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A China está preparada para aceitar o desafio de qualidade?

O desafio do país é equilibrar a qualidade e a produção de baixo custo

A China é o maior exportador do mundo (Daniel Berehulak/Getty Images)

A China é o maior exportador do mundo (Daniel Berehulak/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 20 de janeiro de 2011 às 17h21.

Atormentada pela revolta dos consumidores e pelas punições mais rigorosas para a pirataria, falsificação e contaminação, a China se esforça para superar sua fama de fabricante de produtos de má qualidade. Os escândalos envolvendo os alimentos e os medicamentos contaminados, e os brinquedos envenenados pela tinta a base de chumbo, fizeram da qualidade uma prioridade para o governo chinês.

Embora o governo esteja criando agências reguladoras mais fortes e elaborando normas mais rigorosas, a fiscalização irregular significa que tanto as fornecedoras chinesas quanto os compradores estrangeiros terão de se encarregar do controle de qualidade. O desafio para as fabricantes chinesas é investir no controle de qualidade e nos processos de produção sem perder a vantagem delas como produtoras de baixo custo. Quanto às parceiras com empresas estrangeiras, o desafio parece mais simples: estabelecer e impor pontos de referência de qualidade efetivos.

Nesse artigo, parte de um relatório especial sobre o sistema de fabricação chinês, especialistas do Boston Consulting Group (BCG) e da faculdade de administração Wharton examinam como os padrões de qualidade estão sendo aplicados e como as fabricantes chinesas e suas parceiras de negócios estrangeiras podem alcançar essas metas.

Suposições Erradas

O desafio de qualidade da China começa com suposições e percepções erradas dos dois lados, atribuídas em parte à velocidade com que muitas empresas de países desenvolvidos adotaram a terceirização. O resultado foi uma inescapável “troca entre custo e qualidade” diz David Lee, sócio e diretor administrativo do escritório da BCG em Pequim, e especialista em rede de fornecimento e compras. Ele lembra quando os executivos de uma fabricante de rolamento de esferas ofereceram três tipos de preço: alta qualidade a preços altos, “qualidade aceitável” a preços mais baixos, e, pelo menor preço, “algo que vai girar e não enguiçar quando chegar ao cliente”.

Os compradores estrangeiros com frequência cometem erros estratégicos que acabam prejudicando a qualidade. Por exemplo, muitos pedem para os gerentes de compras dirigirem as negociações de contratos com os fornecedores, diz Benjamin Pinney, chefe do escritório da BCG em Xangai. “Eles têm uma mentalidade de comprador e se concentram apenas nas negociações de preços, e essa é uma transação que dispensa uma maior aproximação”, ele diz. Já que suas expectativas estão baseadas nas suas experiências com os fornecedores domésticos, eles nem sempre seguem os vendedores chineses para monitorar os processos de produção e os testes de qualidade.

Esses entusiasmos pelas transações que economizam custos podem tolher a habilidade dos compradores de medir corretamente os riscos ou de entender o contexto de se operar na China. “As empresas tinham urgência, trabalhavam com quaisquer fornecedores disponíveis ou seguiam pelo tato, sem saber no que estavam se metendo”, diz Pinney. Com pouco a perder, os fornecedores chineses concordavam prontamente em respeitar os padrões de qualidade. “Na grande corrida para a China nesses últimos dez anos, os atores de ambos os lados do muro foram incompetentes”.

