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Superpopulação é tabu que precisa ser enfrentado

Um enorme contingente de pessoas - um problema real e urgente - pode não ser tão devastador se houver uma transição adequada para outro tipo de economia

Chineses no metrô (Liu Jin/AFP)
DR

Da Redação

Publicado em 17 de junho de 2012 às 12h12.

São Paulo - No ano 8000 a.C., quando se encerrava a Idade do Gelo e a agricultura florescia no Crescente Fértil, no Oriente Médio, havia 5 milhões de habitantes no planeta. Numa conta simples, é possível deduzir que cada um deles tinha à sua disposição 30 quilômetros quadrados de terra -- o equivalente a quase vinte parques do Ibirapuera paulistano -- para caçar, plantar e extrair sem culpa os recursos naturais necessários para a sobrevivência. No próximo dia 20, quando os chefes de governo e de estado chegarem para a Rio+20, a população mundial terá 7,1 bilhões de pessoas. Descontando as áreas aquáticas do globo, sobram a cada um de nós, cidadãos do século XXI, apenas dois quarteirões de área a ser explorada. A rigor, o cálculo é outro -- e nada nos sobra, teoricamente.

O uso de recursos naturais já excede em 50% a capacidade de reposição da natureza. Em 2030, serão necessárias duas Terras para garantir o atual padrão de vida da humanidade. É o preço a pagar pelo aumento populacional, resultado de uma longa luta da humanidade pela sobrevivência e contra os efeitos danosos da mortalidade precoce, movimento atrelado aos avanços da medicina e do saneamento. De 1800 a 2010, a economia mundial (o produto interno bruto) aumentou noventa vezes. O impacto da produção e do consumo resultantes do crescimento econômico e populacional na pauperização do ambiente foi avassalador. A despeito desse cenário, a palavra população foi citada apenas duas vezes no chamado Esboço Zero, o rascunho do documento final da Rio+20. O texto, um resumo de 6 000 páginas de sugestões de governos, da sociedade civil e de cientistas e acadêmicos, é uma espécie de roteiro sobre o que deve ser discutido no encontro para, depois, ser posto em prática, com o aval dos governantes. A expressão demografia não aparece nenhuma vez nesse compêndio de tamanha relevância. Esqueceram de nós.

É uma lacuna inconcebível e um tabu que precisa ser enfrentado. Existe um debate acirrado entre correntes que jogam todas as culpas das desgraças ambientais na população, numa linha malthusiana, e outras correntes que consideram a população desimportante -- uma discussão que, por ser excessivamente polarizada, cansativa até, pode ter afastado o assunto da pauta. No entanto, não se pode esquivar dos íntimos laços entre população, desenvolvimento econômico e degradação ambiental. Para o Brasil, sede da reunião, o tema população é mais decisivo ainda. O país passa por um período especial, único, que só acontece uma vez na história de cada nação. Chama-se bônus demográfico, o qual já desfrutaram no passado países que se tornaram ricos e desenvolvidos. Nesse período do bônus, a população adulta e em idade ativa torna-se superior à de crianças e idosos. Em 1965, havia noventa brasileiros dependentes para cada 100 em idade economicamente ativa. Hoje, essa relação caiu pela metade: é de 45 para 100. É uma chance rara para o país acelerar o crescimento econômico e social. O fenômeno está ocorrendo agora no Brasil, mas também se estende a outros países em desenvolvimento, como a China e a Índia.

No caso brasileiro, o tema torna-se mais pertinente por um aspecto crucial: se bem utilizado, o período pode representar para o país uma galinha dos ovos de ouro. Somos, pela primeira vez na história recente, uma nação cuja maior parcela de seus habitantes possui entre 20 e 29 anos de idade. De acordo com um estudo dos professores Cássio Turra e Bernardo Queiroz, da Universidade Federal de Minas Gerais, o Brasil tem um potencial de crescimento de 2,5% ao ano gerado exclusivamente pelo bônus demográfico. Em um cenário otimista, a economia poderia crescer em asiáticos 6,5% ao ano até 2030.


