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Sou privilegiado: tomei a vacina da Pfizer em Nova York

Residente nos EUA, o jornalista Sérgio Teixeira Jr conta como foi receber o imunizante. A vacinação acelerou em Nova York, mas a retomada da economia local ainda deve demorar um pouco

Centro de vacinação em hospital do Brooklyn, em Nova York: jornalista brasileiro é um dos 6,3 milhões de moradores que já receberam pelo menos a primeira dose da vacina contra covid-19 no estado de Nova York (Sergio Teixeira Jr/Exame)

Centro de vacinação em hospital do Brooklyn, em Nova York: jornalista brasileiro é um dos 6,3 milhões de moradores que já receberam pelo menos a primeira dose da vacina contra covid-19 no estado de Nova York (Sergio Teixeira Jr/Exame)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 3 de abril de 2021 às 08h00.

Por volta das 10h do dia primeiro de abril, entrei para o grupo mais desejado do mundo: o dos vacinados. Fui uma das 269.527 pessoas que receberam uma dose da vacina no Estado de Nova York naquela quinta-feira. A sensação é alívio, alegria e gratidão. Até aqui, segundo informações do Our World in Data, somente 617 milhões de doses foram aplicadas desde meados de dezembro passado, ou oito para cada cem habitantes do planeta.

Depois de alguns tropeços iniciais, as campanhas de imunização estão acelerando em todo os Estados Unidos. Não existe uma organização centralizada como o Sistema Único de Saúde, e cada estado é responsável por organizar seus próprios programas. Em termos práticos, isso significa ficar atento às divulgações das fases.

Se me convidassem, aceitaria ser a primeira pessoa do mundo a tomar a vacina (qualquer uma). Mas é claro que na ordem das prioridades  meu lugar era mais pro fim da fila. Bem mais. No ano passado, o jornal The New York Times publicou um simulador online para estimar sua colocação. Não tenho nenhum problema de saúde crônico, não sou da área da saúde, não trabalho em contato direto com o público e tenho 47 anos. Se me lembro bem, uns 280 milhões de americanos estavam na minha frente.

Então tentei modular a ansiedade. Minha expectativa era ser vacinado em maio ou junho, um prazo que tirei da minha cabeça. Até lá (e provavelmente depois), o plano era manter dois cuidados básicos: máscara e nada de aglomerações.

Dentro dessas limitações, poderia seguir com minha vida “normal”. Fui a restaurantes três vezes no mês passado, talvez uma 15 desde o começo da pandemia (sempre sentado ao ar livre). Ando de ônibus e metrô e de Uber. Visito a casa de amigos uma ou duas vezes por mês. Mais algumas semanas assim não seriam muito sacrifício.

A notícia da minha vez chegaria, como todas as outras, pelo celular. No começo de março apitaram duas notificações que começaram a me dar esperança. Primeiro, o início da vacinação de pessoas acima de 60 anos. Poucos dias depois, foi anunciada a liberação para quem tem mais de 50.

A velocidade estava aumentando no país inteiro, o que me deu um pouco de esperança. Conversando com minha mãe (que tomou a primeira dose duas semanas antes de mim), fiz uma previsão ambiciosa: em abril estaria vacinado. Passei a olhar o site oficial do governo de vez em quando.

Mesmo assim, fui pego de surpresa com a notícia da segunda, dia 29: a partir do dia seguinte, todos os moradores de Nova York com mais de 30 anos poderiam tomar a vacina. Foi mais rápido que todos esperavam. O drama seria conseguir marcar um horário.

Naquele primeiro dia tentei algumas vezes pela manhã. Recebi vários links com dicas para aumentar as chances de conseguir uma vaga. Decidi ser zen. De uma vez, milhões de americanos superconectados estariam fazendo exatamente a mesma coisa. Decidi que só tentaria dali uma semana.

Obviamente, não foi o que fiz. Voltei ao site à tarde e, num lance de sorte, consegui um horário para domingo. Avisei meus amigos, mas nenhum deles achava horários disponíveis. Uma amiga conseguiu marcar somente para 40 dias depois. Senti-me ainda mais privilegiado.

Eis que no dia seguinte, quarta-feira, me dizem que um hospital do Brooklyn perto da minha casa estava oferecendo doses mesmo para quem não tinha marcado horário. Fui com um amigo no fim da tarde. Já tinham acabado. A recepcionista nos sugeriu chegar cedo.

Acordei cedo na quinta-feira e fui de novo ao hospital. Poderia ter esperado mais três dias, mas depois de chegar tão perto, de quase sentir o cheiro da vacina, parei de fingir que estava “cool”, de ser blasé. Queria sentir a agulhada já!

O procedimento foi simples. Esperei pouco mais de uma hora na fila, preenchi um formulário e entreguei meu documento. Recebi as instruções (esperar 15 minutos antes de ir embora caso houvesse alguma reação alérgica grave, tomar Tylenol caso sentisse um pouco de febre), arregacei a manga e em menos de 10 segundos estava vacinado (tomei a vacina da Pfizer).

Como eu, 6,3 milhões de moradores do estado, quase um terço da população de Nova York, já receberam a primeira dose. Entre eles, 3,8 milhões já estão completamente imunizados (uma pequena parte recebeu a vacina da Janssen, de dose única).

Broadway fechada

O que muda na minha vida e na vida da cidade? Não sei. A piada que mais gostava de fazer com meus amigos era que lamberia o poste do metrô assim que tomasse a vacina. Não vai acontecer.

Diria que a sensação é de otimismo guardado. Depois do terror de março e abril do ano passado, quando o único som que se ouvia na cidade era o das sirenes de ambulância, imagino que ninguém esteja com pressa de voltar à normalidade antes de ter absoluta certeza em relação à proteção oferecida pela vacina.

Mas alguns sinais são animadores. Além do ritmo acelerado de vacinação, o tempo está começando a melhorar. Isso significa aproveitar parques e mesas ao ar livre. O campeonato de beisebol começou no dia 1º, com um quinto das arquibancadas ocupadas. Os cinemas da cidade reabriram no começo de março, depois de um ano. Alguns dias depois da segunda dose, acho que tenho coragem de assistir um filme numa tela grande. 

Os teatros da Broadway continuam fechados, assim como as casas de shows e as salas de concerto. Essa parte essencial da vida cultural e econômica de Nova York não volta antes de junho. Alguns hotéis estão reabrindo, mas ninguém ousa especular qual será o volume do turismo este ano.

Desde julho do ano passado tenho ido para o escritório. Alugo um cubículo num espaço compartilhado. É um lugar amplo, quase um galpão. Encontro dez pessoas trabalhando, normalmente metade disso. O co-working space nunca chegou a fechar. Poder sair de casa para trabalhar com a sensação de segurança é uma bênção. Mas a maioria das empresas deve esperar pelo menos até o segundo semestre, depois das férias de verão, para decidir como será a volta aos escritórios.

Da minha parte, dois dias depois de vacinado, a vida continua igual. Fiz um pedido de supermercado pela internet (mas também continuo fazendo compras na loja), talvez encontre amigos no final de semana, mas nada confirmado. Diferente mesmo é só a certeza de ser uma pessoa privilegiada, capaz de enxergar um pouco de esperança no horizonte, e a torcida redobrada para que a vacina esteja disponível para todos o mais rápido possível.

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