Caso Votorantim poderia, mas não servirá de lição a bancos
O Banco Central citou os empréstimos ruins para compra de automóveis como principal razão da inadimplência do setor financeiro ter alcançado o recorde de 6% em maio
Da Redação
Publicado em 26 de junho de 2012 às 20h22.
São Paulo - Em pouco mais de 12 horas, o Brasil conheceu dois efeitos dos excessos cometidos por bancos anos atrás, quando aceleraram a oferta de crédito em linha com a estratégia estatal de estimular o mercado interno para conter os efeitos da crise de 2008.
Em ambos os casos, financiamentos automotivos de má qualidade aparecem como ícone dessa realidade. Foram eles os responsáveis pela decisão dos sócios Banco do Brasil e Votorantim Finanças (VF) de aportar 2 bilhões de reais no Banco Votorantim, anunciado na noite da véspera.
Nesta manhã, o Banco Central citou os empréstimos ruins para compra de automóveis como principal razão da inadimplência do setor financeiro ter alcançado o recorde de 6 por cento em maio -a de pessoas físicas chegou a 8 por cento.
Isso num momento em que, agora para tentar amenizar os efeitos da crise europeia sobre uma vacilante economia doméstica, o governo retoma a receita de estimular o consumo com mais crédito e menos impostos, com BB e Caixa Econômica Federal deflagrando cortes agressivos de juros.
Especialistas enxergam esse cenário sob prismas distintos. Na avaliação mais otimista, a lição foi aprendida após dezenas de bilhões de reais em provisão adicional para perdas com calotes, que machucaram os lucros e a rentabilidade dos bancos, e o diagnóstico é de que a 'doença' não se espalhou.
"A decisão (de injetar capital no Votorantim) foi a melhor forma de lidar com as perdas recentes do banco", afirmou o analista de bancos do Barclays Fabio Zagatti, calculando que os recursos devem ampliar o índice de Basileia do banco em 3 pontos percentuais, depois de ter atingido 13 por cento no começo do ano, pouco acima do piso de 11 por cento exigido pelo BC.
Ainda que a medida fosse em grande parte esperada, o mercado recebeu a notícia com conservadorismo. A ação do BB na Bovespa caiu 2,36 por cento, o pior desempenho entre os grandes bancos, num dia em que o Ibovespa subiu 0,06 por cento.
E, embora necessária, foi uma decisão difícil. Para a Votorantim Finanças, braço financeiro do conglomerado da família Ermírio de Moraes, sua contribuição de 1 bilhão de reais no negócio equivale a cerca de 40 por cento do montante que o grupo auferiu no final de 2011 com a venda de sua fatia na Usiminas para o grupo ítalo-argentino Techint.
Mas não foi só isso. Votorantim e Itaú Unibanco, dois dos maiores no financiamento automotivo, pisaram no freio das concessões. O primeiro, que gerou 9,4 bilhões de reais no último quarto de 2010, desacelerou para 3,7 bilhões de reais no começo deste ano. Isso dentro de regras bem mais rígidas, sob coordenação do BB, que comprou metade de seu capital em 2009.
"Os bancos se animaram com a perspectiva de a economia ter taxas de crescimento mais fortes, o que não ocorreu", disse à Reuters semanas atrás Roberto Setubal, presidente do Itaú, no qual calotes automotivos turbinaram as provisões totais do banco para acima de 20 bilhões de reais em 2011. "Agora, há a preocupação de evitar que os clientes fiquem superendividados." A visão mais cética aponta noutra direção. Há divergências entre economistas sobre quão comprometidas as famílias estão com dívidas, mas alguns deles concordam que a fronteira do razoável, quando as contas atingem 30 por cento da renda líquida, já foi ultrapassada, justamente pela resposta ao apelo anterior do governo para comprar mais.
O professor de Finanças do Insper, Alexandre Chaia, chama a atenção para o ineditismo do cenário atual, em que endividamento e inadimplência elevados acontecem num momento de desemprego na mínima recorde no país, situação bem distinta dos Estados Unidos e da Europa em crise.
"Isso não deveria estar acontecendo", disse Chaia, segundo o qual os cortes de juros pelos bancos agora têm um componente mais político do que de mercado. "A aceleração dos bancos estatais no crédito vai ser um esqueleto que vai cobrar o preço no futuro".
O chefe de pesquisa da IDEAglobal, Enrique Alvarez, vai mais longe. Para ele, não só a lição do setor automotivo não foi aprendida como pode ser ainda pior nos próximos anos.
"Se você vê o que está acontecendo com o Votorantim, os números de crédito, o setor habitacional e os preços de casas, enxerga a próxima crise. Infelizmente, na minha opinião, no Brasil dos próximos anos, talvez dois ou três, isso vai se transformar num problema", disse.
