18 disputas que Abilio Diniz já enfrentou
Ele criou uma das maiores empresas brasileiras e conseguiu reerguê-la em suas piores crises, mas não sem criar desafetos
Karin Salomão
Publicado em 9 de agosto de 2015 às 08h00.
Última atualização em 13 de setembro de 2016 às 14h36.
Sã Paulo - “É possível dizer que, ao longo de décadas, Abilio havia enfrentado – e vencido – todas as grandes adversidades que surgiram na sua vida profissional. Tudo mudou quando teve de lidar com um novo inimigo, seu sócio francês Jean-Charles Naouri, presidente do conselho de administração do Casino”, afirma Cristiane Correa, autora do livro “Abilio – Determinado, Ambicioso, Polêmico”. Abilio Diniz , ex-dono do Pão de Açúcar e hoje um dos maiores acionistas do Carrefour, é um dos empresários brasileiros mais conhecidos e polêmicos. Criou uma das maiores empresas brasileiras e conseguiu reergue-la em suas piores crises, mas não sem criar desafetos. O conflito entre o Pão de Açúcar e o Casino durou dois anos e custou cerca de 500 milhões de reais aos sócios, uma das informações inéditas que a nova biografia revela. Porém, o livro não foca apenas nessa disputa – apresenta as discussões com colegas, sua família e outras companhias. A jornalista e escritora também é autora de Sonho Grande, best-seller sobre a trajetória dos empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, além de ter trabalhado por quase 12 anos na revista EXAME. Confira, nas imagens, 18 embates que Abilio Diniz já travou em sua vida.
Uma das primeiras brigas de Abilio foi com seus colegas de classe do colégio Anglo-Latino. O futuro atleta era, então, baixinho, gordinho e costumava apanhar dos colegas. Ele se tornou um valentão quando entrou em uma academia e passou a praticar todo tipo de luta. A paixão por esportes – e por brigar na rua – o acompanhou até o fim da vida.
Depois de se formar em administração de empresas, ele queria fazer uma pós-graduação em Michigan e ser professor. Tocar a padaria Pão de Açúcar de seu pai, Valentim dos Santos Diniz, ou Seu Santos, era pouco perto de suas ambições. O pai apresentou-lhe as redes Peg-Pag e Sirva-se, primeiros supermercados do país. Diferente das mercearias, em que clientes pediam os itens para balconistas, agora eles podiam andar livremente pelos corredores. Para Abilio, “aquilo virou minha cabeça. Percebi que daquele jeito seria possível fazer uma empresa grande”.
No início do supermercado Pão de Açúcar, Abilio Diniz aprendeu tudo o que podia sobre a sua concorrência. Na própria lua-de-mel, na Europa, aproveitou para conhecer lojas e supermercados. Copiou o modelo de hipermercados do Carrefour, abrindo a bandeira Jumbo (foto), e adquiriu as duas pioneiras Peg-Pag e Sirva-se. “É difícil falar um negócio desses, mas deve existir muito pouca gente no mundo que visitou tanta loja de supermercado quanto eu”, afirmou o empresário. A despeito de conselhos contrários e obstáculos, comprou a Eletroradiobraz, segunda maior rede de supermercados e hipermercados do Brasil na década de 1970, que prestes a falir. O pai de Abilio e bancos foram contra a operação, que significaria risco de falência também para o Pão de Açúcar. O BNDE (antigo BNDES) emprestou o dinheiro e assim começou a incorporação da rede, que tinha uma estrutura custosa e inchada.
A expansão internacional era uma tentativa ambiciosa do então dono do Pão de Açúcar. No entanto, em Portugal, a situação começou a ficar feia depois que a Revolução dos Cravos derrubou o regime salazarista, em 1974. Os governos revolucionários tinham como bandeira a estatização de empresas privadas. Foi o que aconteceu com o Pão de Açúcar, que quase quebrou nas mãos deles. O faturamento caiu de 85 milhões de dólares para 50 milhões de dólares por ano. O pai de Abilio, Seu Santos, falou para ele esquecer o país. Mas Abilio recuperou a operação em 1977 e, a muito custo, conseguiu reerguê-la.
O drama com sua família começou quando Seu Santos, pai de Abilio, decidiu fazer uma doação a seus filhos ainda em vida. Abilio continuou com 16% da empresa e Alcides e Arnaldo receberam 8% de participação. As filhas Vera, Sonia e Lucilia ganharam 2% cada uma. Como os dois irmãos começaram a trabalhar na companhia, conflitos começaram a surgir, com Seu Santos tentando intermediá-las. As brigas e bate-bocas interferiam nos negócios e no convívio familiar (na foto, Valentim dos Santos Diniz e seu filho, em 1981). Foi só em 1988 que a situação começou a se normalizar. Seu Santos, patriarca, reformulou a estrutura do grupo, se mantendo na presidência, e, em agosto de 1988, Alcides anunciou que venderia sua participação de 8% por 120 milhões de dólares – preço superior a quanto sua fatia valia - e deixaria o grupo. Mais tarde, Valentim dos Santos Diniz abriu mão do controle da companhia e Sonia, Vera e Arnaldo venderam suas participações.
