Fábrica da Unilever: saída de Polman marca uma mudança de rumo nas multinacionais (Germano Lüders/Exame)
Lucas Amorim
Publicado em 29 de novembro de 2018 às 17h41.
Última atualização em 4 de dezembro de 2018 às 15h10.
Quando a maior fabricante de bens de consumo do mundo, a anglo-holandesa Unilever, anuncia uma mudança de comando, o mundo dos negócios prende a respiração. Quando essa alteração envolve a saída de um dos executivos mais visionários das últimas décadas, o holandês Paul Polman, embaixador do capitalismo responsável, um público ainda maior presta atenção. Quando esta mudança acontece em meio a uma mudança nas políticas comerciais do planeta, uma sucessão corporativa vira um evento global.
É o que aconteceu nesta quinta-feira, quando a Unilever anunciou que Polman vai deixar a presidência em janeiro, após dez anos no comando da companhia. Neste período, conseguiu fazer com que sua empresa trouxesse à tona a importância de se guiar por valores de longo prazo e ainda deu retorno acima do alcançado por outras empresas do setor: 240% antes 207%, segundo o site Brazil Journal.
Polman foi também o CEO que disse não a uma oferta de compra de 143 bilhões de dólares feita pela Kraft Heinz, controlada pelo fundo brasileiro 3G, num negócio que tinha o apoio do megainvestidor americano Warren Buffett. Na negativa, a Unilever publicou comunicado afirmando que não concordava com a agressividade da Kraft Heinz.
“O Polman aproveitou a oportunidade para fazer um carnaval em cima de uma conversa”, diz um executivo do 3G.
Logo após a oferta recusada, Polman embarcou no projeto que acabaria, segundo analistas do setor, sendo decisivo para sua saída. Ele deu início a um processo de mudança da sede da companhia de Londres para Roterdã, na Holanda.
Foi um movimento que escancarou uma estrutura societária sui generis. A Unilever divide seus executivos, e seus impostos, entre a Holanda, onde as companhias que lhe deram origem surgiram, há 150 anos, e o Reino Unido. A mudança definitiva para a Holanda era um plano do presidente do conselho, o holandês Marijn Dekkers. Como Polman também é holandês, aos olhos dos investidores e do governo britânico ficou parecendo que havia Holanda demais nessa história.
A mudança para a Holanda tinha como objetivo simplificar de uma vez por todas a estrutura da companhia e dar mais agilidade na tomada de decisões, mas também se proteger contra possíveis investidas hostis como a protagonizada pelo 3G. Mas para o governo britânico, às voltas com um processo de desembarque da União Europeia, a mudança não poderia vir em pior momento. Perder um dos ícones do capitalismo do país antes mesmo da concretização do Brexit, prevista para março, seria péssimo.
O fato de o substituto de Polman ser britânico joga lenha nessa fogueira. Mas Dekkers negou o peso político da escolha ao Financial Times. “Após um processo extenso, escolhemos o melhor candidato independentemente da nacionalidade”. Polman vai dar lugar ao escocês Alan Jope, desde 1985 na empresa e atualmente à frente de sua maior divisão, a de produtos para beleza e cuidados pessoais.
A saída de Polman marca uma mudança de rumo nas multinacionais. Companhias apátridas, com executivos, produtos e projetos espalhados pelo mundo estão dando lugar a empresas mais comprometidas com seus países de origem, com os pés mais fincados em suas comunidades, e com relacionamento mais intenso com seus governos.
Em março, por exemplo, o governo americano proibiu a venda da companhia de tecnologia Qualcomm para um competidor chinês. Na China, a gigante do varejo online Alibaba vem sendo cobrada pelo governo para listar suas ações em Xangai — seu fundador, Jack Ma, foi revelado recentemente como membro do Partido Comunista. O governo japonês teve peso importante no veto a uma fusão integral da Nissan e da Mitsubishi com a francesa Renault. Os desdobramentos do caso acabaram levando Carlos Ghosn, aclamado pelo governo francês, à prisão no Japão na semana passada.
São exemplos do que a revista Economist chamou de fim de uma era de ouro da globalização, em que empresas procuravam novos lares em busca de eficiência e vantagem competitiva. A onda de discursos e políticas nacionalistas faz com que a próxima década aponte no sentido oposto, com políticos inflando o discurso de “o meu primeiro” das Filipinas ao Brasil.
Para além da geopolítica, uma das grandes questões sobre o mandato do novo presidente da Unilever é se ele manterá as ambiciosas metas de crescimento traçadas após a oferta hostil da Heinz. A promessa é expandir a margem em 20% até 2020, o que exige um agressivo plano de corte de custos.
Jope deve focar as atenções da Unilever no negócio que ele conhece mais, o de beleza, em que a Unilever é dona de marcas como o sabonete Dove. O mercado de alimentos, em que detém marcas como a maionese Hellmann’s sofre competição ainda mais intensa de produtos orgânicos, de um lado, e de marcas próprias e baratas dos varejistas, de outro.
Em sua carta de despedida, Polman afirmou sair feliz por ter ajudado a construir uma empresa guiada por “propósitos”. Jope afirmou que seu objetivo é continuar entregando “resultado e criação de valor”. À frente de uma das empresas mais incensadas do planeta, ele vai ajudar também a moldar a forma como empresas, consumidores, governos e comunidades se relacionam.