Uruguai rejeita mito de 'país sem índios'
Segundo o censo oficial de 2011, cerca de 160 mil uruguaios declararam ter ascendência indígena, mas história oficial diz que índios foram exterminados
Da Redação
Publicado em 25 de maio de 2014 às 10h27.
Montevidéu - No Uruguai , país que se considera o único da América Latina sem população indígena, grupos de ativistas reivindicam que os povos originais nunca se extinguiram, e 5% da população se declara descendente dos primeiros habitantes do território.
'A ideia do extermínio total dos charruas é uma falácia', disse em entrevista à Agência Efe Enrique Auyanet, que representa o Conselho da Nação Charrua (Conacha) perante a comissão contra o racismo e a discriminação do governo uruguaio.
Os charruas formaram a etnia indígena predominante no Uruguai. Formados por um conjunto de povos como os yaros, os chanás, e os guenoas-minuanos, habitaram os territórios do atual Uruguai antes da chegada dos primeiros europeus.
Em 11 de abril de 1831, as tropas comandadas pelo general Fructuoso Rivera, o primeiro presidente da República do Uruguai, iniciaram um massacre de índios charruas nas proximidades do arroio Salsipuedes, no limite entre os departamentos uruguaios de Tacuarembó e Paysandú (centro e oeste do país).
'O Estado uruguaio foi fundado por meio de um genocídio', afirmou à Efe Mónica Michelena, membro da Conacha e que foi nomeada recentemente assessora da Unidade Étnico-Racial do Ministério das Relações Exteriores uruguaio.
A história oficial diz que os indígenas foram totalmente exterminados em Salsipuedes. Os quatro últimos membros da etnia foram transferidos para a França para serem estudados 'quase como peças de museu', segundo Auyanet.
Para o ativista, o afã de controlar e explorar economicamente o território, e a ideia de que o progresso de uma nação estava associado à ausência de índios impulsionaram o massacre de Salsipuedes, mas na batalha houve sobreviventes.
Segundo o censo oficial de 2011, cerca de 160 mil uruguaios declararam ter ascendência indígena. Isso representa quase 5% da população do país, de 3,395 milhões de habitantes. Por sua vez, 255 mil uruguaios se identificaram como afrodescendentes, 15 mil como asiáticos, e quase três milhões declararam ter ascendência branca, em sua maioria procedente de imigrantes europeus vindos da Espanha ou Itália.
O número de indígenas é baixo com relação a outros países da região. Na Bolívia, por exemplo, 40% dos moradores se identificam como membros de uma das 36 etnias reconhecidas na Constituição de 2009.
A comparação com outros países da região não é por acaso. O Uruguai e as Guianas são os únicos países da América Latina que não assinaram o convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que compreende especificamente os direitos dos povos indígenas e tribais.
No 'Fórum Convênio 169 da OIT: Avanços para a sua Implementação no Uruguai', realizado em abril, representantes do Ministério de Desenvolvimento Social expressaram sua 'firme convicção' para que o Uruguai assine o tratado.
O convênio foi ratificado por 22 países, a maior parte deles localizados na América Latina, e reconhece o direito às formas próprias de desenvolvimento dos povos originais e as garantias para a auto-identificação como indígenas. Nele, também se estabelece a obrigatoriedade de consultar os nativos perante ações que possam interferir em seus territórios, e permite a proteção de seus locais sagrados.
'O Uruguai não assina o convênio por medo das possíveis reivindicações territoriais, algo que nunca esteve nas reivindicações dos charruas', muitas das quais são de caráter cultural, acredita Auyanet.
'A cultura charrua ficou invisível, e existe o medo que os charruas não deixaram nada no Uruguai, porque não ergueram templos como os incas ou os maias', lembrou.
No entanto, os índios transferiram à sociedade uruguaia valores como a solidariedade, a horizontalidade e o valor da palavra dada, já que, como explica Mónica, 'careciam de estruturas hierárquicas e tudo era decido em assembleias'.
Além disso, muitas das tradições atribuídas aos gaúchos derivariam dos indígenas, como o churrasco de carne na grelha ou o chá de erva-mate, cujo consumo era um ritual dos charruas.
'Os gaúchos não são outra coisa que indígenas que, perseguidos pelo governo da época, optaram por se camuflar e se misturar com o resto da população', garantiu Auyanet.
Para o ativista, o renovado interesse dos uruguaios atuais pelo campo, a conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável, são uma reminiscência de seus ancestrais indígenas que lutam para continuar existindo.
