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Relação com chineses é independente do governo, diz diretor do Conselho Empresarial Brasil-China

Com Partido Comunista caminhando para manter Xi Jinping na liderança, relações com o Brasil não devem ter mudanças bruscas mesmo com eleições brasileiras, diz o diretor de pesquisa do CEBC, Tulio Cariello

Tulio Cariello, diretor de pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China: oportunidades de atuação chinesa em infraestrutura ainda não são totalmente aproveitadas (CEBC/Divulgação)
CR

Carolina Riveira

Publicado em 16 de outubro de 2022 às 09h42.

Última atualização em 16 de outubro de 2022 às 10h05.

O Congresso do Partido Comunista Chinês (PCCh) ao longo desta semana marca um dos momentos mais importantes para o país nos últimos anos, com a escolha das diretrizes que guiarão a segunda maior economia do mundo e, na frente política, os novos mandatários do governo — incluindo a provável recondução de Xi Jinping a um terceiro mandato, fato inédito na história recente, uma vez que era comum uma transição de poder a cada dez anos. Embora os imbróglios da política chinesa não apareçam tanto no noticiário brasileiro, Tulio Cariello, diretor de conteúdo e pesquisa do Conselho Empresarial Brasil China (CEBC), defende que o Congresso, "depois das eleições americanas, é o principal evento internacional no qual o Brasil deveria prestar atenção".

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Além de maior parceira comercial do Brasil, com mais de US$ 135 bilhões transacionados em 2021 (alta de quase 30%), a China foi também fonte de quase US$ 6 bilhões em investimentos no país no ano, com projetos no setor de petróleo, eletricidade e tecnologia da informação, como mostrou relatório recente do CEBC. À EXAME, Cariello falou sobre as oportunidades na relação sino-brasileira, que ele acredita que não mudará tanto independentemente do governo eleito por aqui em outubro ou do que o alto escalão comunista decidir em Pequim nos próximos dias. "A relação de Estado entre Brasil e China é bastante estável. Entra governo, sai governo, a relação bilateral é muito institucionalizada", diz.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista.


Por que os eventos do Congresso devem importar aos observadores no Brasil?

O Congresso acontece a cada cinco anos e é onde se decide quem vai entrar na alta cúpula do governo chinês. Depois das eleições americanas, eu diria que é o principal evento internacional no qual o Brasil deveria prestar atenção. Neste ano, particularmente, está muito difícil ter previsões, porque não tivemos grande vazamento de informações. Uma das únicas certezas é que Xi Jinping deve entrar no terceiro mandato, o que será inédito.

É possível que vejamos também mudança no comitê central, como uma troca de primeiro-ministro — isso é relevante porque quem toca realmente a parte econômica é sobretudo o premiê. É um Congresso que dura dias, também se faz um balanço do que foram os últimos anos e metas e prioridades para a atuação do governo. Estamos em um cenário internacional muito conturbado, e a China tem um papel muito relevante principalmente na parte comercial e de investimentos. Algo no qual temos de estar muito atentos é a agenda ambiental: depois de um crescimento "a qualquer custo" nos anos 1980, a China hoje tem de fato um papel muito maior de liderança nessa transição energética, investe em energia, veículos elétricos, e inclusive aqui no Brasil.

Xi Jinping: ida ao terceiro mandato caminha para ser confirmada no Congresso do Partido Comunista na próxima semana (Justin Chin/Getty Images)

No que o fato de termos ou nãouma troca de governo aqui no Brasilcom as eleições deste ano impacta nessa relação com os chineses? Ou não impacta?

O impacto é muito pequeno, para ser sincero. A relação de Estado entre Brasil e China é bastante estável. Entra governo, sai governo, a relação bilateral é muito institucionalizada. Talvez o fato de a China ter um Estado muito forte e poucas mudanças facilite isso. Temos uma série de planos conjuntos e temos uma Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban) que reúne os dois países. Acredito que essa comissão tem até mesmo um peso maior hoje do que já teve — quem presidia do lado chinês era o vice-premiê, mas hoje é o vice-presidente.

Declarações polêmicas em relação à China do governo brasileiro têm potencial para piorar a relação com o tempo?

Eles [chineses] entendem que, primeiro, a relação que o Brasil tem com a China é essencialmente econômica. Não temos relação política tão próxima em muitos fóruns internacionais, por exemplo, mesmo estando juntos em fóruns como os BRICs. A relação com a China é essencialmente comércio, e nesse ponto vai muito bem, batendo recordes na pandemia.

