Por que a Rússia não censura a internet como a China
Mesmo quando Putin enfrentou os maiores protestos em anos, seu governo parecia relutante em bloquear sites e tomar outras medidas contra a disseminação da oposição online
New York Times
Publicado em 28 de fevereiro de 2021 às 08h01.
Última atualização em 18 de maio de 2022 às 11h57.
Moscou – Margarita Simonyan, editora-chefe da rede de televisão RT, controlada pelo Kremlin , pediu recentemente ao governo que bloqueasse o acesso às mídias sociais ocidentais.
Ela escreveu: "Plataformas estrangeiras na Rússia devem ser fechadas." A rede social escolhida para enviar a mensagem: Twitter. O Kremlin teme uma internet aberta moldada por empresas americanas, mas simplesmente não consegue abrir mão delas.
O momento conturbado da Rússia, com ondas de protestos em todo o país desencadeadas pelo retorno do líder da oposição Alexei Navalny, foi possibilitado pela internet livre e aberta. O Estado controla a televisão, mas a prisão dramática de Navalny em sua chegada a Moscou, a investigação que este fez sobre o suposto palácio secreto do presidente Vladimir Putin e a incitação aos protestos de seus partidários foram todos transmitidos on-line para uma audiência de muitos milhões.
Há anos, o governo russo vem instalando a infraestrutura tecnológica e legal para reprimir a liberdade de expressão on-line, levando a previsões frequentes de que o país poderia estar caminhando para a censura na internet semelhante ao grande firewall da China.
No entanto, mesmo em janeiro, quando Putin enfrentou os maiores protestos em anos, seu governo parecia relutante em – e até certo ponto incapaz de – bloquear sites ou tomar outras medidas drásticas para limitar a disseminação da dissidência digital.
A hesitação demonstrou o desafio que Putin enfrenta ao tentar diminuir as implicações políticas do acesso barato à internet de alta velocidade, que chega aos cantos mais remotos do vasto país, sem irritar uma população apaixonada por Instagram, YouTube, Twitter e TikTok.
"Eles estão com medo. Têm todas essas armas, mas não sabem como usá-las", disse Dmitri Galushko, consultor de telecomunicações de Moscou, sobre a ausência de uma maior repressão do Kremlin.
De maneira geral, a questão de como lidar com a internet evidencia um dilema da Rússia de Putin: levar a repressão estatal a novos patamares e arriscar uma reação pública, ou continuar tentando gerenciar o descontentamento público mantendo alguma aparência de sociedade aberta.
Na China, o controle do governo sempre acompanhou o desenvolvimento da internet. Mas na Rússia, lar de um legado soviético de inúmeros talentos de engenharia, o empreendedorismo digital floresceu livremente por duas décadas, até que Putin decidiu tentar conter o discurso on-line depois dos protestos antigoverno de 2011 e 2012.
Naquele momento, a internet aberta já estava tão arraigada nos negócios e na sociedade – com sua arquitetura descentralizada – que era tarde demais para mudar radicalmente esse curso. Porém os esforços para censurar a web, bem como as determinações para que os provedores de internet instalassem equipamentos de vigilância e controle do governo, ganharam tração com a aprovação de vários projetos de lei pelo parlamento. Ao mesmo tempo, o acesso continua a se expandir, graças em parte ao apoio governamental.
As autoridades russas agora dizem que têm a tecnologia necessária para permitir uma "RuNet soberana" – uma rede que continuaria a dar aos russos acesso a sites russos, mesmo que o país fosse cortado da rede mundial. A posição oficial é que essa infraestrutura cara oferece proteção no caso de forças ocidentais nefastas tentarem cortar os links de comunicação da Rússia; mas ativistas dizem que, na verdade, o objetivo é dar ao Kremlin a opção de isolar parte do país, ou o país inteiro, do resto do mundo.
"Em princípio, será possível restaurar ou permitir o funcionamento autônomo do segmento russo da web. Tecnologicamente, tudo está pronto para isso", declarou Dmitry Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança de Putin e ex-primeiro-ministro, a repórteres recentemente.
