Venezuela fecha fronteiras terrestres e barra entrada de avião com ex-presidentes do Panamá e México
Medida ocorre em meio à preocupação de países da região com a condução do processo eleitoral venezuelano
Agência de notícias
Publicado em 26 de julho de 2024 às 17h49.
Última atualização em 26 de julho de 2024 às 18h10.
A Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) da Venezuela anunciou nesta sexta-feira o fechamento das fronteiras para o deslocamento de pessoas e veículos. A medida, segundo o comunicado, ocorre por ocasião das eleições presidenciais de domingo. Após o anúncio, o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, denunciou que um avião que transportava ex-presidentes não foi autorizado a decolar no Aeroporto Internacional de Tocumen para acompanhar o processo eleitoral venezuelano.
Segundo publicado pelo El País, na aeronave estavam a ex-presidente do Panamá Mireya Moscoso (1999-2004) e o ex-presidente do México Vicente Fox (2000-2006), além de outros antigos chefes de Estado. A medida ocorre em meio à preocupação do governo do Brasil e de outros países da região com a condução do processo eleitoral na Venezuela – e após a administração do líder venezuelano, Nicolás Maduro, impedir a participação de diversos candidatos da oposição no pleito.
Na quinta-feira da semana passada, uma resolução emitida pelos ministérios da Defesa e das Relações Exteriores venezuelano indicava o estabelecimento de um “controle rigoroso” do “deslocamento fronteiriço de pessoas, tanto por via terrestre quanto pelas vias aérea e marítima, assim como da passagem de pessoas”. O documento, no entanto, não fazia referência a nenhum tipo de fechamento.
De acordo com Domingo Hernández Lárez, o comandante estratégico operacional da FANB, a medida começou a ser aplicada à 00h01 no horário local (01h01 em Brasília) e se estenderá até 8h da próxima segunda-feira – ainda que a resolução conjunta dos ministérios tenha indicado que seria até 23h59 do dia 29. Segundo Hernández, a medida busca “resguardar a inviolabilidade das fronteiras e prevenir atividades de pessoas que possam representar ameaças à segurança” do país.
“Os órgãos de segurança e apoio têm o dever de implementar as medidas especiais que proporcionem a devida proteção às cidadãs e cidadãos para garantir seu direito de participar na eleição presidencial no próximo dia 28 de julho”, escreveu o comandante.
O fechamento das fronteiras também ocorre pouco mais de uma semana após Maduro afirmar, num comício de campanha, que o país pode enfrentar um “banho de sangue” e uma “guerra civil” caso ele não seja reeleito. No mesmo discurso, o mandatário convidou seus eleitores a festejar nas ruas no dia 28 de julho, quando prevê “resultados irreversíveis” a seu favor, embora as pesquisas apontem o diplomata Edmundo González Urrutia, candidato de consenso da oposição para enfrentar Maduro nas eleições presidenciais, como favorito.
Nesta segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse à imprensa internacional que o assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, Celso Amorim, viajará à Venezuela para acompanhar o pleito. Lula tem defendido o respeito pelo que foi acordado nos Acordos de Barbados, documento assinado no país que garante a plena participação da oposição e resultados reconhecidos por todos.
O petista também disse ter ficado assustado com as advertências do líder chavista Nicolás Maduro sobre um possível “banho de sangue” na Venezuela em caso de derrota nas eleições marcadas para o próximo domingo. No mesmo dia, a líder oposicionista María Corina Machado, que foi impedida de concorrer, denunciou ter sido alvo de um plano de atentado — e afirmou que, horas antes, seu funcionário de segurança havia sido “sequestrado”.
"Fiquei assustado com as declarações de Maduro de que se perder as eleições haverá um banho de sangue. Quem perde as eleições toma banho de votos, não de sangue", disse o presidente brasileiro em entrevista coletiva em Brasília. "Maduro precisa aprender que quando se ganha, se fica; e quando se perde, se vai e se prepara para outras eleições."
Embora Lula tenha defendido a presença de observadores internacionais durante o pleito venezuelano — e já tenha expressado “preocupação” com o veto à opositora María Corina —, o silêncio do governo brasileiro sobre as declarações de Maduro causou incômodo na região. Enquanto Argentina, Costa Rica, Guatemala, Paraguai e Uruguai exigiram conjuntamente o “fim do assédio, perseguição e repressão” a opositores, a administração brasileira minimizou o ocorrido no país vizinho ao afirmar que a fala poderia ser “apenas retórica” de Maduro.
Segundo interlocutores da área diplomática ouvidos pelo O Globo, o Brasil só vai atuar na questão se for chamado por representantes de Maduro e da oposição, “dentro do espírito de Barbados”. Mediado pela Noruega e com ajuda de vários países (como Brasil, Colômbia e Estados Unidos), o pacto assinado em outubro passado prevê eleições livres, justas, transparentes e aceitas pelos dois lados em disputa. Um diplomata afirmou que a eleição venezuelana é um assunto local, e que, para evitar a interpretação de interferência do governo brasileiro em assuntos internos, o Brasil precisa ser chamado para poder se manifestar.
Eleições ‘incertas’
Na última quinta-feira, os ministros das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e da Colômbia, Luis Gilberto Murillo, se reuniram para discutir as eleições da Venezuela. Ambos avaliaram que não dá para antecipar um ganhador – seja o atual mandatário, o chavista Nicolás Maduro, que busca se reeleger para um terceiro mandato, ou o diplomata Edmundo González, que entrou na disputa como substituto da líder opositora, María Corina Machado, impedida de concorrer.
Maduro provocou mal-estar com o Brasil ao afirmar, num de seus últimos compromissos de campanha, que o sistema eleitoral brasileiro não é auditável – e que o processo venezuelano é o “melhor do mundo”. Embora a menção às eleições no Brasil reproduza uma narrativa falsa, amplamente rebatida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a fala de Maduro sobre o sistema venezuelano é endossada por especialistas, que afirmam que o processo da Venezuela , repleto de controles e auditorias, é a principal esperança de uma disputa justa.
O sistema de votação venezuelano foi aperfeiçoado a partir do começo dos anos 2000, no início do governo do então presidente Hugo Chávez. Na época, o que motivou a revisão do sistema foram temores de que a oposição tentasse fraudar o processo eleitoral para voltar ao poder. O resultado foi um sistema com uma série de medidas de segurança, que ganhou credibilidade entre observadores e especialistas, que dizem que pouco pode ser feito para mudar o resultado depositado nas urnas.
O mesmo raciocínio, no entanto, não se aplica ao antes e depois da votação. Desde a inabilitação de candidatos oposicionistas, que quase ficaram sem representação e tiveram pouco tempo para fazer campanha, até estratégias de intimidação contra apoiadores, simpatizantes e até mesmo contra prestadores de serviço, o regime chavista dificultou o caminho para que outras opções se apresentassem ao público. Também dificultou o acesso de auditores internacionais e de registro de eleitores, sobretudo em públicos considerados hostis ao governo.
Nesta sexta-feira, a ONG Fórum Penal, dedicada à defesa de presos políticos, afirmou que autoridades venezuelanas detiveram 135 pessoas ligadas à campanha do candidato da oposição González Urrutia. Até o momento, o Fórum Penal conta 305 “prisioneiros políticos” na Venezuela, dos quais 30 são mulheres.