As batalhas pelo comando do Goldman Sachs
Uma aposta errada ajudou a selar o fim do mandato de Blankfein. Seu sucessor terá que colocar o banco de investimentos para funcionar com outra música
Da Redação
Publicado em 19 de março de 2018 às 18h13.
Última atualização em 19 de março de 2018 às 18h13.
A piada corre há anos: não havia nenhum risco de o próximo executivo-chefe do banco de investimentos Goldman Sachs não ser homem, branco e careca – assim como o atual presidente do conselho de administração e CEO, Lloyd Blankfein.
Primeiro, porque seu provável herdeiro durante anos, Gary Cohn, seguia esse perfil. Depois porque, quando Cohn se cansou de esperar e aceitou um emprego no governo Trump, mesmo sendo democrata de carteirinha, os dois executivos que assumiram seu posto, Harvey Schwartz e David Solomon — numa co-presidência não estranha à tradição do banco — eram também desprovidos de melanina e de cabelo.
Mas as semelhanças param aí. As carecas de Schwartz e Solomon são bastante diferentes. Ou pelo menos as conexões entre neurônios que vão abaixo delas.
Se a disputa entre os dois se desse há dez anos, não haveria nenhuma dúvida de quem seria o vencedor: Schwartz. Ele vem do lado do Goldman que tem comandado a empresa desde o começo do milênio: a divisão de trading, que lida com as compras e vendas de commodities e títulos. Suas habilidades estão mais ligadas aos números e à análise de ativos.
Essa divisão tem sido há décadas a maior geradora de recursos para o Goldman, e por isso seu representante tem sido alçado ao posto máximo da companhia. Como foi Blankfein.
Mas os tempos mudaram. A crise financeira iniciada em 2008 levou a uma desconfiança generalizada do setor de trading – e a uma regulação mais rígida.
Mais que isso: o governo promoveu uma enxurrada de liquidez para evitar a quebra do sistema financeiro. O dinheiro fácil provocou uma maré tão alta nos últimos anos que a habilidade dos traders ficou em segundo plano: os fundos de índices (leia-se: os aglomerados que prescindem da gestão ativa de um especialista) passaram a render muito mais; ficou difícil bater o mercado – e justificar as altas taxas de administração.
Esse novo cenário alterou a correlação de forças no Goldman. Para não perder (muito) terreno, a empresa teve que reforçar outras áreas. Em 2009, o trading era responsável por 73% do faturamento do Goldman, enquanto o setor de banco de investimentos (tomado no sentido mais estreito, de negociações de fusões e aquisições, processos de aberturas de mercado, lançamento de títulos para empresas, reestruturações) trazia 11% do total.
A situação tem se invertido. No ano passado, de acordo com a revista Barron’s, especializada em finanças, as operações de trading do Goldman Sachs caíram 18%, enquanto as receitas de banco de investimentos subiram o mesmo tanto. O Goldman tem até um plano de reforçar suas operações de crédito a consumidores – uma diversificação que a aproxima da concorrência com os grandes bancos generalistas dos Estados Unidos.
A escolha de Solomon como herdeiro de Blankfein simboliza, portanto, a mudança por que anda passando o Goldman Sachs, o banco de investimentos (no sentido amplo, que inclui as operações de trading) mais conceituado dos Estados Unidos – ou pelo menos aquele que mais fornece executivos para os altos escalões do governo americano.
As tramas da disputa
Como acontece em várias empresas, a sucessão teve várias das características dos dramas sobre luta de poder.
A história começou há alguns anos, quando Gary Cohn era o presidente do Goldman Sachs, o braço direito do CEO Blankfein, e esperava sua vez de subir ao trono.
E esperava. E esperava. E esperava. Foram dez anos no posto. Mas Blankfein não dava sinais de querer se aposentar.
Até que, em 2015, aos 60 anos, Blankfein recebeu um diagnóstico de câncer linfático. Cohn era a escolha óbvia para sucedê-lo, mas o conselho de administração do Goldman tinha uma lista contendo outros dez nomes, de acordo com a Barron’s.
Na ocasião, Cohn fez uma sondagem entre membros do conselho (ao qual ele também tinha pertencido) e percebeu que não tinha apoio suficiente para o cargo, segundo conta o jornalista William D. Cohan, especialista em Goldman Sachs, na revista Vanity Fair.
Em seguida, Blankfein conseguiu se recuperar e se manteve no cargo. Mas o estrago, para Cohn, já estava feito. Quando chegou o convite da Casa Branca para ser assessor econômico do presidente Donald Trump, ele já sabia que não sucederia a Blankfein – esse tipo de opinião de um conselho dificilmente é revertido. “Ele havia vivido o papel de príncipe Charles, apenas para ser descartado no final”, diz Cohan.
Então, Cohn aceitou o cargo. Durou pouco mais de um ano. Depois de algumas vitórias significativas, retendo a propensão protecionista de Trump, ele transbordou com a gota d’água das tarifas do aço e do alumínio, e anunciou sua saída.