Consultados pela Reuters, BB e Banco Votorantim preferiram não se manifestar sobre o assunto. (Reportagem adicional de Walter Brandimarte e Guillermo Parra-Bernal; Edição de Vivian Pereira)
São Paulo - Em pouco mais de 12 horas, o Brasil conheceu dois efeitos dos excessos cometidos por bancos anos atrás, quando aceleraram a oferta de crédito em linha com a estratégia estatal de estimular o mercado interno para conter os efeitos da crise de 2008.
Em ambos os casos, financiamentos automotivos de má qualidade aparecem como ícone dessa realidade. Foram eles os responsáveis pela decisão dos sócios Banco do Brasil e Votorantim Finanças (VF) de aportar 2 bilhões de reais no Banco Votorantim, anunciado na noite da véspera.
Nesta manhã, o Banco Central citou os empréstimos ruins para compra de automóveis como principal razão da inadimplência do setor financeiro ter alcançado o recorde de 6 por cento em maio -a de pessoas físicas chegou a 8 por cento.
Isso num momento em que, agora para tentar amenizar os efeitos da crise europeia sobre uma vacilante economia doméstica, o governo retoma a receita de estimular o consumo com mais crédito e menos impostos, com BB e Caixa Econômica Federal deflagrando cortes agressivos de juros.
Especialistas enxergam esse cenário sob prismas distintos. Na avaliação mais otimista, a lição foi aprendida após dezenas de bilhões de reais em provisão adicional para perdas com calotes, que machucaram os lucros e a rentabilidade dos bancos, e o diagnóstico é de que a 'doença' não se espalhou.
"A decisão (de injetar capital no Votorantim) foi a melhor forma de lidar com as perdas recentes do banco", afirmou o analista de bancos do Barclays Fabio Zagatti, calculando que os recursos devem ampliar o índice de Basileia do banco em 3 pontos percentuais, depois de ter atingido 13 por cento no começo do ano, pouco acima do piso de 11 por cento exigido pelo BC.
Ainda que a medida fosse em grande parte esperada, o mercado recebeu a notícia com conservadorismo. A ação do BB na Bovespa caiu 2,36 por cento, o pior desempenho entre os grandes bancos, num dia em que o Ibovespa subiu 0,06 por cento.
E, embora necessária, foi uma decisão difícil. Para a Votorantim Finanças, braço financeiro do conglomerado da família Ermírio de Moraes, sua contribuição de 1 bilhão de reais no negócio equivale a cerca de 40 por cento do montante que o grupo auferiu no final de 2011 com a venda de sua fatia na Usiminas para o grupo ítalo-argentino Techint.
Mas não foi só isso. Votorantim e Itaú Unibanco, dois dos maiores no financiamento automotivo, pisaram no freio das concessões. O primeiro, que gerou 9,4 bilhões de reais no último quarto de 2010, desacelerou para 3,7 bilhões de reais no começo deste ano. Isso dentro de regras bem mais rígidas, sob coordenação do BB, que comprou metade de seu capital em 2009.
"Os bancos se animaram com a perspectiva de a economia ter taxas de crescimento mais fortes, o que não ocorreu", disse à Reuters semanas atrás Roberto Setubal, presidente do Itaú, no qual calotes automotivos turbinaram as provisões totais do banco para acima de 20 bilhões de reais em 2011. "Agora, há a preocupação de evitar que os clientes fiquem superendividados." A visão mais cética aponta noutra direção. Há divergências entre economistas sobre quão comprometidas as famílias estão com dívidas, mas alguns deles concordam que a fronteira do razoável, quando as contas atingem 30 por cento da renda líquida, já foi ultrapassada, justamente pela resposta ao apelo anterior do governo para comprar mais.
O professor de Finanças do Insper, Alexandre Chaia, chama a atenção para o ineditismo do cenário atual, em que endividamento e inadimplência elevados acontecem num momento de desemprego na mínima recorde no país, situação bem distinta dos Estados Unidos e da Europa em crise.
"Isso não deveria estar acontecendo", disse Chaia, segundo o qual os cortes de juros pelos bancos agora têm um componente mais político do que de mercado. "A aceleração dos bancos estatais no crédito vai ser um esqueleto que vai cobrar o preço no futuro".
O chefe de pesquisa da IDEAglobal, Enrique Alvarez, vai mais longe. Para ele, não só a lição do setor automotivo não foi aprendida como pode ser ainda pior nos próximos anos.
"Se você vê o que está acontecendo com o Votorantim, os números de crédito, o setor habitacional e os preços de casas, enxerga a próxima crise. Infelizmente, na minha opinião, no Brasil dos próximos anos, talvez dois ou três, isso vai se transformar num problema", disse.
Consultados pela Reuters, BB e Banco Votorantim preferiram não se manifestar sobre o assunto. (Reportagem adicional de Walter Brandimarte e Guillermo Parra-Bernal; Edição de Vivian Pereira)