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UE e Mercosul apressam acordo comercial em meio à disputa entre EUA e China

"Vamos intensificar nossas discussões com a UE e assinar esse acordo para que possamos discutir, em seguida, um acordo entre China e Mercosul", disse Lula

UE-Mercosul: analistas concordam em que os dois blocos ganhariam em protagonismo global (Michael Sohn/Reuters)

UE-Mercosul: analistas concordam em que os dois blocos ganhariam em protagonismo global (Michael Sohn/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 6 de fevereiro de 2023 às 14h03.

Última atualização em 6 de fevereiro de 2023 às 14h31.

Por mais de duas décadas, União Europeia (UE) e Mercosul negociaram, com esforço, um acordo comercial alcançado em 2019, mas nunca assinado, e agora tentam concretizá-lo para criar uma associação relevante, em meio à disputa global entre os Estados Unidos e a China — disseram especialistas e diplomatas ouvidos pela AFP.

"É urgente e extremamente necessário que o Mercosul faça um acordo com a UE", afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em visita ao Uruguai no final de janeiro.

"Vamos intensificar nossas discussões com a UE e assinar esse acordo para que possamos discutir, em seguida, um acordo entre China e Mercosul", acrescentou Lula, em meio à negociação em curso de um TLC de Montevidéu com Pequim, transformada em um protagonista comercial e financeiro principal na América Latina.

Em uma visita à Argentina há uma semana, o chanceler alemão, Olaf Scholz, expressou-se no mesmo tom: "Nosso objetivo é chegar a uma rápida conclusão" das negociações.

Em 2019, os 27 países-membros da União Europeia e os quatro sócios do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) anunciaram, com grande alarde, que o acordo estava pronto. Quatro anos depois, porém, o pacto — que enfrentou a rejeição do setor agrícola europeu, ou os problemas de competitividade do Mercosul, que dificultam o corte de suas elevadas tarifas — continua uma quimera.

Vontade de negociar

Do lado europeu, a saída de Jair Bolsonaro e a chegada de Lula à Presidência afastam dúvidas e eliminam argumentos contrários ao acordo.

“Há um maior nível de interlocução e, sobretudo, há um presidente que assumiu como sua uma das dúvidas que a Europa tinha em relação à atitude do governo brasileiro para enfrentar os desafios da mudança climática e do combate ao desmatamento na Amazônia", disse à AFP o eurodeputado Jordi Cañas, presidente da Comissão do Parlamento Europeu para as Relações com o Mercosul, crucial para a aprovação de um tratado entre os dois blocos.

Para além da vontade, no entanto, há questões práticas, e o acordo está longe de ser fechado.

"Queremos um acordo com a UE, mas queremos um acordo revisto", advertiu o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Santiago Cafiero, na última quarta-feira, 1º, em Bruxelas, depois de se reunir com o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell.

“Entendemos que é necessário discutir documentos complementares [ao acordo], que derivam, em sua maioria, do Pacto Verde Europeu [de 2020] e que modificaram, em parte, as negociações de 2019”, explicou Cafiero, cujo país ocupa a presidência rotativa do Mercosul.

Como exemplo, o ministro afirmou que 20% das exportações argentinas para a UE são de biodiesel de soja e, com a nova normativa europeia, ficam "virtualmente" excluídas do comércio bilateral.

O Brasil também quer rever o texto.

O governo Lula quer que "as compras governamentais sejam direcionadas às empresas brasileiras", disse o diretor acadêmico do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), Feliciano de Sá Guimarães, à AFP.

"Nesse acordo, o Brasil conseguiu cotas de exportação para alguns produtos em troca de concessões na área industrial, na área automotiva, e acho que essa troca, esse equilíbrio de cotas versus concessões de eventual abertura ao mercado automobilístico brasileiro,será renegociado", acrescentou.

"Tem muito a ser negociado", completou.

O terceiro em discórdia

Analistas concordam em que os dois blocos ganhariam em protagonismo global, se um TLC transatlântico fosse firmado.

"A UE se dá conta de que fechando [um tratado] com o Mercosul teria acordos comerciais com praticamente todos os países do Caribe para baixo. É uma vantagem que nenhum outro ator tem" e que "lhe permite que se ponha no centro da guerra geopolítica entre Estados Unidos e China, que pisa no acelerador na região", resumiu Ignacio Bartesaghi, especialista em Relações Internacionais e Mercosul da Universidade Católica do Uruguai.

Guimarães concorda. "A UE e o Mercosul precisam se unir, se aproximar politicamente, economicamente, para conter a disputa entre Estados Unidos e China. Há uma questão geopolítica por trás", afirmou.

Como se fecha o negócio?

Fontes políticas europeias e do Mercosul concordam em que o demorado tratado ganha "momentum", mas não está garantido, e sugerem que uma forma de acelerar o passo pode ser chegar a um "split", ou seja, uma divisão temática que reúna, em conjunto, os aspectos do pacto que podem ser aprovado diretamente pelas instituições europeias, sem passar pela ratificação — necessariamente lenta — em cada um dos 27 parlamentos.

No Mercosul, também há tempos políticos particulares, que explicam a pressa de Brasília e de Buenos Aires de avançar neste semestre, como disse o presidente brasileiro ao chanceler alemão, dias depois de se encontrarem em Buenos Aires com o presidente argentino, Alberto Fernández.

A Argentina terá eleição presidencial neste ano, com um resultado incerto entre a oposição de centro-direita e de direita e a esquerda governista. Já no governo uruguaio, concluem que, no contexto atual, o acordo com a UE não pode ser visto "como algo próximo".

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