Rússia diz que não pode garantir funcionamento de gasoduto; UE teme boicote
O gasoduto Nord Stream atravessa o Mar Báltico levando gás natural da Rússia para vários países da União Europeia
Estadão Conteúdo
Publicado em 13 de julho de 2022 às 14h25.
Última atualização em 14 de julho de 2022 às 17h02.
A estatal de gás russa Gazprom anunciou nesta quarta-feira, 13, que não pode garantir o funcionamento regular do gasoduto Nord Stream 1, principal fonte de fornecimento do gás russo à União Europeia .
Em um comunicado, a empresa alegou não saber se conseguirá reaver uma turbina de fabricação alemã que foi enviada para reparos no Canadá, o que comprometeria a segurança da operação — um movimento apontado como resposta aos bloqueios e sanções criados pelos aliados do Atlântico Norte pela guerra na Ucrânia.
"A Gazprom não possui nenhum documento que permita à Siemens retirar do Canadá o motor de turbina a gás" que Ottawa, no entanto, afirma querer devolver à Alemanha, disse a Gazprom. "Nestas condições, não é possível tirar conclusões objetivas sobre a evolução da situação em termos de segurança e operação segura do gasoduto", acrescentou o grupo.
O gasoduto Nord Stream atravessa o Mar Báltico, levando gás natural da Rússia para vários países da União Europeia, sendo o maior fornecedor dessa fonte de energia para importantes centros europeus, como a Alemanha.
A empresa russa já havia interrompido temporariamente a operação do gasoduto na segunda-feira, 11, alegando a necessidade de uma "manutenção anual". Pelo primeiro cronograma apresentado pela Gazprom, o Nord Stream ficaria fora de funcionamento até 21 de julho para a realização de "testes de elementos mecânicos e sistemas de automação".
O impasse sobre o fornecimento regular de uma importante fonte energética para a Europa Ocidental já era esperado por algumas autoridades, que entendiam que a degradação das relações do bloco ocidental com a Rússia a partir da imposição de sanções resultariam em uma reciprocidade que poderia vir por este meio. Foi em função dessa preocupação e de resistências internas que a UE demorou a estabelecer regras para o bloqueio de compras de petróleo e gás russos — em um acordo firmado em maio, a Hungria se recusou a parar de receber petróleo russo via oleoduto.
Quando a operação foi interrompida na segunda-feira, autoridades de alguns dos principais países europeus alardearam para a chance do fornecimento não ser restabelecido ao patamar anterior — que já era de 60% do volume pré-guerra.
O vice-chanceler alemão, Robert Habeck, chegou a dizer que suspeitava que a Rússia pudesse citar "alguns pequenos detalhes técnicos" como razão para não retomar o fornecimento de gás, em uma declaração na segunda-feira. No mesmo dia, Klaus Mueller, chefe do regulador de rede da Alemanha ("Bundesnetzagentur"), disse que "ninguém pode dizer exatamente" se o gás será ligado novamente.
A Gazprom já havia citado anteriormente "problemas técnicos" envolvendo a turbina enviada para o Canadá por meio da parceria com a Siemens — que não foi devolvida em razão a sanções impostas pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Ottawa informou no fim de semana que permitiria que o equipamento fosse entregue à Alemanha, mas alguns líderes mundiais apontam que isso poderia abrir um perigoso precedente nas sanções.
Em um discurso gravado e exibido na segunda-feira, o presidente ucraniano, Volodmir Zelensky, alertou que a Rússia agiria novamente para cortar o fornecimento de gás natural para a Europa. Um dia antes, os ministérios de Energia e Relações Exteriores da Ucrânia disseram que o retorno das turbinas do Nord Stream "estavam 'ajustando' o regime de sanções aos caprichos da Rússia".
"Cada concessão em tais condições é percebida pela liderança russa como um incentivo para uma pressão mais forte", afirmou Zelensky, que também defendeu que os aliados ocidentais se preparassem para o que está por vir.
Em uma coluna recente — publicada nesta quarta-feira pelo Estadão — o colunista e analista de temas internacionais do The New York Times Thomas Friedman alertou para o que parece ser a estratégia de Vladimir Putin neste momento da guerra, que na opinião do americano pode levar o conflito à sua "fase mais perigosa".
"É óbvio que Putin está disposto a continuar abrindo caminho com fogo na Ucrânia, na esperança de que a elevada inflação sobre os preços da energia e dos alimentos na Europa eventualmente frature a aliança atlântica. Suas escolhas parecem ser: se as temperaturas ficarem mais baixas que o normal na Europa; e se a oferta global de petróleo e gás ficar mais baixa que o normal; e se os preços-médios globais ficarem mais altos que o normal; e se apagões de eletricidade decorrentes da escassez de energia se tornarem algo generalizado; haverá uma boa chance de os membros europeus da Otan começarem a pressionar o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelensky, a perseguir um acordo com a Rússia — qualquer acordo — para o fim dos combates", escreveu.
Em alguns países europeus, os preparativos para um corte brusco das fontes russas de energia já começaram. Ainda no mês passado, quando a Gazprom já havia diminuído o fornecimento para 60% do volume anterior de gás fornecido, a Alemanha — que atualmente é governada por uma coalizão que inclui o Partido Verde — ativou a segunda fase do plano de emergência de três etapas, que deve permitir o acionamento de dez usinas de energia a carvão inativas e seis que são movidas a petróleo para compensar as deficiências. Outras 11 usinas a carvão programadas para serem desativadas em novembro poderão continuar operando.
Ambientalistas alertaram que a queima de carvão e petróleo libera mais dióxido de carbono do que usinas de energia movidas a gás natural, colocando em risco as metas climáticas da Alemanha. Mas o governo argumenta que o aumento de curto prazo das emissões será compensado com novas medidas para acelerar a instalação de energia renovável.
O ministro da Economia e Finanças da França, Bruno Le Maire, disse que a interrupção completa do fornecimento de gás russo é uma "possibilidade crível". Ele disse que a França precisa entrar em "modo de batalha" neste verão para se preparar para o inverno, quando "teremos de fazer escolhas corajosas" por causa da provável escassez de energia.
"Não seremos capazes de nos manter aquecidos e agir como se nada tivesse mudado", disse Le Maire. "Temos de planejar e organizar agora. Temos de mudar nossos hábitos, reduzir nosso consumo [ de energia ]." (Com agências internacionais).