Macron: cientista político fala sobre as investidas de Emmanuel Macron para reformar a política (Christian Hartmann/Reuters)
Luciano Pádua
Publicado em 25 de julho de 2017 às 21h16.
Última atualização em 25 de julho de 2017 às 21h20.
O presidente francês, Emmanuel Macron, está trabalhando para emplacar estratégias de combate à corrupção no país, num projeto que tem sido chamado de “moralização da vida pública”.
Seria o fim dos políticos profissionais, que passam décadas no Parlamento costurando privilégios. Mas o modus operandi da política francesa está mais enraizado do que o próprio Macron imaginava. Em junho, o governo perdeu quatro ministros suspeitos de desviar recursos, um mês após ter montado sua equipe.
Para o cientista político Vincent Martigny, professor e pesquisador na Universidade Sciences Po e estudioso das manifestações contemporâneas do nacionalismo francês, o movimento de mudança é possível, já que o Parlamento foi quase que integralmente renovado, e ansiosamente esperado pela população.
Porém, o especialista alerta para o fato de ainda não haver oposição estruturada no país e para a euforia com que a imprensa internacional recebe as mensagens do novo presidente.
Como podemos entender o projeto de moralização da vida pública de Emmanuel Macron?
Há três grandes razões. A primeira é contextual. Durante a campanha, houve alguns escândalos, especialmente o que acusou o candidato François Fillon de suposta corrupção. Foi um choque, e a opinião pública estava sensível a esse problema. O caso de Fillon integra uma série de escândalos do mandato de François Hollande e de Nicolas Sarzoky que, nos últimos dez anos, fez a opinião pública ficar exasperada com o que parece ser um alto nível de corrupção política. Em segundo lugar, essa agenda é uma reposta entre o crescente distanciamento entre cidadãos e políticos. Há uma impressão de que políticos devem evitar fazer da política uma atividade profissional. A terceira razão está conectada à personalidade do próprio Macron. Ele quer jogar com a vantagem de um outsider na política, baseado no fato de que é um recém-chegado, como forma de responder ao clamor popular.
Como é o arcabouço legal para prevenir corrupção na França?
Nos últimos dez anos, houve um aumento do número de leis para dar transparência à política. Antes, era muito fácil para os parlamentares contratarem parentes, e eles tinham dinheiro para gastar como quisessem. A modernidade não consegue aceitar mais esses fatos, e Macron está acelerando algo que começou antes. Mas é verdade que, por Sarkozy e Hollande serem membros desse grupo político por 30 anos, era muito difícil reformá-lo por dentro. Agora, é muito provável que esse pacote de moralização aconteça, porque o Parlamento foi bastante renovado. Apenas um terço dos antigos parlamentares continuaram no cargo. Há muitos que estão exercendo um mandato pela primeira vez, o que oferece uma oportunidade de mudança. Mas estamos falando de leis que se aplicarão aos próprios parlamentares, então, claro, temos que esperar para ver o que virá.
Quais as medidas que ele propõe e quais são as chances de esse pacote de moralização passar no Congresso?
O que ele propõe é uma limitação dos mandatos, o que é uma medida positiva se a intenção é limitar parlamentares de ficarem se reelegendo por 30 anos. Basicamente, haverá um limite para três mandatos máximos seguidos. A ideia é que a política deve ser uma atividade que tome de 10 a 15 anos da vida, mas não a vida toda. Mais uma vez, há lados bons e ruins disso. Para mim, é questionável. A política é uma atividade complexa e é preciso investir tempo nisso para estar à altura do desafio. Ao mesmo tempo, ele está propondo acabar com o tribunal especial composto por membros do Parlamento para julgar se políticos condenados devem deixar o cargo. Há um consenso de que o sistema hoje não funciona e precisamos mudá-lo. Haverá essa lei de moralização da vida pública, a reforma trabalhista, uma política pró-mercado e pró-Europa.
Em sua opinião, qual a mensagem que Macron está enviando à Europa e ao mundo?
A maior parte do mundo ficou aliviada com a derrota de Marine Le Pen [candidata de ultra-direita da Frente Nacional]. E Macron aparece como um rosto novo. Em algumas semanas, ele fez mais para transformar radicalmente a política francesa do que a maioria dos seus predecessores nos últimos 30 anos. Claramente, vivemos um momento histórico na política. Mas esse momento não é só sobre a emergência de um novo líder. É o colapso do antigo mundo. Os antigos partidos se esfacelaram. Até agora, as perspectivas são positivas, e Macron é bem recebido pelo mundo por ser o rosto de uma França internacional, aberta ao mundo, e liberal no plano econômico, o que é novo para o país. Se compararmos com a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, e o Brexit, no Reino Unido, a França está enviando outro tipo de mensagem ao mundo.
É muita pressão sobre Macron. O senhor acha que ele é capaz de lidar com isso?
Estou surpreso com o quanto ele resiste à pressão. O modo como ele está se comunicando é interessante. Durante o mandato de Hollande, jornalistas praticamente viviam no governo. Agora, os jornalistas estão distantes do poder. Macron diz que quer ser um presidente à moda de “Júpiter” [em analogia ao deus romano], que vai falar quando decidir. Ele quer controlar a comunicação de um jeito que nunca foi feito na França. É similar ao que vemos em grandes empresas. A meu ver, ele se pensa como uma espécie de Steve Jobs. Agora, é preciso entender que não há oposição e que os partidos de posição, de esquerda e direita, não sabem o que fazer.
A população embarcou em massa no projeto dele?
Fico um pouco incomodado com revistas internacionais falando sobre Macron, porque a situação é mais complexa. As pessoas estão cansadas da política. Macron apresentou uma narrativa política que não estava presente no país e as pessoas não sabem o que pensar. Ele será algum tipo de CEO? Ele será um novo Napoleão Bonaparte do século 21? Ainda, é preciso ver quem se absteve de votar nas eleições: foram dois terços das classes trabalhadoras, dois terços dos empregados e 80% da juventude. Fica claro, então, que Macron é o candidato e o presidente da classe média alta. Como a França é um país rico, esse grupos são numerosos, mas claramente a classe trabalhadora não deu um voto de confiança a Macron. Também é curioso que os mais jovens tenham preferido partidos mais radicais, como a França Insubmissa, de Mélenchon, e o de Marine Le Pen. Isso mostra uma divisão no país. O que pode acontecer é algum retorno daquilo que se chamou nos anos 1970 de “questão social”, uma tensão entre aqueles que têm dinheiro e os que não têm.
Esses grupos são basicamente aqueles que saíram perdendo com o avanço da globalização…
Exatamente. Pessoas que perderam, que não estão ganhando ou que simplesmente não sabem porque não estão preparadas. Nem todos estão prontos para sair em marcha (em referência ao slogan En Marche, de Macron). Para sair em marcha, é preciso poder marchar: ter os meios sociais, intelectuais e financeiros para isso. Não é fácil para todos.