Negócios

A Suzano precisa pensar de forma global, afirma Walter Schalka

Conversas para criação da gigante de Fibria e Suzano, com faturamento combinado de R$ 32 bilhões, quase foram atropeladas pela asiática Paper Excellence

Walter Schalka: segundo ele, a empresa precisa "desapegar" do passado para construir seu futuro (Suzano/Divulgação)

Walter Schalka: segundo ele, a empresa precisa "desapegar" do passado para construir seu futuro (Suzano/Divulgação)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 27 de janeiro de 2019 às 10h20.

São Paulo - Após incorporar a Fibria no ano passado e manter a marca da família Feffer para o negócio global, a Suzano agora está num momento de captura de sinergias e de olhar toda a sua operação - tanto a de celulose quanto a de papel - para definir estratégias que sejam adequadas a uma líder global do setor. Com 11 milhões de toneladas de capacidade, a Suzano é hoje a líder mundial isolada em celulose de fibra curta.

"Tempero" asiático

Há um ano, quando as famílias Feffer e Ermírio de Moraes decidiram retomar as negociações para a fusão entre Suzano e Fibria, na mesa havia uma única certeza: a Suzano seria a protagonista do negócio. Mas as conversas para criação da gigante, com faturamento combinado de R$ 32 bilhões, quase foram atropeladas pela asiática Paper Excellence (PE), que havia comprado a Eldorado, dos irmãos Batista, meses antes.

Foi o momento mais tenso das negociações, que tinham sido retomadas nas primeiras semanas de janeiro de 2018, com o aval dos dois maiores acionistas da Fibria: o grupo Votorantim, da família Ermírio de Moraes, e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

A proposta inicial da Suzano, oficializada em 7 de fevereiro, previa a combinação de ativos com relação de troca de ações e dinheiro.

David Feffer, à frente do conselho de administração, estava disposto a ter a Fibria no bloco de controle da companhia, mas os acionistas da fabricante preferiram ser remunerados em dinheiro a ter mais voz nas decisões futuras da companhia.

Pela Suzano, as negociações foram conduzidas pelo executivo Walter Schalka, presidente da empresa, e por Nildemar Secches (ex-Perdigão), conselheiro da companhia. Do outro lado da mesa estavam João Miranda, presidente da Votorantim, João Schmidt, diretor financeiro do grupo, e Eliane Lustosa, diretora do BNDES.

O acordo saiu apesar de o banco BTG Pactual, que assessorava o grupo asiático PE, ter proposto pagar pela Fibria em dinheiro. A Suzano ameaçou abandonar as negociações, por achar que os vendedores estavam fazendo "jogo duplo" para elevar o valor do negócio, afirmaram fontes a par do assunto.

A guerra de nervos se estendeu até março, quando foi anunciado o acordo. A falta de garantias da PE para financiar a compra acabou reabrindo o caminho para a Suzano fechar uma operação que movimentou R$ 30,8 bilhões em dinheiro, além de 255 milhões de ações entregues aos acionistas da Fibria. O grupo Votorantim detém 5,6% da nova empresa e, o BNDES, 11%.

"Nova" Suzano

À frente da "nova" Suzano está o executivo Walter Schalka. Segundo ele, a empresa precisa "desapegar" do passado para construir seu futuro. Por isso, parte dos cargos-chave da companhia estão sendo ocupados por ex-diretores da Fibria. Além de olhar de perto e considerar novos investimentos em celulose - cuja demanda cresce 2,5% ao ano -, Schalka diz que a Suzano busca também oportunidades na operação de papel.

Depois de um investimento recente em produtos de consumo - como papel higiênico - focado no Norte e no Nordeste, a companhia pretende continuar a investir e crescer nessa área. Embora considere cedo para dizer se a Suzano vai disputar o mercado global também nesse segmento, Schalka assegura que a companhia vai continuar a atuar nessa seara. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

Duas famílias estão por trás dessas duas empresas. Como esse alinhamento deu certo?

Decidimos, desde o início das conversas, que as famílias não se envolveriam diretamente na discussão. Então, toda a condução da transação foi feita por profissionais. Obviamente que cada profissional voltava e discutia com os respectivos conselhos de administração. Todos sabiam que essa combinação criaria muito valor.

Essa fusão é resultado da soma das duas companhias?

Na verdade, uma aprende com a outra. Isso pressupõe desapego (do passado). Fizemos uma combinação de executivos e vamos olhar de forma desapegada para o passado para fazer uma companhia ainda melhor no futuro.

E o que vai ser a companhia do futuro?

Em um primeiro momento, estamos na captura das sinergias, mas analisando como ter um impacto adequado na sociedade. É nossa responsabilidade sermos protagonistas no processo de transformação da sociedade também.

Isso quer dizer que a Suzano vai adotar certas bandeiras daqui para a frente?

Vamos nos posicionar sim e escolher algumas questões que são relevantes para apresentar para sociedade.

E quais bandeiras estão sendo consideradas?

Acreditamos que diversidade é rica, não é só gênero, etnia... É isso, mas não apenas isso. Acreditamos na diversidade de opiniões e visões como um todo.

Como está o processo de sinergia entre as duas empresas? Em quanto tempo dá para capturar esse processo?