Em meio à agitação doméstica deste ano, a beligerância russa direcionada ao Vale do Silício alcançou uma nova intensidade. Navalny utiliza o YouTube do Google, o Instagram do Facebook e o Twitter para alcançar dezenas de milhões de russos com suas delações da corrupção oficial dignas de memes, como a escova de vaso sanitário de US$ 850 que alegou ter identificado em uma propriedade usada por Putin.
Ao mesmo tempo, a Rússia parece não ter o poder de impedir que essas empresas bloqueiem contas pró-Kremlin, nem de conseguir forçá-las a derrubar conteúdo pró-Navalny. (A voz de Navalny ecoa pelas redes sociais mesmo que ele esteja atrás das grades: recentemente, um tribunal manteve sua sentença de prisão de mais de dois anos.)
O órgão regulador de telecomunicações da Rússia, o Roskomnadzor, começou a repreender as empresas americanas de internet de modo público e insistente. Recentemente, disse que a rede social de bate-papo de voz Clubhouse havia violado "os direitos dos cidadãos de acessar informações e distribuí-las livremente" ao suspender a conta de um proeminente apresentador de televisão estatal, Vladimir Solovyov. Em 29 de janeiro, a agência alegou que o Google estava bloqueando vídeos do YouTube contendo o hino nacional russo, considerando a situação uma "grosseria flagrante e inaceitável dirigida a todos os cidadãos do nosso país".
O Clubhouse aparentemente bloqueou a conta de Solovyov por causa de reclamações de usuários, enquanto o Google informou que alguns vídeos contendo o hino russo haviam sido bloqueados por engano por causa de um problema de direitos de conteúdo. O Clubhouse não respondeu a um pedido de comentário.
Além disso, com os incentivos aos protestos em todo o país proliferando depois da prisão de Navalny, o Roskomnadzor afirmou que as redes sociais estavam encorajando menores a participar de atividades ilegais.
A rede social russa VKontakte e o aplicativo chinês TikTok cumpriram parcialmente a ordem de bloquear o acesso a posts relacionados aos protestos, mas o Facebook se recusou, afirmando: "Esse conteúdo não viola os padrões da nossa comunidade."
Mesmo com suas críticas às empresas americanas de mídia social, o Kremlin as usou extensivamente para espalhar sua mensagem pelo mundo. Foi o Facebook que serviu como a ferramenta primária no esforço russo para influenciar as eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016. No YouTube, a rede estatal RT tem um total de 14 milhões de inscritos em seus canais em inglês, espanhol e árabe.
Simonyan, a editora da RT, disse que continuará a usar plataformas americanas de mídia social enquanto não forem proibidas. "Parar de usar essas plataformas enquanto todos os outros as usam é se entregar ao adversário. Bani-las para todos é derrotá-lo", declarou ela ao "The New York Times".
Uma lei assinada por Putin em dezembro dá a seu governo novos poderes para bloquear ou restringir o acesso às redes sociais, mas ela ainda não foi usada. Desde 2018, os reguladores tentam bloquear o acesso ao aplicativo de mensagens Telegram, mas esse esforço de dois anos terminou em fracasso depois que a empresa encontrou maneiras de contornar as restrições.
Em vez disso, as autoridades estão tentando atrair os russos para redes sociais como o VKontakte, que estão intimamente ligadas ao governo. A Gazprom Media, subsidiária da gigante estatal de gás natural, prometeu transformar o RuTube, sua nada famosa plataforma de vídeo, em uma concorrente do YouTube. E em dezembro divulgou que havia comprado um aplicativo inspirado no TikTok, chamado "Ya Molodets" – "Estou ótimo", em russo –, para compartilhar vídeos curtos de smartphones.
Andrei Soldatov, jornalista e coautor de um livro sobre os esforços do Kremlin para controlar a internet, diz que a estratégia de persuadir as pessoas a usar plataformas russas é uma maneira de evitar que a dissidência viralize em momentos de crise. A partir de 1º de abril, todos os smartphones vendidos na Rússia serão obrigados a vir com 16 aplicativos nacionais já instalados, incluindo três redes sociais e uma resposta ao assistente de voz Siri da Apple, chamado Marusya. "O objetivo é que o usuário típico viva em uma bolha de aplicativos russos. Potencialmente, isso poderia ser bastante eficaz", observou Soldatov.
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