Colo do útero: prevenção passa pelo autocuidado. (GettyImages/Divulgação)
EXAME Solutions
Publicado em 5 de agosto de 2024 às 11h30.
Todos os dias, cerca de 19 mulheres morrem no Brasil vítimas do câncer de colo do útero. Com 17 mil novos casos diagnosticados e mais de 6 mil mortes por ano, este é o segundo câncer que mais mata mulheres de 20 a 49 anos, conforme dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Na Região Norte, em especial, é o mais letal devido a menor adesão à vacinação e baixa realização de exames diagnósticos.
Mas essas estatísticas alarmantes podem ser mudadas. Diferentemente de outros tipos de câncer, o de colo do útero tem causa conhecida, sendo um tipo altamente evitável, por meio de uma tríade de prevenção: vacinação, exames regulares e tratamento de lesões pré-cancerígenas.
“Cerca de 99% dos casos são decorrentes de infecções pelo vírus HPV e as lesões causadas por ele podem ser identificadas por meio de exames de rotina”, explica a Dra. Márcia Datz Abadi, diretora médica da MSD Brasil.
O HPV, sigla em inglês para papilomavírus humano, é um grupo de vírus muito comum, em torno de 200 tipos. Estima-se que cerca de 80% da população sexualmente ativa já tenha entrado em contato com algum tipo de HPV, que é transmitido de uma pessoa para a outra por contato
íntimo pele a pele, sendo oral-genital, genital-genital ou manual-genital, a maioria sem apresentar nenhum sintoma de infecção.
Porém, entre esta centena de variantes, 12 são consideradas de alto risco oncogênico (ou seja, que podem causar lesões cancerígenas), especialmente os HPV 16 e 18, responsáveis por 70% dos casos. Além deles, outros tipos como 31, 33, 45,52 e 58 também são comuns e responsáveis por mais 20% dos casos. Infecções persistentes relacionadas a esses tipos têm maior risco de progredir para lesões pré-cancerosas, que, se não detectadas, confirmadas e tratadas, podem causar além do câncer de colo do útero, câncer de ânus, vagina, vulva, entre outros.
Embora seja prevenível, o câncer de colo do útero é considerado um problema de saúde pública mundial, particularmente em países menos desenvolvidos – a mortalidade é três vezes maior na América Latina e no Caribe do que na América do Norte, por exemplo, devido à disparidade de
renda e acesso aos serviços de saúde.
Segundo estimativa da OMS, em 2018, 570 mil mulheres no mundo receberam um diagnóstico de câncer de colo do útero e cerca de 311 mil morreram devido a essa doença.
Em 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou uma estratégia global “Por um futuro sem câncer de colo do útero”, o primeiro compromisso global para eliminar um câncer baseado em vacinação, exames regulares e tratamento adequado das lesões pré-cancerígenas. Em um marco histórico, 194 países, incluindo o Brasil, se comprometeram com essa missão.
“A estratégia é chamada de 90-70-90”, conta Abadi. “As metas são ter, até o fim desta década, 90% das meninas imunizadas aos 15 anos, 70% de mulheres com o rastreio adequado, e 90% das pacientes sendo tratadas.”
Se tudo for realizado, pela primeira vez o mundo estará a caminho de eliminar um câncer. “Parecia um sonho impossível, mas agora temos as ferramentas custo-efetivas e baseadas em
evidências para tornar esse sonho realidade”, afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Mas só se combinarmos o poder dessas ferramentas com uma determinação
implacável para expandir seu uso em todo o mundo”, frisa.
O vírus do HPV é mais comum do que as pessoas imaginam e pode causar diferentes tipos de câncer. Ele não "escolhe" gênero, idade e muito menos classe social. Transmitido pelo contato pele com pele, principalmente durante o sexo com ou sem penetração. O uso de preservativo (camisinha), apesar de sempre recomendado, pode não proteger todas as áreas de contato e não é 100% eficaz contra o HPV. Por isso, a vacinação é um dos principais pilares contra o câncer de colo do útero e faz parte da tríade da prevenção associada aos exames de rotina para diagnóstico precoce de doenças e tratamento adequado de lesões pré-cancerígenas.
A vacinação contra o HPV já é estudada há muito tempo e, alguns países estão a caminho de eliminar o câncer de colo do útero. "Temos uma vacina disponível no SUS pelo Programa Nacional de Imunização (PNI) para meninos e meninas, de 9 a 14 anos de idade. E para todas as pessoas de 9 a 45 anos, com imunossupressão (HIV, transplantes, quimioterapia e para casos de abuso sexual). Os adultos que não se encaixam nesse perfil podem se beneficiar da vacinação na rede privada. É muito importante pensar na prevenção de todos", pontua a diretora médica da MSD Brasil. Estudos demonstram que a infecção por mais de um tipo de HPV pode acontecer, por isso os adultos que já podem ter tido contato com algum tipo do vírus também se beneficiam da prevenção contra esse vírus que pode causar tantos tipos de cânceres.
"Todas as mulheres se beneficiam, até mesmo aquelas que já tiveram alguma doença relacionada ao HPV. E, claro, além da vacinação, o rastreio por Papanicolau, exames para detectar o HPV e diagnóstico precoce são fundamentais, devem ser mantidos em dia para pessoas com útero. E se alguém tiver diagnóstico de câncer de colo do útero deve receber tratamento o mais rápido possível", ressalta Márcia.
Apesar de a vacina contra o HPV ser disponibilizada gratuitamente e o Brasil ter progredido na cobertura vacinal nos últimos anos (em 2023, foram aplicadas mais de 6,1 milhões de doses, 42% mais que em 2022), o país ainda está longe da taxa de 90% idealizada pela OMS.
No ano passado, segundo levantamento da Fundação do Câncer, 76% das meninas receberam a primeira dose da vacina e apenas 57% a segunda, completando o esquema de duas doses prescrito até então. Entre os meninos, a adesão é ainda mais baixa: 52% se vacinaram com a primeira dose e 36% com a segunda.
Se as metas 90-70-90 forem cumpridas, nos países de baixa e média renda, 300 mil mortes por câncer cervical serão evitadas até 2030, 14 milhões até 2070 e 62 milhões até 2120
Fonte: OMS
Para a Dra. Márcia Datz Abadi, um dos grandes obstáculos para o avanço da vacinação é a desinformação. “A quebra de tabus e preconceitos é um desafio”, diz.
Um deles é a ideia de que vacinar os jovens incentiva a iniciação sexual precoce, com uma falsa ideia de proteção. Porém, a vacina é específica contra o HPV, aplicada antes que tenham contato com o vírus, não evitando as demais infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) como se pensa.