'Mas os charruas não estamos emergindo agora. Nós sempre estivemos aqui', concluiu. EFE
Montevidéu - No Uruguai , país que se considera o único da América Latina sem população indígena, grupos de ativistas reivindicam que os povos originais nunca se extinguiram, e 5% da população se declara descendente dos primeiros habitantes do território.
'A ideia do extermínio total dos charruas é uma falácia', disse em entrevista à Agência Efe Enrique Auyanet, que representa o Conselho da Nação Charrua (Conacha) perante a comissão contra o racismo e a discriminação do governo uruguaio.
Os charruas formaram a etnia indígena predominante no Uruguai. Formados por um conjunto de povos como os yaros, os chanás, e os guenoas-minuanos, habitaram os territórios do atual Uruguai antes da chegada dos primeiros europeus.
Em 11 de abril de 1831, as tropas comandadas pelo general Fructuoso Rivera, o primeiro presidente da República do Uruguai, iniciaram um massacre de índios charruas nas proximidades do arroio Salsipuedes, no limite entre os departamentos uruguaios de Tacuarembó e Paysandú (centro e oeste do país).
'O Estado uruguaio foi fundado por meio de um genocídio', afirmou à Efe Mónica Michelena, membro da Conacha e que foi nomeada recentemente assessora da Unidade Étnico-Racial do Ministério das Relações Exteriores uruguaio.
A história oficial diz que os indígenas foram totalmente exterminados em Salsipuedes. Os quatro últimos membros da etnia foram transferidos para a França para serem estudados 'quase como peças de museu', segundo Auyanet.
Para o ativista, o afã de controlar e explorar economicamente o território, e a ideia de que o progresso de uma nação estava associado à ausência de índios impulsionaram o massacre de Salsipuedes, mas na batalha houve sobreviventes.
Segundo o censo oficial de 2011, cerca de 160 mil uruguaios declararam ter ascendência indígena. Isso representa quase 5% da população do país, de 3,395 milhões de habitantes. Por sua vez, 255 mil uruguaios se identificaram como afrodescendentes, 15 mil como asiáticos, e quase três milhões declararam ter ascendência branca, em sua maioria procedente de imigrantes europeus vindos da Espanha ou Itália.
O número de indígenas é baixo com relação a outros países da região. Na Bolívia, por exemplo, 40% dos moradores se identificam como membros de uma das 36 etnias reconhecidas na Constituição de 2009.
A comparação com outros países da região não é por acaso. O Uruguai e as Guianas são os únicos países da América Latina que não assinaram o convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que compreende especificamente os direitos dos povos indígenas e tribais.
No 'Fórum Convênio 169 da OIT: Avanços para a sua Implementação no Uruguai', realizado em abril, representantes do Ministério de Desenvolvimento Social expressaram sua 'firme convicção' para que o Uruguai assine o tratado.
O convênio foi ratificado por 22 países, a maior parte deles localizados na América Latina, e reconhece o direito às formas próprias de desenvolvimento dos povos originais e as garantias para a auto-identificação como indígenas. Nele, também se estabelece a obrigatoriedade de consultar os nativos perante ações que possam interferir em seus territórios, e permite a proteção de seus locais sagrados.
'O Uruguai não assina o convênio por medo das possíveis reivindicações territoriais, algo que nunca esteve nas reivindicações dos charruas', muitas das quais são de caráter cultural, acredita Auyanet.
'A cultura charrua ficou invisível, e existe o medo que os charruas não deixaram nada no Uruguai, porque não ergueram templos como os incas ou os maias', lembrou.
No entanto, os índios transferiram à sociedade uruguaia valores como a solidariedade, a horizontalidade e o valor da palavra dada, já que, como explica Mónica, 'careciam de estruturas hierárquicas e tudo era decido em assembleias'.
Além disso, muitas das tradições atribuídas aos gaúchos derivariam dos indígenas, como o churrasco de carne na grelha ou o chá de erva-mate, cujo consumo era um ritual dos charruas.
'Os gaúchos não são outra coisa que indígenas que, perseguidos pelo governo da época, optaram por se camuflar e se misturar com o resto da população', garantiu Auyanet.
Para o ativista, o renovado interesse dos uruguaios atuais pelo campo, a conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável, são uma reminiscência de seus ancestrais indígenas que lutam para continuar existindo.
'Mas os charruas não estamos emergindo agora. Nós sempre estivemos aqui', concluiu. EFE