Em meio à tensão com seus irmãos no Pão de Açúcar, Abilio foi convidado a participar do Conselho Monetário Nacional. O órgão aprovava grande parte do crédito nacional e administrava o IOF e imposto sobre exportações, além de decidir preços de produtos. Ter Abilio no governo poderia ser bom para ajudar a controlar a inflação. No entanto, o empresário fazia críticas sinceras demais para o gosto do governo. Além disso, em 1986, às vésperas do Plano Cruzado, ele foi acusado de remarcação de preços e de manter em depósitos produtos que estavam em falta nas lojas. Abilio foi substituído por Arthur Sendas, dono dos supermercados que levavam seu nome.
Como havia praticado artes marciais e outras lutas, Abilio Diniz se julgava protegido. Além disso, carregava uma arma consigo. Nada disso ajudou. Em 11 de dezembro de 1989, o seu carro foi fechado e ele, sequestrado por uma quadrilha de 10 pessoas. “Ele se sentia humilhado, amedrontado e furioso por não ter sido capaz de se defender”, conta a autora Cristiane Correa. Por seis dias, ele ficou em um cubículo de 5 metros quadrados, com um teto baixo demais para se manter de pé, um colchonete e um vaso sanitário. Depois de 36 horas de negociação, o empresário foi libertado, fraco e abatido. Tomou banho, dormiu com a ajuda de remédios e foi trabalhar no dia seguinte.
Ao retomar o controle do Pão de Açúcar depois da saída dos irmãos, Abilio encontrou, de um lado, lojas modernas, uma sede ostensiva e equipamentos complexos demais para a operação. Do outro lado, resultados negativos, estagnação no crescimento e preços altos demais. No cenário externo, inflações galopantes e congelamento de depósitos. Abilio bateu de porta em porta pediu empréstimos a bancos, que negaram, apostando na falência. Sem dinheiro, as prateleiras se esvaziavam. Contra sua vontade, tentou vender a varejista, mas não encontrou compradores. Trabalhou até de noite na véspera de natal. Tirou uma folga de quatro dias e, quando 1991 começou, ele estava pronto.
Para recuperar a companhia que havia construído, Abilio criou um mantra: “corte, concentre, simplifique”. Seus irmãos, Alcides e Arnaldo, haviam mudado a sede da empresa para um edifício maior, mais novo e moderno, que ganhou o apelido de Palácio de Cristal. A rede de departamentos Sandiz, mais preocupada com a beleza das lojas do que com lucro, é fruto dessa época. Abilio cortou dezenas de diretores. O número de funcionários caiu de 45 mil em 1990 para 17 mil em 1991. A frota de carros, benefício dos executivos, foi vendida. O número de lojas foi de 626 para 262 – quando a unidade não lucrava, era cortada. Chegou ao ponto de interromper o pagamento de impostos, em 1990. Vendeu o Palácio de Cristal para a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. “Sempre fui contra a ideia da sede nova. Eu dizia que sede luxuosa não paga as contas no fim do mês”, afirmou o empresário. Assim, o Pão de Açúcar conseguia respirar de novo.
Depois de anos sem inovações no grupo, Abilio Diniz contratou o consultor Gerard Virthe para trazer novidades. O importante era enfrentar o atraso e a crise que a companhia vivia. Produtos importados, criação do cargo de ombudsman, Pão de Açúcar Delivery, Cartão Mais de fidelidade e a venda de produtos saudáveis da marca GoodLight, criada por Lucilia Diniz, irmã de Abilio, são exemplos dessa época. Para ganhar escala, realizou abertura de capital em 1995, levantando 112,1 milhões de dólares. Depois, emitiu títulos nos Estados Unidos em 1997 e arrecadou mais 172,5 milhões de dólares. Com o caixa reforçado, adquiriu 35 redes em apenas 15 anos.
Em 2001, o então diretor comercial do Pão de Açúcar, Luiz Antonio Fazzio, e Ricardo Athayde, da Nestlé, travaram um embate sobre os preços dos produtos. A Nestlé afirmou que os preços subiriam, enfurecendo o executivo da varejista. Abilio Diniz, junto com a diretoria, decidiu retirar os alimentos dos espaços nobres e das promoções e deixou de vender 600 dos 700 produtos da companhia. O boicote durou quatro meses, até que a Nestlé concordou em não apenas voltar aos preços anteriores como oferecer um desconto de 5%.
