, sem generalizações que podem prejudicar a reputação de empresas idôneas e gerar alarme desnecessário na população.
Ao todo, BRF e JBS empregam cerca de 300.000 funcionários. Segundo Rafael Souto, presidente da consultoria Produtive, especialista em recolocação profissional, o grande risco de episódios como esse é a “condenação dos funcionários sem apelação”. “Muitas vezes há uma transferência de reputação da empresa para os trabalhadores, que acabam sendo penalizados. O mercado de trabalho é mais rígido do que a Justiça em alguns casos e marginaliza esses profissionais”, diz.
Quanto mais alto o nível hierárquico, evidentemente, maior a pressão. “Em um primeiro momento esse escândalo atinge em cheio as diretorias e profissionais de nível sênior. Quem trabalha como analista, supervisor e nas fábricas não deve se preocupar tanto”, diz João Marcio Souza, Diretor da Talenses Executive, consultoria especializada em gestão de pessoas. Mesmo assim, independente do cargo, o currículo pode ficar marcado. “Mesmo que nada seja provado contra essas empresas, os funcionários terão ao menos de contar essa história em cada entrevista de recolocação que fizerem”, afirma.
A lógica vale para todas as empresas mencionadas pela PF, mas para as pequenas a situação pode ser ainda pior – especialmente no caso da paranaense Peccin, acusada de usar carnes estragadas em sua linha de produção. “Os profissionais dessas companhias podem ter dificuldades de recolocação em âmbito regional”, diz Souza. EXAME Hoje visitou a unidade do frigorífico Peccin em Curitiba e apurou que alguns dos 400 funcionários já estão procurando recolocação nas fábricas vizinhas – a fábrica está fechada por determinação judicial.
Como ainda se trata de uma investigação em que os primeiros sinais dão conta de que os problemas com a carne são episódios isolados e não enraizados na cultura das empresas, Rafael Souto, da Produtive, afirma que o estrago pode ser contido. “Uma comunicação transparente com os funcionários e com o mercado ajuda a reforçar que são problemas pontuais, e que as medidas para resolver a situação estão sendo tomadas”.
O desafio maior, segundo o consultor, é quando a corrupção se mostra enraizada. “Em casos de empresas como a Odebrecht e Petrobras, por exemplo, o problema ganhou outra dimensão. Nessas companhias, as investigações comprovam participação dos líderes e de toda a cadeia. Aí é mais difícil para o profissional se manter imune. Já vi muitos casos de funcionários qualificados terem dificuldades para se recolocar por estarem nessas empresas”, afirma. A reputação do empregador, em casos limites, pode atingir a todos – do porteiro ao diretor. “Infelizmente a minoria erra e a maioria é punida”, diz.
Nestes casos, há o risco até de uma debandada de executivos e funcionários. Segundo Souza, da Talenses, isso não aconteceu entre as empreiteiras por conta da crise econômica. “Se estivéssemos vivendo um momento como o de 2010, por exemplo, essas empresas teriam experimentado um esvaziamento de bons profissionais. Muitos só estão esperando a oportunidade certa para pular fora”, diz. Os frigoríficos trabalham, claro, para que nada disso aconteça. Uma apuração mais criteriosa do que de fato ocorreu, para informar não só os funcionários, como toda a sociedade, certamente ajuda.