Brasil pode cortar emissões de metano acima da meta global de 30%, diz estudo inédito
Cálculo mostra que, com ampliação de práticas já existentes, o país, quinto maior emissor mundial, conseguirá reduzir a geração do gás em pelo menos 36%
Da Redação
Publicado em 4 de novembro de 2022 às 12h40.
Última atualização em 4 de novembro de 2022 às 12h52.
Estamos no caminho certo para reduzir a emissão de metano – e com potencial de ir além das expectativas. A boa notícia é a conclusão de um cálculo apresentado pelo Observatório do Clima sobre um novo relatório do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa ( SEEG ).
O documento inédito indica que o Brasil tem condições de se comprometer com uma ambição superior à meta de 30%, até 2030, proposta pelo Acordo Global do Metano, assinado no ano passado pelo país na COP 26 ao lado de mais 124 países.
Segundo o estudo, podemos alcançar um corte de 36% até o fim da década, em comparação aos índices de 2020, somente expandindo as medidas já existentes na agropecuária, no saneamento, no controle do desmatamento e no setor energético.
No longo prazo, o potencial brasileiro seria ainda maior: com políticas mais profundas e maior investimento, esse índice poderia chegar a 75%.
Quando o Brasil produz de gases de efeito estufa?
Hoje, o Brasil é o quinto maior emissor global desse potente gás de efeito estu f a, sendo responsável por 5,5% das emissões, nas estimativas do SEEG. Isso representa 20,2 milhões de toneladas (dados de 2020), número que sobe para 21,7 milhões se contabilizadas as emissões que atualmente não são incluídas no inventário oficial do país).
Com a ampliação de uma série de soluções nos setores mencionados, no entanto, seria possível diminuir as emissões até 2030 para 13,75 milhões de toneladas, o que daria 36,5% de corte, meta que está sendo proposta pelo OC ao Brasil.
“O que chama atenção nas políticas e medidas mapeadas neste estudo é que todas elas trazem ganho econômico. São iniciativas que o poder público ou os produtores rurais, no caso da agropecuária, já deveriam estar promovendo em grande escala, porque se trata de práticas já conhecidas e utilizadas”, diz Tasso Azevedo, coordenador técnico do SEEG.
País já aplica as práticas necessárias
As ações indicadas no estudo passam, por exemplo, pela gestão de resíduos, com a erradicação dos lixões, a eliminação gradual do uso de aterros sanitários e o aproveitamento de 50% do biogás nos aterros.
“O acesso e a universalização do saneamento básico são primordiais para o setor de resíduos, devendo ser pensados junto com as estratégias de mitigação das emissões de metano ”, resalta Kaccny Carvalho, analista de Baixo Carbono e Resiliência do ICLEI.
“A maior parte dessas tecnologias já está disponível para utilização e possui baixo ou médio custo de implementação. O CH4 tem um alto potencial energético, que pode ser aproveitado para geração de energia, por exemplo. É uma situação de ganha-ganha”, acrescenta.
Na agropecuária, as principais práticas mapeadas são o manejo dos dejetos animais, a eliminação da queima da palha da cana (que já não acontece no estado de São Paulo, maior produtor nacional), o melhoramento genético do rebanho bovino e a terminação intensiva, que envolve o abate dos animais em menos tempo graças à engorda mais rápida.
“Sabemos que a agropecuária detém a maior parte das emissões de metano do Brasil, mas também sabemos que o país já possui várias tecnologias que podem colaborar com a alteração desse cenário. Com esse relatório, evidenciamos o quanto cada uma delas, se aplicadas de forma eficiente e sustentável, podem impactar positivamente e reduzir as emissões vistas hoje e futuramente”, explica Renata Potenza, coordenadora de projetos em Clima e Emissões do Imaflora.
Iniciativas relevantes nesse sentido têm sido cada vez mais observadas no setor, que está empenhado na busca por soluções para reduzir suas emissões.
A JBS, por exemplo, maior empresa de proteína do mundo, tem uma parceria com a Royal DSM, companhia global de saúde, nutrição e biociência, para implementar em escala mundial um projeto com a meta de cortar a geração de metano entérico bovino (emitido pelo arroto do boi, principal fonte das emissões do gás na pecuária).
Para isso, a companhia está usando um suplemento nutricional desenvolvido pela DSM que, adicionado à alimentação dos animais, pode reduzir até 90% dessas emissões. Com resultados comprovados cientificamente, um quarto de colher (chá) do aditivo por dia já inibe a enzima que ativa a produção do metano no estômago do ruminante.
Ciclo do metano o torna uma estratégia mais viável
Quase metade do aumento de temperatura global observado hoje se deve às emissões de metano (CH4), segundo maior responsável pelo aquecimento global. Cada molécula do gás aquece o planeta 28 vezes mais do que uma molécula de dióxido de carbono (CO2) em um prazo de 100 anos.
Embora seja mais perigoso, o metano é produzido em quantidades muito menores do que o gás carbônico e dura muito menos na atmosfera – menos de 20 anos, enquanto o CO2 permanece por mais de 100.
É essa meia-vida mais curta que torna o CH4 um alvo importante nas estratégias para ganhar tempo contra o aquecimento global, ajudando a manter acesa a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento da Terra a 1,5 ºC neste século.
Para Tasso Azevedo, o relatório do SEEG mostra que o país pode fazer sua parte nessa missão indo além das projeções. As ferramentas já estão aqui. “Agora temos, pela primeira vez, um mapa do caminho para a aplicação dessas práticas e mostramos que o Brasil pode ser ainda mais ambicioso do que o compromisso global e ganhar dinheiro com isso”, diz.