Donald Trump: "ele tende a ser vagamente liberal, mas não se atém a nenhuma visão especifica, faz o que acha necessário para vencer", diz seu biógrafo (Pool/Getty Images)
Gabriela Ruic
Publicado em 9 de agosto de 2017 às 06h00.
Última atualização em 9 de agosto de 2017 às 09h26.
São Paulo – “Fazer a América grande novamente”, um lema provocativo, ousado e levemente presunçoso, mas que ajudou o bilionário Donald Trump a conquistar o inimaginável: ser eleito presidente dos Estados Unidos após uma corrida presidencial surpreendente em 2016.
O feito é histórico. Afeiçoado aos holofotes, sua mera candidatura causou estranheza e foi motivo de chacota, especialmente entre os políticos mais experientes em Washington. Contudo, um a um, Trump derrubou oponentes e se consolidou como indicado republicano à presidência, ainda que sem experiência na política e mesmo com seus ares de celebridade.
Desde então, o mundo observa a gestão do empresário com atenção e monitora um movimento que promete perdurar: a ascensão de não-políticos na esfera pública. Por onde quer que se olhe, análises de sua personalidade e de suas políticas são divulgadas por especialistas de todas as sortes, psicólogos e cientistas sociais. Tudo com o objetivo de tentar encontrar explicações para o fenômeno Trump.
Mas elas não são simples, e sim o resultado de fatores que envolvem especialmente a onda populista que se fortaleceu nos últimos anos mundo afora, sempre alavancada pelo sentimento anti-globalista. No caso de Trump, adiciona-se, ainda, o gosto pelos holofotes, o estilo agressivo de liderança e a obstinação.
Mas, afinal, quem é Donald Trump? Quais as suas maiores influências? O que o motiva? Quais lições o Brasil e outros países podem aprender com essa experiência? O site EXAME buscou respostas em uma entrevista por telefone com quem conhece bem o presidente americano: seu biógrafo, Marc Fisher, editor de política do jornal The Washington Post (WaPo).
Fisher, ao lado de Michael Kranish, também do WaPo, e um time de 20 jornalistas, passou o último ano entrevistando dezenas de pessoas (o empresário, inclusive) para escrever “Revelando Trump: a história de ambição, ego e poder do empresário que virou presidente” (já à venda no Brasil) e montar um retrato da sua personalidade.
Abaixo, veja como foi essa conversa.
Site EXAME – Desde que o empresário anunciou a sua candidatura, vimos milhares de análises de personalidade a seu respeito. Quem, afinal, é Donald Trump? E como ele é diferente do Trump presidente?
Fisher – Não é nada diferente. O comportamento que ele vem mostrando como presidente é absolutamente previsível e segue o padrão que ele estabeleceu há 40 anos como empresário.
É um estilo e uma personalidade completamente diferentes de tudo o que já vimos em outros presidentes dos Estados Unidos. Trump é um narcisista devotado em promover sua própria personalidade, em tornar seu ego uma marca. E isso é inédito a nível presidencial.
E ele é único em diferentes aspectos: como pensa que sempre vencerá (e para Trump, é isso o que mais importa), como ele vive o momento. Não liga para o passado e não tem planos para o futuro, só pensa em vencer no presente. Além disso, ele demonstra poucos valores ou princípios que não envolvam ele estar sempre por cima. É assim que ele conduziu seus negócios a vida inteira e é assim que governa.
EXAME – Donald Trump é um homem complexo, difícil de ler e seu livro mostra como ele é o resultado de diferentes influências. Quem foram as maiores delas?
Marc Fisher – Bom, acho que há duas pessoas que foram as maiores. Primeiro, seu pai, Fred, um empresário que também tinha um gosto pela publicidade e pela mídia.
Com ele, Trump aprendeu sobre os negócios e como criar um desejo dos consumidores pela sua marca. Essa ideia de se usar seu caráter e personalidade como marca veio do pai. Contudo, ele também o enxergava como um homem que não tinha ambição, então, às vezes achava que Fred não era forte o suficiente.
Essa força e agressividade no mundo dos negócios e seu comportamento foram aprendidos com outro mentor, o advogado Ray Cohn, que representou o senador McCarthy nos anos 50, nos tempos de perseguição contra os comunistas.
Cohn se transformou em um dos maiores conselheiros de Trump. O ensinou a ir para cima da imprensa com agressividade, tentar ganhá-la a qualquer custo e fazer publicidade para vender seus negócios e ideias. Foi também com ele que Trump passou a usar a Justiça para seu benefício, processando, se recusando a pagar contas, pressionando quem o criticasse.
EXAME – Seus movimentos políticos são difíceis de interpretar. Se você pudesse situá-lo em um espectro político, em qual o colocaria?
Fisher – Ideologicamente, ele é incoerente. Tende a ser vagamente liberal, mas não se atém a nenhuma visão especifica, faz o que acha necessário para vencer. Trump mudou sua filiação partidária seis vezes, e desde o ano passado vem fingindo ser conservador, apesar de suas posições centrais como presidente serem tudo, menos conservadoras.
A ideia do muro na fronteira com o México, por exemplo, é profundamente oposta ao internacionalismo que vemos nos republicanos nos últimos anos. Sua posição em relação ao comércio também é contrária à tradição republicana. Quando fala sobre questões sociais, soa como um democrata liberal.
Já em temas como a diplomacia e a economia, Trump tem pouco conhecimento sobre eles, então, assume a postura que seus assessores consideram as mais populares.