Duas questões se impõem. A primeira é saber se o governo investirá de forma consistente em educação e no aprimoramento da força de trabalho para conseguir acompanhar e suprir as necessidades decorrentes do crescimento econômico. A segunda é como aproveitar essa fase rica de transição demográfica para crescer sem degradar ainda mais o ambiente. A Coreia do Sul é um exemplo de país que conseguiu usufruir o período do bônus de forma eficiente. Primeiro, fez o principal. Investiu pesado em educação, preparando pessoas qualificadas para aproveitar ao máximo essa fase demograficamente saudável. Mais recentemente, o governo aproveitou a mão de obra extremamente qualificada para investir na chamada economia verde, que permite o crescimento sem grandes danos ambientais. E está desenvolvendo projetos ecologicamente corretos nas áreas de conservação de energia, reciclagem, redução da emissão de CO2, que incrementam o efeito estufa, recuperação das florestas, prevenção de enchentes e revitalização dos principais rios do país.

Entre os Brics, a China é o país que melhor tem aproveitado o bônus demográfico para acelerar a expansão econômica. Embora a população chinesa tenha parado de crescer, o PIB dobra de tamanho a cada oito anos, desde as reformas de Deng Xiaoping. Os chineses souberam aproveitar a mudança na pirâmide etária para tirar milhões de pessoas da situação de pobreza e construir uma base econômica altamente competitiva. Porém, a um custo ambiental sem precedentes. Dois terços dos rios e dos lagos do país estão contaminados. É na China que se encontram dezesseis das vinte cidades mais poluídas do mundo. Centenas de milhares de chineses morrem por ano em decorrência da água e do ar pútridos do país. As fábricas movidas a carvão criaram vilarejos doentes, nos quais as taxas de tumores malignos são altíssimas.

Não há dúvida de que o sucesso humano dos últimos dois séculos teve um preço elevadíssimo. A poluição do solo, dos rios, lagos e oceanos, a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento têm erodido o capital natural e reduzido a riqueza da biodiversidade. O mundo precisa de um acordo global para controlar os efeitos danosos do excesso de consumo, mas que, ao mesmo tempo, garanta a transição demográfica. Em países como o Brasil e seus pares emergentes, o crescimento da faixa de população economicamente ativa resulta, naturalmente, em ampliação do consumo e da exploração dos recursos naturais -- apenas demonizá-los de nada adiantará. A Rio+20 é uma boa oportunidade de avanços, desde que seja levado em conta o tanto de gente que vive no planeta.

José Eustáquio Diniz Alves é doutor em demografia da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

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São Paulo - No ano 8000 a.C., quando se encerrava a Idade do Gelo e a agricultura florescia no Crescente Fértil, no Oriente Médio, havia 5 milhões de habitantes no planeta. Numa conta simples, é possível deduzir que cada um deles tinha à sua disposição 30 quilômetros quadrados de terra -- o equivalente a quase vinte parques do Ibirapuera paulistano -- para caçar, plantar e extrair sem culpa os recursos naturais necessários para a sobrevivência. No próximo dia 20, quando os chefes de governo e de estado chegarem para a Rio+20, a população mundial terá 7,1 bilhões de pessoas. Descontando as áreas aquáticas do globo, sobram a cada um de nós, cidadãos do século XXI, apenas dois quarteirões de área a ser explorada. A rigor, o cálculo é outro -- e nada nos sobra, teoricamente.

O uso de recursos naturais já excede em 50% a capacidade de reposição da natureza. Em 2030, serão necessárias duas Terras para garantir o atual padrão de vida da humanidade. É o preço a pagar pelo aumento populacional, resultado de uma longa luta da humanidade pela sobrevivência e contra os efeitos danosos da mortalidade precoce, movimento atrelado aos avanços da medicina e do saneamento. De 1800 a 2010, a economia mundial (o produto interno bruto) aumentou noventa vezes. O impacto da produção e do consumo resultantes do crescimento econômico e populacional na pauperização do ambiente foi avassalador. A despeito desse cenário, a palavra população foi citada apenas duas vezes no chamado Esboço Zero, o rascunho do documento final da Rio+20. O texto, um resumo de 6 000 páginas de sugestões de governos, da sociedade civil e de cientistas e acadêmicos, é uma espécie de roteiro sobre o que deve ser discutido no encontro para, depois, ser posto em prática, com o aval dos governantes. A expressão demografia não aparece nenhuma vez nesse compêndio de tamanha relevância. Esqueceram de nós.