* Publicado originalmente em 3 de junho de 2009. Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


Muitas empresas estrangeiras não entenderam quanto de estímulo um fornecedor chinês muitas vezes necessita, e muitas delas esperavam alcançar os pontos de referência de qualidade sem investir nos seus fornecedores. Poucas voltaram para perguntar quais incentivos seus fornecedores tinham para adotar os sistemas e as práticas de produção desejadas. Então não surpreendeu que alguns fornecedores chineses tenham tomado atalhos que comprometeram a qualidade. Uma recente controvérsia acerca de defeitos de qualidade nos brinquedos fabricados na China surgiu em decorrência de falhas no design e do uso de matérias primas que não foram aprovadas pelo comprador estrangeiro, diz Lee. Esses defeitos podem ser difíceis de prevenir, especialmente quando o número de fornecedores que demonstra desempenho negativo seja pequeno. Mas isso aumenta a percepção da China como uma fonte de má qualidade. “É uma pequena gota no oceano, mais ainda é uma gota”, observa Lee.

A culpa não deve ser automaticamente atribuída às fabricantes contratadas chinesas, acautelam alguns especialistas. Marshall Meyer, professor de administração da Wharton cuja pesquisa está centrada na China, indica um estudo de 2008 realizado por Paul Beamish da Universidade de Ontario Ocidental e por Hari Bapuji da Universidade de Manitoba, intitulado, “Toy Recalls and China: Emotion Vs. Evidence” (Os Recalls de Brinquedos e a China: Emoção VS. Evidência) Os autores escrevem que a “vasta maioria” dos recalls de brinquedos ocorridos nos EUA entre 1988 a 2007 “se deveram a falhas nos designs dos produtos realizadas nas sedes corporativas de fabricantes de brinquedos, e não devido ao sistema deficiente de produção das fábricas localizadas nos países asiáticos”. Os pesquisadores observam que “os recalls aumentaram no decorrer dos anos, devido tanto ao design quanto a falhas de produção”. Meyer diz que “não tem certeza” se concorda com a avaliação de Beamish e Bapuji. “Há uma boa dose de trabalho de design realizado na China, como o design do equipamento original”.

Meyer associa os problemas de qualidade a outro tipo de descentralização: o tradicional sistema de subcontratação chinês que tem “múltiplas fileiras, com empreiteiras de quarta e quinta categoria” tornando difícil controlar as redes de fornecimento. “As múltiplas fileiras de empreiteiras subcontratas inserem muita incerteza dentro do sistema, e os custos em termos de qualidade podem exceder essas economias”, ele diz. 

A regulamentação pode ser eficiente se for aplicada em âmbito nacional e regional, diz Meyer. O problema dominante é que Pequim “não pode aplicar regras com facilidade... e a capacidade do governo central de impor regras regionalmente permanece limitada”. Meyer atribui isso a “séculos de administrar uma economia descentralizada”, Ele observa, por exemplo, que a China não tem tribunais nacionais fora a Corte Suprema. “Imagine tentar resolver uma disputa de protocolo de internet com as partes interessadas de diferentes províncias”.

Dispostos a se redimirem, os reguladores chineses, no entanto, estão se tornando mais agressivos. Num recente pronunciamento, o ministério fez uma exposição das linhas gerais dos planos para fortalecer o sistema de monitoração de alimentos, por exemplo. O projeto prevê a atuação de representantes de departamentos do governo das áreas de saúde, agricultura, supervisão de qualidade, administração da industria e do comércio, e da supervisão de produtos alimentícios e medicamentos, segundo a agência de notícias Xinhua. Essa iniciativa é resultado da revolta global de consumidores em 2008 que forçou o governo a elevar os padrões de segurança para a fabricação de brinquedos. Os reguladores inspecionaram as instalações de 3 mil fabricantes de brinquedos e revocaram as licenças de cerca de 600, reduzindo radicalmente o campo de jogo. As companhias de brinquedos chinesas trabalharam junto com o governo para reforçar o controle de qualidade, mas as mudanças elevaram os custos e forçaram muitos fornecedores a fechar as portas. Um total de 3.631 exportadoras de brinquedos chinesas – 53% do setor industrial – encerraram as atividades nos primeiros sete meses de 2008 em função da valorização do iuane e dos crescentes custos de produção, relatou a agência Xinhua.