EXAME – Em um artigo recente , você falou sobre Trump ter construído sua liderança em cima de incertezas, usando esse clima como ferramenta para manter as margens abertas em sua gestão. Qual é o seu estilo e como ele é aplicado na Casa Branca?
Fisher – Trump gosta de ser surpreendente, provocativo, de dominar a narrativa na imprensa. Durante a sua vida, ele viu o seu sucesso sob a perspectiva do mago do marketing que ele é. E ele é um gênio nesse ponto.
Trump presta pouca atenção para o dia a dia dos negócios, assim como faz na política. Em contrapartida, está interessado em imagem, tem uma enorme habilidade em ler o que está acontecendo, um bom entendimento do que as pessoas esperam dele e, ainda, consegue entregar isso. Seu desejo de agradar os outros e tê-los mostrando a sua adoração por ele é quase infantil. E é isso o que vem guiando as suas decisões como presidente.
Ele é alguém que não tem um background ideológico e não sabe muito sobre os princípios de elaboração de políticas e depende de seus instintos para tal. E ele me disse isso claramente em uma de nossas entrevistas, sobre como toma decisões de acordo com sua intuição. Quer absorver o posicionamento do público e administrar o país segundo a sua percepção.
EXAME – Em seis meses da presidência de Trump, qual foi a sua maior surpresa?
Fisher – Não posso dizer que há alguma surpresa. Quer dizer, ele até tenta surpreender, mas a realidade é a de que seu comportamento é consistente o que ele demonstrou em toda a sua vida: vê uma situação e tenta sair vitorioso.
Agora, uma coisa que está sendo diferente do que imaginávamos é que ele realmente não entende a diferença entre governo e empresa. Trump nos disse diversas vezes que pretendia administrar o país como uma companhia, mas agora está percebendo que as coisas não funcionam assim e que ele não tem a autoridade para mandar nas pessoas.
O poder do presidente é o de persuasão, algo em que ele nunca se esforçou, e vemos que as derrotas que ele sofreu recentemente foram resultado disso. As votações de seu projeto de saúde para repelir o Obamacare, por exemplo.
Suas políticas não saem do lugar porque ele não está persuadindo ninguém, sejam os eleitores, os opositores ou a mídia. Esse traço sempre soou agressivo demais. E bons presidentes conseguem caminhar por meio da persuasão, mas isso é algo que Trump nunca conseguiu.
EXAME – O fenômeno por trás de Trump, o tal “trumpismo”, não é algo que irá passar tão breve. Que legado podemos esperar da sua ascensão à presidência?
Fisher – É um pouco cedo para falar em legado, mas hoje ele me parece como alguém que está tentando dobrar a base que o levou até o Salão Oval. Então, o vemos como uma pessoa que tenta manter a base intacta, mas que fez poucos esforços em tentar conquistar o povo e outras fontes de poder em Washington.
Agora, um legado enorme que está se desenvolvendo é o estrago dramático nos níveis de influência dos Estados Unidos no mundo. E isso é algo que não o faz feliz, evidentemente. No entanto, ao se apresentar como um nacionalista, um populista, ele deve usar o antagonismo de outros países para sua vantagem.
Mas, acho que o que vamos encontrar é o que vimos em Nixon (presidente dos Estados Unidos entre os anos de 1969 e 1974): sua base se fortalecerá e os eleitores vão continuar apoiando-o, mas todos os outros serão rejeitados e ignorados por ele.
EXAME – No Brasil, estamos de olhos abertos para a presidência de Trump, já que se especula que um dos possíveis candidatos das eleições presidenciais de 2018 seja uma pessoa com o mesmo perfil: empresário, aura de celebridade, pouca experiência em cargos públicos, discurso de gestão privada na esfera pública...
Fisher – Acho que o que é importante entender em Trump, e que pode ser aplicado não só ao Brasil, mas outros países que estão vivendo essa a ascensão de não-políticos, é que existe uma confusão entre celebridade e políticos. E Trump realmente exerce o seu poder como presidente com o entendimento de que será julgado como uma celebridade.
Ele já falou coisas que acabariam com qualquer político em uma eleição, mas os americanos o julgam dessa forma e o perdoam tal qual fazem com os famosos. Nós esperamos que celebridades se comportem mal, pois, ainda assim, elas nos divertem. E Trump, como a estrela de reality show que é, entendeu isso e conseguiu se tornar quase que “à prova de balas”, apesar de todo o seu mau comportamento.
EXAME – Você esperava que ele ganhasse a eleição de 2016?
Fisher – Sim, acreditei nisso o tempo todo. As pessoas me chamaram de sendo tolo, riram, mas para mim era claro que Trump venceria, especialmente por esse “manto à prova de balas” de celebridade que ele tem e depois que percebi que tudo aquilo que havia chocado as pessoas em seu comportamento não machucaria a sua candidatura.
Outra coisa que me fez acreditar nessa vitória veio depois de ir aos eventos de campanha de Hillary Clinton e Trump. Na campanha republicana, notei um entusiasmo profundo por ele, seus eleitores queriam vê-lo em Washington de todo o jeito, queriam que ele fosse lá virar as coisas de ponta cabeça.
Já nos eventos de Hillary, mesmo entre seus maiores apoiadores, as reações eram mornas sobre seu respeito e seus eleitores sempre souberam que as coisas não melhorariam com ela na presidência. Essa diferença de entusiasmo entre os eleitores me persuadiu a ver que ele possivelmente se consagraria como vencedor. E isso aconteceu.