Relógio: na gestão interina, o executivo tem data certa para deixar a empresa. Processo não deve durar mais que 18 meses (Stock.xchng)
Luísa Melo
Publicado em 18 de março de 2014 às 11h23.
São Paulo - Durante o verão de 2011, as enchentes que devastaram Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro, atingiram a unidade de produção da fabricante de lingeries Triumph, causando danos ao maquinário e prejuízos para a empresa. Muitos dos funcionários da companhia tiveram suas casas invadidas pela água e ficaram desalojados. Não bastasse todos esses acontecimentos, a empresa ainda foi surpreendida pela demissão do responsável por sua área de recursos humanos.
A Triumph se viu então diante de um impasse: ela precisava de um profissional experiente e que conseguisse administrar a crise e dar o devido suporte aos trabalhadores afetados, mas a situação financeira não permitia altos investimentos.
Treinar um funcionário da empresa para ocupar o cargo vago também estava fora de cogitação, pois não havia tempo. A solução encontrada foi a contratação de um gestor interino: um executivo experiente com um contrato que tinha data para terminar.
A prática de gestão interina (ou interim management, no termo em inglês) é muito comum fora do Brasil e tem conquistado adeptos por aqui. Basicamente, a ideia consiste em contratar um executivo com experiência longa para períodos ou projetos pré-definidos, uma espécie de freelance sênior.
Ela pode ser eficiente em casos de urgência e crise (como o da Triumph), na cobertura de vagas abertas e preparação de sucessão, em processos de profissionalização de empresas familiares ou até mesmo quando a companhia pretende criar uma nova unidade de negócios mas, ao mesmo tempo, precisa manter a equipe dedicada ao seu core business. Outra situação em que é comum a atuação de um líder interino é a cobertura de licença-maternidade de executivas.
Segundo Donizetti Moretti, vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos de São Paulo e gestor interino há quatro anos, o processo dura em média seis meses e não é recomendável que ultrapasse o período de um ano e meio, para não perder a característica de passageiro. A atividade não deve, porém, ser confundida com consultoria. Nela, o executivo deve atuar ativamente, e não apenas aconselhar e orientar.
No caso de Moretti, ao trabalhar para uma companhia durante um certo um período de tempo, ele não cria vínculos trabalhistas com ela. Isso porque o executivo é funcionário de uma empresa que reúne gestores interinos, a Eksper. O contrato, portanto, é de prestação de serviço entre as duas organizações . Entretanto, há profissionais que trabalham interinamente por conta própria.
Na Triumph, onde a gestão interina durou quatro meses, a estratégia funcionou. "Foi um sucesso absoluto. A grande vantagem foi que o executivo não precisou de muito tempo para se adpatar e conseguiu entregar resultados a curto prazo. Conseguimos normalizar todo o apoio que o RH precisava dar às pessoas que trabalhavam na fábrica; conseguimos propor uma nova estrutura para a área e selecionar uma pessoa fixa para a vaga", conta João Gomes da Silva, presidente da companhia para a América Latina.
Os riscos e os cuidados
Para garantir que o executivo terá a experiência necessária para conseguir compreender rapidamente os negócios da companhia, Moretti recomenda que os profissionais alocados sejam mais experientes do que a necessidade da empresa exige. Por exemplo: para atuar interinamente em um cargo de especialista, ele recomenda um profissional que já foi gerente; e para um cargo de gerência, alguém que já foi diretor. "Isso possibilita uma maior velocidade da compreensão dos negócios e da própria cultura da empresa", defende.
Segundo o professor Pedro Zanni, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), a gestão interina pode ser uma opção eficiente até mesmo em cargos de presidência, desde que se tome mais alguns cuidados.
O primeiro deles é deixar claro que a atuação daquele profissional na empresa terá data para terminar – e quando isso irá acontecer. "Uma gestão interina sem horizonte de transição só gera incerteza", afirma.
Em segundo lugar, de acordo com o professor, é preciso que se deixe claro como ocorrerá o processo de sucessão daquele executivo. "Alguém de dentro da empresa será treinado para ocupar o cargo? Haverá seleção? Se sim, ela será interna ou externa? É preciso passar a segurança de que aquilo é um processo planejado", diz. Segundo ele, a falta de transparência nesses casos pode ocasionar disputas internas pelo poder na empresa, o que não é nada saudável.
As expectativas da organização quanto à atuação do executivo interino também precisam estar bem definidas. "Ele tem que saber o que se espera que ele faça, qual será o plano de trabalho, que objetivos ele deve cumprir", afirma Zanni.
Além disso é necessário que o gestor prepare bem a equipe para dar continuidade aos seus projetos depois que ele deixar a empresa. "Ele também não pode tomar decisões que apresentem resultados no curto prazo, mas que comprometam a companhia no longo, como por exemplo cortar muito os custos e, com isso, minar as relações com os fornecedores", diz o professor.