ESG

Como o coronavírus atrapalhou o setor de energia eólica

Associação Americana de Energia Eólica estima que a pandemia possa ameaçar cerca de US$ 35 bilhões em investimentos

Energia Eólica: pandemia afeta o setor (Bússola/Divulgação)

Energia Eólica: pandemia afeta o setor (Bússola/Divulgação)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 10 de novembro de 2020 às 12h10.

Enquanto empresas do mundo todo fechavam as portas este ano, executivos da EDF Renewables tinham a esperança de terminar a instalação de 99 turbinas eólicas no sul do Nebraska antes do prazo, no fim do ano. Então, no início de abril, a pandemia acertou a empresa em cheio.

Um gerente da fábrica que estava construindo os cilindros gigantes que sustentam as turbinas morreu, vítima do coronavírus, o que levou ao fechamento da indústria e a cinco semanas de atraso nos trabalhos da EDF. Esse problema e outros – incluindo trabalhadores infectados pelo vírus no canteiro de obras no Nebraska – impediram que a EDF completasse o projeto avaliado em US$ 374 milhões antes do fim do ano. O atraso pode aumentar os custos, ameaçando a viabilidade financeira do projeto.

As dificuldades da empresa mostram como a pandemia afetou as cadeias de abastecimento globais, colocando em risco dezenas de bilhões de dólares em investimentos e milhões de empregos. O setor do comércio varejista e o de gás e petróleo foram os mais afetados. Mas os desafios da EDF mostram como a pandemia afetou até mesmo setores em franca expansão, como o das energias renováveis.

A Associação Americana de Energia Eólica estima que a pandemia possa ameaçar cerca de US$ 35 bilhões em investimentos, além de 35 mil empregos este ano. As perdas podem aumentar, se o coronavírus continuar a atrapalhar a economia no ano que vem.

"Todas as partes da cadeia de abastecimento foram afetadas. Certamente, se observarmos atrasos ainda maiores, o fardo econômico será enorme", disse John Hensley, vice-presidente de pesquisa e análise de dados da associação eólica.

As turbinas eólicas fornecem mais de sete por cento da eletricidade dos EUA e são a maior fonte de eletricidade livre de carbono do país, depois das usinas nucleares. O estado do Nebraska recebe 20 por cento de sua energia de fontes eólicas e o projeto da EDF teria a capacidade de fornecer eletricidade para cerca de 115 mil casas.

O setor de energia eólica crescia cerca de dez por cento ao ano antes da pandemia. Autoridades dessa indústria, no entanto, agora temem que os projetos em fase de construção sejam interrompidos ou mesmo cancelados em decorrência da pandemia. O setor esperava que o Congresso dos EUA pudesse fornecer ajuda financeira às energias renováveis, mas recebeu pouco dinheiro dos pacotes de estímulo aprovados na primavera boreal.

O setor foi auxiliado pelo Ministério da Fazenda dos EUA, que aumentou o prazo de conclusão dos projetos de construção de energia eólica para que estes recebessem crédito fiscal do governo federal norte-americano. Agora, as empresas precisam terminar os projetos iniciados em 2016 e 2017 em até cinco anos, em vez dos quatro aceitos anteriormente. A EDF iniciou o projeto em 2016.

"Todos estão tentando descobrir como as coisas vão acabar", comentou Benoit Rigal, vice-presidente de engenharia e construção da EDF.

Vírus assusta cidadezinha no Nebraska

Em 13 de março, a EDF estava preparando o canteiro de obras para receber três dúzias de pás eólicas que captam a força do vento. Esses são alguns dos primeiros componentes que a empresa esperava receber no vilarejo de Milligan, no Nebraska.

Porém, três dias antes da chegada das pás, Dwynne Igau, gerente de planejamento e construção da EDF responsável pelo projeto, recebeu uma notícia preocupante: um dos funcionários estava doente. Igau cancelou imediatamente a entrega e colocou 30 por cento dos trabalhadores em quarentena.

As áreas no entorno de Milligan foram afetadas por um surto de casos do coronavírus logo no início da pandemia, causado em parte pela transmissão da doença em empresas que embalam carne. Fundada em 1888 e com poucas centenas de habitantes, a comunidade ferroviária cercada por campos de milho é conhecida como a "Capital da Hospitalidade do Nebraska", devido à oferta de serviços como salões de beleza e spas.

De acordo com a EDF, ao menos três trabalhadores contraíram o vírus este ano. Além disso, muitos terceirizados e fornecedores de equipamentos também ficaram doentes.

"Não imaginávamos que se espalharia tanto e tão rápido", disse Gilles Gaudreault, gerente de transporte e logística e um dos responsáveis pelo projeto.