Em 16 de março de 2018 (data de anúncio da fusão), foi criado um time, com um executivo da Suzano e outro da Fibria para analisar todas as sinergias possíveis e onde nós poderíamos capturar valor, tudo com apoio de uma consultoria externa. Durante esse período, as pessoas começaram a estudar todas as possibilidades. Só ficaram de fora as áreas comercial e de madeiras. Em 14 de janeiro, recebemos um relatório com oportunidades de sinergia, com exceção desses dois pontos. Já começamos a estudar as sinergias dessas duas áreas.

E o que consta nesse livro?

Vamos fazer a divulgação durante o Suzano Day (conferência que a empresa realiza com analistas do mercado financeiro) no fim de março. O que posso falar, neste momento, é que a maior sinergia vem da área de florestas, de despesas administrativas, comerciais e operacionais. Outra questão importante é o de embarque de navios, uma vez que tem muitos terminais, o que abre muitas oportunidades, além da área de suprimentos. Não estudamos ainda a área comercial.

Quais são os grandes números dessa empresa?

É uma empresa que tem 11 milhões de toneladas de celulose (de capacidade) e 1,4 milhão de toneladas de papel. São cerca de 15,5 mil colaboradores diretos e 37 mil, incluindo os indiretos. É uma companhia que tem presença em 80 países. Então, precisamos trabalhar de forma global. No Brasil, temos atuação em centenas de municípios, por causa da base florestal.

Olhando o mercado global de celulose, há demanda por novas fábricas?

O mercado de celulose, como toda commodity, tem muita flutuação de oferta. Nos últimos meses, houve queda de demanda, reflexo, principalmente, do impacto da guerra comercial entre China e EUA. Mas entendemos que a demanda voltará a crescer, como nos últimos anos - na ordem de 2,5% ao ano, ou 1,5 milhão de toneladas. Hoje, todas as fábricas operam a plena capacidade. Nossa percepção é de que o mercado vai ficar mais apertado nos próximos anos e retomará os investimentos em expansão.

Como fica a posição da Suzano no mercado global?

Inovação está no dia a dia da companhia. Temos uma área exclusiva para esse negócio, oriundo da Fibria. Fernando Bertolucci vai ser responsável por todas as inovações da empresa nas áreas industriais e florestais. Outra área, sob o comando de Vinícius Nonino, também da Fibria, por novos negócios. Vamos ter duas áreas trabalhando em conjunto buscando esse processo de inovação. Vamos explorar muito a tecnologia e conhecimento da árvore.

Há espaço para novas consolidações fora do Brasil?

Não é o momento para a Suzano discutir isso. Hoje ela tem de capturar as sinergias, olhar para os acionistas e melhorar o nível de serviço a clientes. Também temos de fazer uma redução do endividamento.

Antes de dar início à fusão com a Fibria, a Suzano fez investimento no varejo. Vai manter a operação?

Está a pleno vapor. Nosso objetivo continua sendo no Norte e Nordeste. Já somos líderes nessas duas regiões, com a marca Mimmo.

A divisão de papel vai ser focada no mercado interno?

Não tenho essa resposta ainda. O que posso assegurar: vamos continuar nos setores de papel e bens de consumo.

A Suzano se endividou muito com a fusão. Como está o perfil dessa dívida?

No dia da fusão fizemos anúncio ao mercado de dois empréstimos-ponte, que somam US$ 9,2 bilhões, para financiar a operação. Entre 16 de março e 14 de janeiro, fizemos sucessivas transações internacionais de alongamento de US$ 6,9 bilhões. Fizemos alongamento e essa dívida está alongada a custos competitivos. Vamos detalhar isso na divulgação de resultados, no dia 22 de fevereiro.

Como foi o processo de escolha para a marca Suzano?

O conselho de administração da Suzano decidiu que o nome Suzano deveria prevalecer. A ideia foi combinar o nome Suzano com a marca da Fibria. Mudou a forma de escrever para dar modernidade.

Qual sua leitura sobre o novo governo?

Há muitas expectativas sobre o novo governo. Alguns pontos têm de ser endereçados. Espero que com a velocidade e profundidade necessárias. Se me perguntam se sou otimista, digo que sou reformista. O Brasil precisa passar por reformas e elas têm de ser profundas. Fala-se muito sobre a reforma da Previdência, que é relevante, mas não é a única. Temos de aprovar outras que são fundamentais para que o Brasil se torne um Estado muito mais eficiente do que é hoje. Tem a reforma tributária, que é fundamental, mas precisamos discutir a questão federativa, quem é responsável pelo quê, além de propostas para saúde, educação e infraestrutura. É muito cedo para medirmos se o governo está sendo eficiente ou não.

O sr. foi uma das vozes do movimento 'Você Muda o Brasil'. Como será sua atuação daqui para a frente?

Vou continuar me envolvendo nas discussões que ajudam a construir um Brasil diferente. Nos últimos anos, houve omissão por parte dos executivos e empresários. A razão dessa omissão é muito clara: receio da reação do governo. Na realidade, houve um processo natural de retirada dos empresários dessas discussões. Temos de ser mais protagonistas, como empresas e como cidadãos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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