Gerlânia Bezerra, fundadora da Boutique da Abelha: “Tudo o que criamos precisa ter conexão com a nossa origem. Não quero apenas lançar produtos, quero lançar histórias”
Jornalista especializada em carreira, RH e negócios
Publicado em 10 de dezembro de 2025 às 14h00.
O mel produzido pela família de Gerlânia Bezerra, em Pureza, município de quase 10 mil habitantes no interior do Rio Grande do Norte, sempre foi reconhecido na região. Mas foi apenas em 2022 que ela percebeu que poderia transformar essa tradição em negócio. Assim surgiu a Boutique da Abelha, voltada a méis especiais que projeta encerrar 2025 com 4.300 unidades vendidas e faturamento de R$ 130 mil, alta de 160% frente ao ano anterior. Para 2026, o plano é iniciar a exportação.
A iniciativa nasceu da busca por algo que unisse propósito, viabilidade econômica e vínculo com o território. Ao lado do marido Flávio e do filho Matheus, estudou alternativas como agricultura e bovinocultura, mas foi na apicultura que encontrou um caminho sustentável e com maior potencial de diferenciação. Em agosto de 2023, a marca foi oficialmente lançada, já com selo de inspeção estadual, o que permitiu a entrada imediata em supermercados, empórios e lojas especializadas.
Esse movimento acompanha uma tendência em expansão no Nordeste: a profissionalização de empresas familiares lideradas por mulheres, especialmente no setor de alimentos com identidade regional, de acordo com o relatório mais recente do Panorama do Empreendedorismo Feminino no Brasil.
A trajetória de Gerlânia começa longe do apiário. Graduada em Ciências Contábeis e com mais de 20 anos de atuação como contadora, ela sempre empreendeu na área de serviços. A mudança veio quando percebeu que o mel produzido pela família tinha características singulares e poderia ocupar um nicho pouco explorado no varejo local. “Como os produtos disponíveis tinham as mesmas características, identifiquei um nicho ainda não explorado no estado”, conta. A Caatinga, bioma exclusivo do Nordeste e um dos mais ricos do país em flora melífera, dava à produção um diferencial natural: aroma marcante, textura límpida e sabor característico.
Os primeiros passos foram guiados por um planejamento minucioso, no qual a experiência contábil ajudou. A potiguar iniciou pesquisas de mercado, analisou embalagens, preços, consumo e concorrência até identificar a oportunidade de posicionar o alimento como um produto premium. “Planejei todos os detalhes, desde a criação das abelhas até a prateleira do mercado”, afirma.
No entanto, os desafios vieram cedo. O acesso ao crédito foi restrito e a família precisou vender bens e usar recursos próprios para viabilizar a produção. A única instituição que aprovou parte do valor solicitado foi a Desenvolve RN. Outro obstáculo foi o baixo giro do mel no estado: o consumo ainda é muito associado ao uso medicinal. Foram dezenas de tentativas até conseguir a primeira apresentação a redes de supermercados.
A virada começou quando a família buscou apoio técnico. O Sebrae esteve presente desde o início, oferecendo assistência em manejo, colheita e envase, além de subsidiar, via Sebraetec, o desenvolvimento da identidade visual. A partir disso, foram criados rótulos e frascos sofisticados, incorporando detalhes como válvula de silicone, selo de alumínio e formato anatômico. Tudo pensado para competir com méis gourmet do Sudeste e do Sul.
Com o produto finalizado, vieram feiras, exposições e eventos que aceleraram a construção da marca. Em 2024, a Boutique da Abelha recebeu o Selo Potiguar e, este ano, Gerlânia foi a primeira colocada no Prêmio Sebrae Mulher de Negócios, na categoria Produtora Rural.
Hoje, a empresa está presente em supermercados, lojas de produtos artesanais, empórios, restaurantes, hotéis e pousadas. A operação permanece familiar, com produção estruturada, mas ainda artesanal. A estratégia une sustentabilidade, territorialidade e posicionamento premium. Competências comportamentais como resiliência, flexibilidade, liderança e inteligência emocional também foram decisivas, assim como a habilidade de separar vida pessoal e profissional.
O próximo passo é o início do processo de exportação – um movimento ousado para uma operação tão jovem, mas coerente com a proposta do negócio. A meta é que os primeiros lotes cheguem ao mercado internacional em 2026, começando por países onde o consumo de méis especiais cresce acima da média. “Estudei normas, exigências e certificações. Quero que o mel da Caatinga seja visto lá fora como um produto de excelência”, afirma.
Ao mesmo tempo, três novos produtos estão em desenvolvimento. A proposta é expandir o portfólio sem perder o foco na identidade da região. “Tudo o que criamos precisa ter conexão com a nossa origem. Não quero apenas lançar produtos, quero lançar histórias”, diz. Segundo ela, para isso, todas as decisões são guiadas por propósitos claros – viver da terra, preservar abelhas e transformar a propriedade rural em um sistema sustentável e rentável.
A história de Gerlânia representa a força de uma nova geração de empreendedoras que unem técnica, afeto e identidade para criar companhias que respeitam o território e geram impacto socioeconômico. Seu conselho a outras mulheres ecoa a própria caminhada: “Buscar conhecimento é fundamental. Quando você se profissionaliza e confia no que faz, o medo diminui. A segurança vem da preparação. Não é fácil, mas persistência, coragem e propósito abrem caminhos”, diz.