É uma lacuna inconcebível e um tabu que precisa ser enfrentado. Existe um debate acirrado entre correntes que jogam todas as culpas das desgraças ambientais na população, numa linha malthusiana, e outras correntes que consideram a população desimportante -- uma discussão que, por ser excessivamente polarizada, cansativa até, pode ter afastado o assunto da pauta. No entanto, não se pode esquivar dos íntimos laços entre população, desenvolvimento econômico e degradação ambiental. Para o Brasil, sede da reunião, o tema população é mais decisivo ainda. O país passa por um período especial, único, que só acontece uma vez na história de cada nação. Chama-se bônus demográfico, o qual já desfrutaram no passado países que se tornaram ricos e desenvolvidos. Nesse período do bônus, a população adulta e em idade ativa torna-se superior à de crianças e idosos. Em 1965, havia noventa brasileiros dependentes para cada 100 em idade economicamente ativa. Hoje, essa relação caiu pela metade: é de 45 para 100. É uma chance rara para o país acelerar o crescimento econômico e social. O fenômeno está ocorrendo agora no Brasil, mas também se estende a outros países em desenvolvimento, como a China e a Índia.

No caso brasileiro, o tema torna-se mais pertinente por um aspecto crucial: se bem utilizado, o período pode representar para o país uma galinha dos ovos de ouro. Somos, pela primeira vez na história recente, uma nação cuja maior parcela de seus habitantes possui entre 20 e 29 anos de idade. De acordo com um estudo dos professores Cássio Turra e Bernardo Queiroz, da Universidade Federal de Minas Gerais, o Brasil tem um potencial de crescimento de 2,5% ao ano gerado exclusivamente pelo bônus demográfico. Em um cenário otimista, a economia poderia crescer em asiáticos 6,5% ao ano até 2030.


Duas questões se impõem. A primeira é saber se o governo investirá de forma consistente em educação e no aprimoramento da força de trabalho para conseguir acompanhar e suprir as necessidades decorrentes do crescimento econômico. A segunda é como aproveitar essa fase rica de transição demográfica para crescer sem degradar ainda mais o ambiente. A Coreia do Sul é um exemplo de país que conseguiu usufruir o período do bônus de forma eficiente. Primeiro, fez o principal. Investiu pesado em educação, preparando pessoas qualificadas para aproveitar ao máximo essa fase demograficamente saudável. Mais recentemente, o governo aproveitou a mão de obra extremamente qualificada para investir na chamada economia verde, que permite o crescimento sem grandes danos ambientais. E está desenvolvendo projetos ecologicamente corretos nas áreas de conservação de energia, reciclagem, redução da emissão de CO2, que incrementam o efeito estufa, recuperação das florestas, prevenção de enchentes e revitalização dos principais rios do país.

Entre os Brics, a China é o país que melhor tem aproveitado o bônus demográfico para acelerar a expansão econômica. Embora a população chinesa tenha parado de crescer, o PIB dobra de tamanho a cada oito anos, desde as reformas de Deng Xiaoping. Os chineses souberam aproveitar a mudança na pirâmide etária para tirar milhões de pessoas da situação de pobreza e construir uma base econômica altamente competitiva. Porém, a um custo ambiental sem precedentes. Dois terços dos rios e dos lagos do país estão contaminados. É na China que se encontram dezesseis das vinte cidades mais poluídas do mundo. Centenas de milhares de chineses morrem por ano em decorrência da água e do ar pútridos do país. As fábricas movidas a carvão criaram vilarejos doentes, nos quais as taxas de tumores malignos são altíssimas.

Não há dúvida de que o sucesso humano dos últimos dois séculos teve um preço elevadíssimo. A poluição do solo, dos rios, lagos e oceanos, a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento têm erodido o capital natural e reduzido a riqueza da biodiversidade. O mundo precisa de um acordo global para controlar os efeitos danosos do excesso de consumo, mas que, ao mesmo tempo, garanta a transição demográfica. Em países como o Brasil e seus pares emergentes, o crescimento da faixa de população economicamente ativa resulta, naturalmente, em ampliação do consumo e da exploração dos recursos naturais -- apenas demonizá-los de nada adiantará. A Rio+20 é uma boa oportunidade de avanços, desde que seja levado em conta o tanto de gente que vive no planeta.

José Eustáquio Diniz Alves é doutor em demografia da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

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