* Publicado originalmente em 3 de junho de 2009. Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


De modo mais geral, um grande movimento de preocupação pública a respeito da qualidade tem catalisado as reformas do governo. O sentimento público dentro do país – com o apoio da tecnologia – também está motivando os esforços para melhora da qualidade. “Temos consumidores cada vez mais atentos na China”, diz David Michael, sócio de nível sênior e diretor do escritório da BCG em Pequim. “Por exemplo, a companhia que está no centro da recente controvérsia acerca do alimento líquido a base de leite para bebês, a Shijazhuang Sanlu Group Co., está sendo brutalmente atacada pelos blogueiros dentro da China. A companhia está sendo punida muito mais dentro da China do que teria sido há cinco anos, por causa da internet”.

O escândalo envolvendo o alimento infantil contaminado pelo composto químico melamina deixou muitas pessoas revoltadas, especialmente porque atingiu uma parte particularmente vulnerável da sociedade chinesa. “Não são as pessoas ricas das grandes cidades que compram esse leite em pó infantil, são as pessoas pobres nas áreas rurais que são exploradas pelos falsificadores”, diz Michael. “As pessoas de baixa renda se sentem mais exploradas”, ele acrescenta, quando a qualidade é comprometida dessa forma. O governo reconheceu a gravidade dos problemas de qualidade. O setor alimentício da China ainda sofre por causa do uso de aditivos nocivos ilegais, disse o vice-ministro de Saúde para a agência Xinhua. Ele mencionou mercados clandestinos para aditivos que ainda existem em algumas regiões, e “segredos ocultos” no setor alimentício.

O Perfil de Risco da China

Os problemas de qualidade detectados na rede de fornecimento elevaram a classificação de risco da China, observou a AMR Research, uma consultora sediada em Boston, numa pesquisa realizada entre 130 empresas globais em 2009. A China contribuiu com nove dos 15 riscos examinados, incluindo o não cumprimento dos padrões de qualidade por parte dos fabricantes e dos fornecedores, quebras de segurança e violações dos direitos de propriedade intelectual. Outro fator de risco para a China citado na pesquisa é a volatilidade dos preços de energia e commodity. Noha Tohamy, vice-presidente de pesquisa da AMR, observa que isso “cria um dilema” para muitas empresas globais. À medida que essas empresas continuam desfrutando das vantagens de contar com custos materiais e trabalhistas mais baixos, assim como com a possibilidade de alcançar vastos mercados de consumo, elas devem continuamente reavaliar os prós e os contras de operar na China, ela diz.

“O baixo custo tem um preço”, diz Harold Sirkin, sócio de nível sênior da BCG em Chicago e líder global da atividade operacional da firma. “A solução é convencer os fornecedores a aceitar suas exigências. Dado o potencial das vantagens de custo de 10% a 30% que a terceirização na China pode produzir, vale a pena para as empresas investir nos seus fornecedores”, ele acrescenta. Um bom começo seria os compradores mostrarem para seus fornecedores chineses o valor das marcas e como os problemas de qualidade podem prejudicá-las.
As empresas chinesas, como o gigante dos produtos de linha branca Haier e a fabricante de equipamentos de telecomunicações Huawei, mostraram “sucesso comprovado” na garantia de controle de qualidade, diz Pinney. As companhias que têm anos de experiência de compras na China estão também “preparadas para resolver os problemas de qualidade”, diz Michael.

Enquanto isso, os fornecedores chineses observam e aprendem com seus clientes estrangeiros, diz Sirkin. “Nos ‘dias de outrora‘ da globalização... enquanto as multinacionais terceirizavam a produção para os países em desenvolvimento, algo inesperado aconteceu”, ele contou numa postagem no blog após o lançamento em 2008 de um livro do qual foi co-autor, Globality: Competing with Everyone from Everywhere for Everything. “Os fornecedores e os vendedores, pequenas companhias na China e na Índia e no Brasil e em outros países, observaram cuidadosamente e aprenderam bem”.

