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Da Redação
Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.
Quando os executivos do Banco Real ABN Amro decidiram, em 2002, incluir fatores de risco so-
cioambiental na avaliação de suas operações de crédito, surgiu um problema. Quem poderia ajudá-los a preparar 1 600 gerentes em 850 agências espalhadas pelo Brasil para trabalhar com os novos critérios? A solução foi bater à porta dos especialistas da organização não-governamental Amigos da Terra, filiada à rede Friends of Earth International -- justamente a ONG que, um ano antes, havia feito campanha na Holanda contra os critérios de financiamento das operações florestais do ABN no Sudeste Asiático.
A parceria induziu a uma maratona extenuante. Os ambientalistas Mário Monzoni, coordenador do programa Eco-Finanças da Amigos da Terra, e Gladys Ribeiro viajaram por todo o Brasil com o gerente de riscos ambientais do banco, Christopher Wells, realizando 60 sessões de treinamento e capacitação em 42 regiões. Começaram em Piracicaba, no interior de São Paulo, em julho de 2002. Terminaram em Recife, em fevereiro deste ano. "No início o pessoal não tinha idéia de quem éramos, achavam que Amigos da Terra fosse uma associação de moradores", diz Monzoni. "Mas logo os gerentes perceberam que o risco socioambiental não surgiu para dificultar as operações, e sim para melhorar a performance das agências."
Os resultados do programa renderam um convite à ONG para que integrasse o Conselho Consultivo do Fundo Ethical do ABN, que investe em ações de empresas comprometidas com a sustentabilidade. "Temos confiança acumulada com os Amigos da Terra e estamos contentes com essa parceria", diz Flavio Weizenmann, vice-presidente do banco. "Aumentamos a sustentabilidade de nossa carteira de risco e melhoramos os retornos." Segundo Weizenmann, o fato de as duas organizações falarem a linguagem comum das finanças ambientais facilitou a cooperação. A diminuição dos riscos de crédito e a difusão da sustentabilidade entre os clientes do banco valorizaram o trabalho de Monzoni. O ambientalista acaba de ser contratado pela Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas de São Paulo para ajudar a coordenar seu novo Centro de Estudos em Sustentabilidade.
Parcerias entre corporações e ONGs vêm se multiplicando conforme crescem o interesse e a sofisticação das ações de responsabilidade social corporativa. Para companhias empenhadas em desenvolvimento comunitário, trabalhar com ONGs habituadas a esse cenário virou um atalho para a obtenção de bons resultados. Para as ONGs, as corporações costumam ser a melhor fonte para sanar a crônica falta de recursos. Há, porém, uma série de obstáculos a ultrapassar numa relação como essa. "A parceria é excitante, bonita, mas gera desafios, pois aproxima culturas com valores diferentes e até antagônicos", diz o consultor Lino Campion, coordenador das ações sociais do escritório brasileiro da KPMG.
Ocorre que a legitimidade social das ONGs advém justamente do fato de elas "não gerarem lucro". Um relacionamento com uma empresa -- cuja natureza envolve a entrega de resultados financeiros -- poderia, em tese, minar a credibilidade da organização. Por outro lado, a cultura empresarial tenderia a canibalizar o assistencialismo das ONGs, menos voltadas para resultados. Elas passariam a agir mais como corporações. "Quando a parceria funciona, as ONGs se reestruturam, passam a atuar em escala maior e começam a pensar em termos de empresa", diz Campion. "E os projetos sociais podem acabar prejudicados."
Para o Instituto C&A, braço social da rede C&A, a maior rede de varejo de roupas do país, parceria significa trabalho em comum. A empresa apóia há dez anos a Cooperapic, uma rede de 80 ONGs que dá assistência a crianças. "Investimos na ampliação e na modernização das ONGs para melhorar a eficácia dos programas sociais", diz Paulo Castro, presidente do Instituto C&A. "Não queremos que as ONGs percam a alma e o idealismo. A ação social não é uma questão gerencial."
O desafio de lançar pontes entre as duas culturas -- a empresarial e a das ONGs -- motivou uma pesquisa, em curso, do Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (Ceats), da USP. Fazem parte do universo analisado 423 empresas em todo o país. Os resultados obtidos até agora mostram que 91% das companhias mantêm práticas de atuação social, sendo que 85% executam projetos por meio de "alianças intersetoriais" com ONGs e entidades governamentais. "A aliança é um modelo eficaz de atuação, pois promove a sinergia entre as competências essenciais de cada organização", diz a professora Rosa Maria Fischer, diretora do Ceats. Quase 74% das empresas apostam na competência da organização colaboradora. "Em geral, a empresa entra com recursos financeiros ou com as competências que possui -- gestão, qualidade, controle --, expandindo a atuação da ONG", diz Rosa Maria.
Uma boa parceria depende muito do estabelecimento prévio dos objetivos, como no caso do Banco Real ABN Amro e da Amigos da Terra. É importante que sejam definidos com clareza as expectativas, os propósitos e a compatibilidade da cooperação. "Quanto mais claro estiver o papel de cada parceiro no processo, maior a potencialização dos resultados", diz Rosa Maria, do Ceats. Para as empresas, as principais dificuldades no desenvolvimento de parcerias são a falta de competência gerencial das ONGs, os problemas de comunicação e os conflitos culturais. Representantes de ONGs, por sua vez, costumam queixar-se de que as empresas se preocupam demais com a imagem corporativa e carecem de idealismo. "Algumas ações sociais são feitas somente visando à repercussão que terão e não aos resultados sociais", afirma a professora.
Outro componente das alianças duradouras é o rigor. Para a Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, que já desenvolveu 900 projetos com 200 ONGs, a seleção e a fiscalização são cruciais. "Avaliamos de 250 a 350 projetos por semestre", diz o biólogo Miguel Milano, diretor executivo da fundação. "Mas só apoiamos ações de conservação da natureza propostas segundo uma formatação específica, que permite comparar projetos e facilita a análise dos nossos consultores." A transparência é a base da aliança. "A melhor receita para uma boa parceria é a motivação ética mútua", diz Milano. "Os projetos só dão certo quando ambos os parceiros lutam pelo que acreditam."