As pás que tiveram a entrega adiada em meados de março estavam a caminho, vindas da China, e ficaram paradas durante dias em um pátio ferroviário na região central do Nebraska. Mas o atraso está longe de ser o último dos problemas de Igau.

Outro conjunto de pás eólicas, vindo da Índia, teve a entrega atrasada quando o governo indiano fechou a fábrica por causa da pandemia do coronavírus. A fábrica foi reaberta, mas o fechamento teve um impacto duradouro e as últimas sete pás só chegaram agora ao porto de Houston.

Igau e a EDF fizeram muitas outras mudanças no canteiro de obras, o que também atrasou o trabalho. Equipes formadas por quatro ou cinco trabalhadores já não podiam se locomover pelo canteiro na mesma caminhonete. Cada trabalhador tinha de dirigir sozinho. Algumas inspeções que geralmente eram feitas por equipes de funcionários passaram a exigir a ajuda de um drone para reduzir a proximidade entre as pessoas.

A grande reunião semanal, que era promovida toda quarta-feira e geralmente contava com 300 pessoas no estacionamento, foi cancelada. Em vez disso, os gerentes passaram a se encontrar com grupos de dez funcionários, que permaneciam a pelo menos dois metros de distância uns dos outros. A EDF também cancelou as reuniões que se realizavam todos os dias, às oito da manhã, no trailer de um gerente. Todos passaram a usar máscara e luvas, e a EDF começou a medir a temperatura regularmente.

Quando as equipes começavam a se adaptar a essas mudanças, a EDF enfrentou mais um desafio: chuvas fortes que dificultaram o deslocamento das equipes de entrega e dos trabalhadores da construção.

"Quando precisamos receber algum componente, as estradas precisam estar perfeitas. Mas nossas condições eram terríveis e muitas pessoas estavam afastadas", contou Igau.

Falta de componentes e atrasos nas entregas

Na primeira semana de abril, a EDF recebeu da fabricante de cilindros, com sede no México. a notícia de que um gerente de logística havia morrido em decorrência do coronavírus.

"A equipe toda ficou em quarentena por duas semanas e nosso fornecedor não sabia dizer ao certo em quanto tempo poderia voltar ao trabalho", disse Igau.

Ela passou semanas em busca de outros fornecedores, temendo que o atraso impedisse a conclusão do projeto até o fim do ano. Poucas empresas, no entanto, fabricam os cilindros, que precisam ser fortes o bastante para sustentar a turbina e resistir aos ventos fortes. Não havia muita capacidade produtiva disponível e, mesmo que encontrassem outra fábrica, ninguém poderia garantir que conseguiriam organizar a entrega, já que as rotas de transporte também tinham sido interrompidas pela pandemia.

"Como poderemos entregar antes do fim do ano?", Igau se lembra de ter se perguntado. Outra preocupação: o que ela deveria fazer com os funcionários que não tinham torres para colocar em pé?

Mesmo quando a fábrica dos cilindros voltou a funcionar, novos problemas surgiram. Os cilindros deveriam ser enviados de trem, mas, com os atrasos, não havia mais espaço disponível nos trens que fariam a rota correta. Por isso, os componentes tiveram de ser enviados de caminhão.

Os cilindros, que geralmente têm a altura de um prédio de cinco andares, dependem de um tipo especial de caminhão que só pode ser dirigido por motoristas com treinamento e autorização especiais. Esses motoristas geralmente têm mais de 50 anos, o que os torna mais vulneráveis ao coronavírus. Além disso, a maioria dos motoristas e seus caminhões já estavam ocupados com o transporte de outras cargas pesadas.

Mas os cilindros não eram a única preocupação de Igau. Ela também estava tendo dificuldades para conseguir as pás eólicas para as turbinas.

O fornecimento de madeira balsa, um componente fundamental das pás eólicas, tornou-se limitado nesta primavera boreal, já que cerca de 95 por cento da madeira vem do Equador, um país especialmente afetado pela pandemia. A certa altura, tantas pessoas estavam morrendo que corpos enrolados em sacos plásticos jaziam nas ruas do país.

Com pouco mais de dois meses até o fim do ano, as primeiras cinco turbinas começaram a funcionar em meados de outubro, dando à EDF alguma esperança de cumprir o prazo. Porém o número de casos do coronavírus está crescendo em todo o país e a época da gripe só está começando, o que deixa executivos preocupados.

"Todo dia, alguma coisa pode acontecer no canteiro de obras e a equipe toda pode ser obrigada a entrar em quarentena. Não sei como poderemos concluir o projeto antes do fim do ano", declarou Igau.

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