Poucos dias depois, o Wall Street Journal anunciava que Blankfein iria se aposentar. Parecia um golpe sincronizado, para dar uma humilhação extra a Cohn. Para deixar claro que, se ele tivesse esperado…
Mas não era nada disso. Na verdade, o destino de Blankfein foi definido em fevereiro, numa reunião em que o conselho perdeu a paciência com o caminho escolhido pelo CEO.
Os retornos do trading vêm caindo desde 2012. E o ano passado foi particularmente ruim: a receita da divisão caiu 30% em relação ao ano anterior, para 5,2 bilhões de dólares.
Blankfein, que fez carreira no trading, dizia há tempos que a situação iria melhorar. Que, se o Goldman mantivesse sua força enquanto os demais bancos reduziam as equipes, estaria em posição de ganhar participação de mercado quando isso acontecesse.
Blankfein apostava na tempestade após a bonança. Porque os traders são mais valiosos em tempos de volatilidade.
E então, no início do ano, finalmente a volatilidade voltou. Pelo menos durante alguns dias. Mas veio pouca, e breve. E o conselho cansou de esperar.
Paralelamente, a disputa entre Solomon e Schwartz ficava insustentável. Os dois haviam sido escolhidos co-presidentes, no lugar de Cohn. E durante 15 meses estiveram em observação, para o conselho fazer sua escolha.
Solomon, vindo de uma divisão menos nobre no Goldman, estava mais tranquilo. Disse a amigos, segundo o New York Times, que o cargo só seria dele se Schwartz o deixasse escapar.
Schwartz, ao contrário, começava a ficar impaciente. Temia ser “Gary-zado”, como disse a amigos, segundo o o mesmo jornal, referindo-se a Cohn, que ficou tanto tempo à espera da saída de Blankfein.
No final do ano passado, ele deu um ultimato a um membro do conselho. Disse que, a menos que fosse designado como sucessor de Blankfein, renunciaria ao cargo. Ele repetiu a ameaça este ano, de acordo com o New York Times, mas o tiro saiu pela culatra.
Na reunião de fevereiro em que foi pressionado a sair, Blankfein optou por Solomon para seu lugar. Mas não avisou nenhum dos dois.
Na sexta-feira, dia 9, o Wall Street Journal anunciou que Blankfein estava de saída. Pelo Twitter, Blankfein disse que “são eles que estão dizendo, não eu”, uma negativa que não nega nada.
Mas aí não deu mais para adiar a informação internamente. Assim que foi comunicado, Schwartz cumpriu sua ameaça: na segunda-feira, 12, anunciou sua saída.
Mais mulheres, menos trabalho
Ninguém sabe ainda quando Blankfein deixará o posto. Mas é provável que seja no correr deste ano.
Solomon é mais político, mais devotado a cativar os clientes, mais preocupado com o bem-estar dos funcionários. Todas qualidades mais de acordo com os novos tempos do Goldman, menos ligadas ao clima de faca nos dentes típico dos traders.
O curso do Goldman foi, aliás, já traçado, num plano que Solomon e Schwartz apresentaram aos diretores no ano passado. Ele inclui gerar 5 bilhões de dólares extras a partir de 2020, com a expansão de franquias do Goldman em cidades de médio porte, como Dallas e Seattle, e com o reforço da operação de crédito a consumidores.
Fora isso, ninguém espera mudanças radicais na empresa. Afinal, Solomon está lá desde 1999. Sua experiência anterior foi em duas empresas que faliram: Ele começou a trabalhar na Drexel Burnham Lambert, a firma de Michael Milken, que trabalhava com junk bonds – e foi à bancarrota quando Milken foi preso por transações ilícitas, em 1990.
Solomon então mudou-se para a Bear Stearns (hoje extinta). Nove anos depois, aceitou um recuo profissional para entrar no Goldman, “um ícone no mercado financeiro”.
Solomon é responsável pela iniciativa de contratar mais mulheres para o banco, até que os quadros sejam equilibrados. Ele também é um defensor de um ritmo de trabalho mais razoável. Se bem que razoável, para ele, é uma jornada de trabalho de no máximo 70 horas por semana, algo como 12 horas nos dias de semana e mais 10 horas no sábado. Isso quando os funcionários não estiverem envolvidos em negociações com clientes (para um IPO, ou uma compra de empresas, por exemplo). Nesses casos, a regra é varar quantas noites forem necessárias.
Sim, isso é um avanço no Goldman (assim como no mercado dos bancos de investimentos em geral). Segundo Cohan, da Vanity Fair, ele chama analistas e sócios juniores quando percebe que eles estão trabalhando horas demais e os manda parar.
Ele próprio é um símbolo de um profissional mais “cool”. Um de seus hobbies é atuar como DJ em clubes de Nova York e Miami, sob o pseudônimo de DJ D-Sol.
Ele também é um sério colecionador de vinhos. Tão sério que em 2016 entrou com um processo contra um ex-assistente pessoal, acusado de roubar vinhos no valor de 1,2 milhão de dólares de sua coleção particular.
De acordo com Cohan, um amigo de Solomon disse que ele está ao mesmo “excitado” e “nervoso” com a perspectiva de suceder a Blankfein. Com as chances contra, Solomon venceu a ácida batalha de um ano e meio com Schwartz. Mas agora ele tem que se preparar a guerra que será rearrumar o Goldman.