Quem poderia suceder Abilio? Ele se esquivava dessa pergunta e Ana Maria, sua filha primogênita, sempre achou que fosse ser ela. Mas, na véspera de seu aniversário de 40 anos, o pai afirmou que não havia espaço para os dois na empresa. Ela conheceu, então, John Davis, especialista em empresas familiares. Em um encontro intensivo do consultor com os possíveis herdeiros, Abilio traçou o futuro da empresa: Augusto Cruz foi nomeado substituto e os filhos de Abilio deixariam de exercer funções executivas, profissionalizando a gestão. Embora não tenha sido uma disputa, foi uma das decisões mais difíceis de sua vida, disse ele à autora do livro. Em empresas familiares, “o risco de confundir o que é empresa e o que é família é grande, e quem sofre normalmente é a companhia”, disse o executivo.
Abilio entra em qualquer briga para ganhar. Às vezes, perde. Foi o que aconteceu em 2006, quando negociou a compra do Atacadão, um “atacarejo” voltado às classes C e D. Apesar do faturamento de 4,5 bilhões de reais, a diretoria do Pão de Açúcar não achou a aquisição uma boa ideia. O Carrefour acabou comprando a rede. Abilio reagiu adquirindo o Assaí.
Em 2009, o grupo de Abilio havia adquirido a Casas Bahia e a Ponto Frio, tornando-se a maior rede de eletroeletrônicos do Brasil. As duas redes foram unidas em uma nova companhia, chamada Nova Casas Bahia, rebatizada depois de Via Varejo . A aquisição da Casas Bahia, empresa criada por Samuel Klein (à esquerda na foto), foi feita em bons termos. No entanto, a família Klein se arrependeu do contrato, afirmando que sua participação tinha sido subvalorizada. O Pão de Açúcar aportou mais 689 milhões de reais na companhia, mas a briga perdurou até a saída de Abilio da empresa.
O imbróglio com o Casino é o maior e maios complicado da vida do empresário brasileiro, tendo envolvido dezenas de advogados, consultores, banqueiros executivos e a imprensa. A briga custou cerca de 500 milhões de reais aos sócios, uma das informações inéditas que o livro revela. A relação entre as empresas começou em 1999, quando o Casino comprou 24,5% do Pão de Açúcar por 854 milhões de dólares. A rede brasileira estava razoavelmente endividada e a entrada de um sócio internacional alavancou os negócios. Enquanto o francês Jean-Charles Naouri (foto), presidente do conselho de administração do Casimo, nascido na Argélia, é discreto e reservado, Abilio adora holofotes. Durante anos, o Casino manteve uma atuação comedida no grupo brasileiro. Em 2005, a francesa aumentou sua participação na brasileira – o novo contrato afirmava que Abilio Diniz deveria deixar o controle total do Pão de Açúcar em 2012.
Como o Casino tinha regras sobre endividamento, o Pão de Açúcar encontrava dificuldades para crescer de forma inorgânica. Abilio sugeriu trocar algumas de suas ações no Pão de Açúcar para ações da Rallye, holding controladora do Casino. Naouri, seu sócio francês, interpretou que era uma manobra que o desobrigasse de deixar a empresa, conforme o contrato. Outro motivo de tensão foi a tentativa de comprar a divisão brasileira do Carrefour , para formar uma megafusão que controlaria 32% do varejo brasileiro. As negociações corriam em sigilo, mas Naouri descobriu por meio de um jornal francês – e se sentiu imensamente traído, envolvendo na briga até o governo brasileiro e a Câmara Internacional de Comércio.
A briga foi longa, cara e exaustivamente coberta pela imprensa. A principal arma do lado francês era o contrato que fora assinado. Do lado brasileiro, o crescimento da companhia na gestão de Abilio. O executivo, na época chairman da companhia, chegou a ser impedido de entrar em uma reunião de planejamento – ficou horas esperando no saguão de um hotel na França. William Ury entrou na briga, contratado por Abilio Diniz para a negociação. Reuniu-se com o banqueiro David René de Rotschild e delineou um plano para o futuro do Pão de Açúcar e Abilio Diniz, que seriam separados pela primeira vez. No dia 6 de setembro de 2013, assinaram o acordo de mudança do controle da companhia, finalizando uma briga que durou dois anos.
Depois que a disputa com o Casino foi encerrada, Abilio luta agora contra a aposentadoria. Um dos seus projetos é a BRF – ele se tornou investidor e presidente do conselho. Como o Pão de Açúcar – e agora o Carrefour - era um dos principais compradores dos produtos, Abilio enfrentou acusações de conflito de interesse. Outro é a Península, Participações, que gera os seus investimentos. Por fim, o Carrefour. A Península adquiriu 10% da empresa por 1,8 bilhão de reais e, desde então, aumentou sua fatia. “Agora, lugar de gente feliz é aqui”, ironiza Abilio.
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