Exército afegão em cidade próxima a Cabul: o que significa a vitória do Talibã (Ahmad SAHEL ARMAN/AFP)
Carla Aranha
Publicado em 16 de agosto de 2021 às 17h12.
Última atualização em 16 de agosto de 2021 às 18h39.
Além de criar um vácuo de poder que pode favorecer rivais dos Estados Unidos como a China e a Rússia, a retirada americana do Afeganistão e a conquista do poder pelo Talibã deve trazer graves implicações humanitárias. Uma nova crise de refugiados, com afegãos procurando asilo na Europa e na Turquia, é a faceta mais visível desse fenômeno, acredita o analista político Ian Bremmer. Presidente da Eurasia, maior consultoria de risco político do mundo, Bremmer também avalia o impacto da vitória do Talibã para a imagem dos Estados Unidos no exterior, em entrevista exclusiva à EXAME. "Foi um golpe em nossa reputação", diz. Veja, a seguir, os principais trechos da conversa.
O poder da Rússia e da China pode aumentar na região com a retirada dos Estados Unidos e a vitória do Talibã? Como isso pode afetar a geopolítica internacional?
Sim e não. Por um lado, a retirada dos Estados Unidos do Afeganistão cria um vácuo de poder que outros países como a China e a Rússia podem aproveitar, da mesma forma como o fracasso da OTAN no Leste Europeu permitiu que a Rússia invadisse a Georgia e anexasse a Crimeia. Por outro lado, o Afeganistão não é Taiwan ou os Bálticos, que continuam sendo as prioridades dos Estados Unidos. Os interesses americanos no Afeganistão são periféricos. Apesar da postura pública, os legisladores russos e chineses estão bem cientes de que o que está acontecendo em Cabul nada diz sobre a decisão dos EUA de defender seus interesses centrais. Além disso, um Afeganistão controlado pelo Taleban -- ou pior, um Afeganistão fora de controle -- representa desafios de segurança significativos para a China e a Rússia (assim como para a Índia, Irã e até mesmo o Paquistão).
O mundo deve testemunhar uma nova crise de refugiados, com pessoa fugindo em massa do Afeganistão? Isso deve preocupar a Europa e países como a Turquia?
Sem dúvida. A tomada do país pelo Talibã significa uma enorme crise humanitária que criará grandes fluxos desestabilizadores de refugiados. Apenas nas últimas 24 horas, vários milhares de afegãos correram para o aeroporto de Cabul e as fronteiras terrestres do Afeganistão em uma tentativa de fugir da violência. Cerca de 30.000 afegãos deixaram o país todos os dias nos últimos 10 dias. Este é um problema não apenas para os vizinhos regionais do Afeganistão, mas também para a Europa, que teme uma repetição de 2015-16. Enquanto a maioria dos países provavelmente terá problemas para absorver um influxo em massa e engolir suas consequências políticas, o presidente turco Recep Erdogan pode mais uma vez estar disposto a usar os refugiados como moeda de troca em suas negociações com Bruxelas.
Como o fracasso político dos Estados Unidos no Afeganistão afeta a imagem e popularidade de Biden entre os americanos e no exterior, especialmente na Ásia e no Oriente Médio?
No mês passado, uma grande maioria dos americanos apoiou a decisão de Biden de retirar os Estados Unidos do Afeganistão, incluindo 56% dos republicanos e 73% dos independentes. Embora a execução tenha sido catastrófica e as imagens de Cabul dominem o ciclo de notícias por um tempo, o quanto isso vai prejudicar a posição doméstica de Biden vai depender de como a evacuação do pessoal americano e civis vai se desenrolar nos próximos dias. Exceto em uma situação de reféns ou baixas americanas, é improvável que a imagem doméstica e a agenda do presidente sejam prejudicadas de maneira duradoura.
Quanto à credibilidade dos EUA no exterior, nenhum de nossos principais adversários confundirá o que está acontecendo no Afeganistão com falta de determinação em Taiwan ou no Báltico. Este não é um "momento Saigon". Os aliados dos EUA no Oriente Médio e em outros lugares, entretanto, podem reavaliar sua percepção do compromisso dos EUA com interesses não prioritários. E a reputação de competência dos EUA definitivamente sofreu um golpe, o que poderia encorajar a Rússia, a China e o Irã.