* Publicado originalmente em 3 de junho de 2009. Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


Mas nem todas as companhias chinesas aprenderam as lições corretas, especialmente aquelas atrás dos recentes escândalos relacionados à qualidade, e uma reorientação parece ser adequada. Uma área critica é a gestão de relação com os fornecedores. O estabelecimento de equipes de compras no local de produção com relações locais fracas não é tão eficiente quanto se adaptar às condições locais, diz Pinney. As companhias que tiveram sucesso terceirizando sua produção na China “investiram na concentração de suas equipes, processos e controles de qualidade na região”, ele observa. “Elas se tornam mais flexíveis e adaptam suas operações às condições locais”. Como resultado, os fornecedores e as fabricantes locais absorvem os sistemas e os processos corretos como parceiros de joint ventures, observando e aprendendo, ou contratando profissionais talentosos selecionados de empresas estrangeiras.

Incentivos e Multas

Os compradores de países desenvolvidos devem ter uma visão mais realista sobre o que se necessita para melhorar a qualidade dos produtos importados da China, diz Pinney. As empresas ocidentais têm a tendência de “copiar e colar” na China os sistemas de terceirização e produção que estão acostumadas a praticar nos EUA ou na Europa, ele diz. Mas a melhora da qualidade tem um preço, e as empresas que terceirizam a produção na China devem entender isso. A adoção de técnicas avançadas de gestão, como as análises de causa básica, também seria útil, ele acrescenta.

Com os esforços combinados de diversas regiões, a qualidade está “expressivamente melhor” e é monitorada de modo mais enérgico, diz Michael. A fiscalização regulatória mais rigorosa pode ajudar, mas os regulamentos mais importantes podem não estar na China. Parece existir uma correlação direta entre a aderência dos fornecedores chineses às especificações de qualidade e o nível pelo qual o setor deles é regulamentado no Ocidente. Por exemplo, o setor farmacêutico e o setor alimentício tendem a ser mais avançados na área de controle de qualidade “principalmente em função das pressões e dos incentivos no lado do cliente”, diz Pinney. Do mesmo modo, Pinney vê melhoras significativas de qualidade no setor automotivo e no setor de produtos de linha branca. Nas áreas onde as conseqüências de ineficiência são menos urgentes, os níveis de qualidade são geralmente menores. “As melhoras de qualidade são menos avançadas à medida que se desce da rede alimentícia para os segmentos mais baratos de produtos eletrônicos e brinquedos”, ele observa. “A desvantagem da má qualidade é relativamente pequena nos produtos têxteis e calçados”.

As companhias devem deixar bastante claro para os fornecedores – tanto verbalmente quanto nos contratos – que atender as expectativas de qualidade é tão importante quanto cumprir as metas de custos e entrega. Em outras palavras, os compradores devem oferecer incentivos para os fornecedores chineses fazerem a coisa certa. Os incentivos podem não ser eficientes, contudo, sem a aplicação correspondente de multas. Os compradores estrangeiros têm de entender o que os fornecedores chineses têm a perder no processo de garantia da qualidade, diz Pinney.

O avanço geral na direção de produtos de alto valor “com o tempo acarretará a reestruturação dos setores e o afastamento dos produtos de baixo valor que exigem intensa mão-de-obra”, diz Pinney, e Michael concorda que os níveis de qualidade estão em alta na China.

Muitos especialistas parecem confiantes de que os problemas de qualidade são apenas as dificuldades iniciais de uma economia em aceleração. A China “pode produzir produtos de alta qualidade”, e com frequência já produz, diz Meyer. “Veja um iPod fabricado na China. Ele tem os mais elevados padrões de qualidade. O produto informa ‘Projetado na Califórnia, Montado na China’ no lado de trás da embalagem”.

* Publicado originalmente em 3 de junho de 2009. Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.

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