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Por que empresas como Renner e Petrobras querem segurar dividendos

Contra a crise do coronavírus, empresas primeiro correram para a recompra. Agora, tentam preservar o que podem contra dias piores pela frente

Loja da Renner: companhia já assumiu que estão revisando as práticas para proteger a liquidez (Germano Lüders/Exame)

Loja da Renner: companhia já assumiu que estão revisando as práticas para proteger a liquidez (Germano Lüders/Exame)

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Carolina Riveira

Publicado em 26 de março de 2020 às 11h21.

Última atualização em 26 de março de 2020 às 14h33.

A primeira e a segunda semanas de crise do coronavírus no Brasil foram repletas de anúncios de programas de recompra de ações, com as companhias preocupadas em gastar – ou aplicar – para demonstrar aos investidores que o preço de mercado, após os sucessivos tombos, estava equivocado.

Nesta semana, o movimento virou: no lugar de gastar o caixa para dar um sinal positivo, a corrida é para reter. Algumas empresas já colocaram dividendos em revisão e, nos escritórios de advocacia, a demanda sobre o tema explodiu.

As empresas brasileiras listadas na B3 sofreram uma perda superior a 1,7 trilhão de reais em valor de mercado, desde 31 de janeiro. No fechamento de terça-feira, as 330 listadas somavam 3 trilhões de reais capitalização, após uma queda de 36,5%, neste período.

Num primeiro momento, como é trivial em crises (ao menos aquelas com roteiros conhecidos), as companhias se apressaram em anunciar recompras – a lei permite que até 10% das ações em circulação sejam adquiridas e colocadas na tesouraria das empresas.

Só neste mês de março, pelo menos 15 companhias abertas aprovaram programas desse tipo – B3, Ânima, Totvs, Linx, Sinqia, Cyrel Commercil Properties (CCP), Banco Inter, Log, Marfrig, Cosan, Hering, EzTec, MRV, Banco BMG e BR Properties . Os arquivos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) apontam que meses muito movimentados de 2019 nesse sentido tiveram seis programas registrados.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump apelava, em coletivas, que as companhias não recomprassem ações, mas economizassem seus recursos para manter os empregos e enfrentar a crise que se avizinha. Chegou até a falar que considerava proibir a iniciativa.

Agora, os executivos atacam todas as frentes para proteger a liquidez de seus negócios. Querem entender se podem não distribuir o dividendo mínimo obrigatório da lei e até, no limite, o que fazer com proventos declarados mas que ainda não foram pagos.

Na manhã desta quinta-feira, dentro de um amplo pacote de medidas para proteção do caixa, a Petrobras informou o mercado de que o dividendo remanescente de R$ 1,7 bilhão sobre o resultado de 2019, anunciado em 20 de fevereiro, terá o pagamento adiado de 20 de maio para 15 de dezembro deste ano.  A companhia também postergou a assembleia geral ordinária de 20  para 27 de abril.

EDP Energias do Brasil e Wilsons Sons já anunciaram formalmente suas decisões e revisão de propostas de pagamento, com redução dos valores. A EDP cortou o total de R$ 605 milhões para R$ 353 milhões, enquanto a Wilson Sons mudou de US$ 0,54 por ação para US$ 0,21. E Lojas Renner e a construtora MRV já assumiram que estão revisando as práticas, mas sem detalhar os planos.

“A situação é mais simples quando a companhia ainda não declarou o pagamento, apenas divulgou como proposta”, afirmou o ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Marcos Pinto, sócio do escritório Trindade Advogados. Quando esse for o cenário, segundo ele, basta a companhia publicar uma revisão de sua proposta. Esse foi o caminho, por exemplo, das iniciativas de EDP e Wilson Sons.

A revisão de propostas pode ser facilitada com os prazos dilatados para a realização das assembleias gerais ordinárias (AGOs) por meio de uma Medida Provisória (MP) pelo governo, debatida com a CVM. A pandemia chegou bem na temporada dos balanços anuais e assembleias.

A Lei das Sociedades por Ações determina que as AGOs – nas quais os temas são as contas do balanço do ano anterior, a destinação do lucro (com formação de reservas ou deliberação de distribuição aos acionistas) e eleição de administradores – deve ocorrer até 30 de abril. Como precisam convocar as assembleias com 30 dias de antecedência, as empresas devem publicar os balanços e as propostas de pauta para o encontro até 30 de março.

Momento inédito

A expectativa é essas datas sejam esticadas pela MP, aguardada desde o fim da semana passada. Outra possibilidade para lidar com a questão dos dividendos é simplesmente a não aprovação em assembleia da proposta da administração. Contudo, as situações precisam ser estudadas caso a caso. Muitas companhias declaram pagamento antes da aprovação em assembleia, conforme o desempenho ao longo do ano.

Quando o dividendo é declarado e as ações na bolsa passam a ser negociadas sem o direito desses proventos – o que no jargão de mercado é chamado de “ex-dividendo” – a situação é mais delicada. Não é raro que as empresas anunciem o pagamento, com prazo para depósito dilatado.

Eduardo Munhoz, advogado especializado em falências e também em direto societário, explicou à EXAME que na situação de dividendo declarado e aprovado, se a empresa não depositar o valor, o compromisso vai se transformar em uma dívida. “Trata-se de um crédito dos acionistas contra a companhia, nesse caso”, disse ele.

O lançamento como dívida deve ocorrer no balanço anual, uma vez que o prazo de pagamento é o fim do exercício da aprovação em assembleia.

A Lei das S.As. também prevê que as companhias distribuam um mínimo de 25% do lucro líquido na forma de dividendo, caso não tenham previsão diversa no estatuto social (que pode ser maior ou menor).

Para quem estiver preocupado com essa obrigação, neste momento, existe espaço, segundo Marcos Pinto, do Trindade Advogados, para que o valor não seja pago, com aprovação da medida em assembleia geral. “A lei prevê a possibilidade de constituição de uma reserva especial para essa situação e o pagamento pode ser feito no futuro. Enquanto isso, a empresa pode usar o dinheiro”, disse. “Apesar da reserva, o recurso não fica carimbado.”

“O caminho para isso está previsto no parágrafo 4º do artigo 202 da lei. A companhia precisa declarar que sua situação financeira não é compatível com a distribuição. É preciso um parecer do conselho fiscal sobre o tema e uma explicação adicional à CVM”, completou Munhoz.

Quanto aos programas de recompra anunciados, as companhias não são obrigadas a executá-los, explicaram os advogados. Eles indicam o plano das empresas e os limites de atuação, com a previsão das quantidades máximas de papéis que podem ser adquiridos e por qual período, mas não há o dever de que sejam colocados em prática.

Mauro Rodrigues da Cunha, membro do conselho de administração de diversas companhias, ponderou que é um sinal ruim a empresa lançar o programa e não recomprar. Isso porque é preciso compromisso com as expectativas criadas junto aos investidores. Contudo, destacou que o momento é inédito e que os administradores devem estar atentos às mudanças de cenário, que estão ocorrendo muito rapidamente.

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