Já o cenário atual é mais complicado: fiz uma análise do comércio até setembro e a China foi o único entre os principais destinos de exportações do Brasil com queda. Foi uma queda pequena, cerca de 2%; mas é uma questão muito mais conjuntural, não é nenhum problema que tenha havido com o governo. A China ainda é um país muito fechado com a pandemia, lockdowns, o que acaba atrasando o envio de mercadoria e gerando desafios comerciais. Investimento também está indo bem, tivemos o segundo maior número de projetos da China de toda a série histórica. No final das contas a relação econômica — que é o que pauta de fato a relação bilateral — é independente do governo. É óbvio que se o governo não atrapalhar já é muito. No próprio governo Bolsonaro a retórica vista no início do governo foi depois abafada, principalmente do mandato para frente, teve troca de chanceler. E na parte do agro, que é um dos principais interessados e com participação forte no governo, a China é o principal destino das exportações. Neste governo se criou, por exemplo, um núcleo dentro do Ministério da Agricultura só para China. Ou seja, a relação já anda de forma independente.

Colheita de soja: China é o principal destino das exportações brasileiras (Getty Images//iStockphoto)

E na outra ponta: os resultados do Congresso do Partido Comunista, como a recondução de Xi Jinping ou eventuais novas metas na economia, podem mudar algo nessa relação com o Brasil e com a América Latina? Pode alterar prioridades de investimento, por exemplo?

Acho que não vai ter nenhuma mudança estrutural de longo prazo que vá trazer uma mudança chinesa na região. A América Latina não é prioridade da China — a prioridade é sobretudo aquele entorno ali da Ásia. Eles têm a Rússia, que é vizinha, com problemas, e o principal desafio da China, que são os EUA, assim como a Europa dividida com relação às interações com os chineses. A América Latina, até pela distância geográfica e essa relação econômica já estabelecida, acaba não gerando muito problema.

A relação é crescente, claro, vemos nos últimos anos grande proximidade da China com os países da região. E é recíproca, os países têm procurado a China, reposicionado o status com Taiwan, por exemplo. A Argentina entrou na Rota da Seda — não é qualquer país da região, é uma economia importante —, e o Uruguai está querendo costurar acordo com a China apesar do Mercosul. Na América do Sul especialmente, só Brasil e Colômbia não estão na Rota da Seda. E sobretudo a proximidade comercial é crescente e natural, por ser um tipo de comércio em que a China precisa importar commodities em larga escala e todos os países aqui da região exportam, Brasil e Venezuela em petróleo, Brasil e Argentina em agro, Brasil, Chile e Peru em minério. Então, a relação está em rota de ascensão. E não acho que vá haver mudança por conta desse Congresso, tende a ser mais uma continuidade do que já está sendo feito.

Há espaço para uma maior complexidade na relação econômica nessas transações, para além da exportação de commodities como soja ou minérios?

A relação comercial tem se tornado mais complexa. Quando a gente olha o dado bruto é difícil enxergar isso, porque as vezes mais de 80% do que a gente exporta é soja, minério e petróleo. Os produtos que ficam abaixo nunca vão atingir mais do que isso, pela natureza da relação e pela demanda chinesa que é muito alta. Mas tem alguns pontos, por exemplo, temos conseguido abrir muito a demanda no mercado de carne da China, que não entra como agro, mas como indústria de transformação. Hoje já exportamos mais frango, porco, boi, celulose. E tem uma série de setores que têm potencial.

Não adianta acharmos que vamos começar a exportar manufaturado para a China em volume, isso é o que eles fazem, mas a gente pode explorar isso numa coisa de nicho. Podemos entrar em mercados premium: a classe média chinesa é hoje do tamanho da população inteira dos EUA, tem muito espaço. O que sempre falamos lá no Conselho é que poderíamos explorar a sofisticação e agregação de valor em um setor que já somos competitivos, que é o agro, mas exportando cortes premium, café premium, mel, castanhas, bebida alcoólica. E aí também faz parte criar um selo de qualidade brasileiro. O Chile é um país que tem muito sucesso nisso, exporta frutas premium, vinho — não exportam só cobre.

Esse mesmo espaço de aumento da complexidade e avanço nas relações vale para investimentos diretos? Recentemente o próprio CEBC mostrouem um de seus eventoscasos como da Great Wall [montadora de carros elétricos] ou da CTG [em energia], com investimentos para além das commodities.

Certamente. Vemos interesse crescente da China no setor de tecnologia da informação aqui, e a área de sustentabilidade também tem um potencial enorme. Muitos investimentos aqui já são em energia limpa. Frentes como hidrogênio verde, energia solar, eólica, a China tem investido muito no exterior e tem espaço aqui no Brasil.

E na área de infraestrutura também há grandes oportunidades. Pelo modelo em que tem experiência, a China viria mais em contrato de construção, com concessão para construir ferrovia, portos, estradas. E realmente fico curioso de entender por que não tem mais disso, mais investimento em infraestrutura da China aqui. Às vezes os empresários de lá me perguntam isso, e eu devolvo a pergunta [risos]. A China tem uma rede de transporte ferroviário gigantesco, e o Brasil é enorme, de certa forma há muitas similaridades que poderiam ser exploradas.

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