Nicarágua: oposição anunciou novas ações após as violentas operações realizadas nas últimas semanas pelas forças antimotins e paramilitares (Oswaldo Rivas/Reuters)
AFP
Publicado em 20 de julho de 2018 às 19h29.
O diálogo entre o governo e a oposição em busca de uma saída à crise vivida pela Nicarágua está por um fio após o presidente Daniel Ortega desqualificar os bispos que mediam as conversas, acusando-os de "golpistas".
"Ortega desqualificou os bispos para criar seu próprio diálogo, um que ele possa controlar, que possa manejar sua estratégia e os que dialogam", declarou à AFP Azahálea Solís, uma das delegadas opositoras que participa das negociações com o governo.
O cardeal nicaraguense Leopoldo Brenes, que preside a Conferência Episcopal da Nicarágua (CEN), revelou nesta sexta-feira que é preciso "meditar sobre as palavras do senhor presidente e depois tomar uma decisão".
"O povo nicaraguense nos anima a seguir" promovendo o diálogo, "mas vamos meditar sobre qual é a melhor postura", disse Brenes ao Canal 100% Notícias.
"Nos pedem para seguir com o diálogo, mas vamos discutir" quando os ânimos se acalmarem, porque "em momentos de turbulência não se deve tomar decisões".
Ortega criticou na quinta-feira os bispos da Conferência Episcopal que, desde maio, tentam mediar a solução à crise gerada pela violenta repressão aos protestos, que deixam mais de 280 mortos em três meses.
"O que está fazendo é desqualificar a mediação dos bispos porque ele já não quer negociar nesse espaço onde tem que tocar no tema da democratização", disse à AFP o cientista político José Antonio Peraza, diretor executivo do Movimento pela Nicarágua.
Segundo Ortega, ex-guerrilheiro de 72 anos que governa há 11 anos de forma autocrática, a proposta feita pelos bispos em junho para adiantar as eleições de 2021 para março de 2019 e democratizar o Estado era parte de uma conspiração "golpista" com a cumplicidade da Igreja.
"Eu achava que eram mediadores, mas não, estavam comprometidos com os golpistas", disse o governante na quinta-feira em um furioso discurso pela celebração do 39º aniversário da Revolução Sandinista em Manágua, onde chamou os manifestantes opositores de "satânicos".
A vice-presidente Rosario Murillo advertiu que os "golpistas" deverão responder na Justiça pelos danos causados durante os protestos.
"Deverão pagar pela destruição de tantas vidas", por "todos os que sofreram as ações criminosas do terrorismo golpista", declarou Murillo em seu discurso habitual aos meios de comunicação estatais.
O governo de meu marido não é movido pelo "ódio nem pelo afã de vingança", mas não esquecerá o que aconteceu, advertiu.
"Perdoar, mas nunca esquecer esses crimes contra a Nicarágua", destacou. Acrescentou que as instituições correspondentes se encarregarão de que "todas as vítimas do terrorismo golpista" tenham justiça.
A oposição considera que o diálogo continuará, pois é a única saída que o presidente tem para resolver a crise, que, em sua visão, não termina com a vitória que as forças do governo proclamaram sobre as cidades que estiveram controladas pelos manifestantes.
Para o sociólogo Oscar René Vargas, o diálogo também conta com o "apoio da comunidade internacional mediante resoluções da OEA e da União Europeia, e dos Estados Unidos".
Na quarta-feira, a OEA aprovou uma resolução que condena a repressão das manifestações contra o governo na Nicarágua, e pediu ao governo de Daniel Ortega que acorde um calendário eleitoral com seus opositores.
Enquanto isso, o conselheiro para América Central do Departamento de Estado, Todd Robinson, disse que "o caminho para a paz continua sendo eleições antecipadas justas e transparentes" na Nicarágua.
Segundo disse à AFP o embaixador americano na OEA, Carlos Trujillo, os Estados Unidos descartam "neste momento" a opção de uma intervenção militar na Nicarágua.
"Os Estados Unidos vão fazer todo o possível para que a Nicarágua volte à democracia", afirmou. "Todas as opções estão sobre a mesa", embora quando questionado se isso inclui uma opção militar, respondeu: "Neste momento, não".
Trujillo disse que o governo de Donald Trump avalia novas sanções "contra membros do governo e indústrias" para pressionar a restauração da democracia.
Mas Ortega desafiou a pressão internacional ao assinalar que "nossas decisões não estão em Washington", mas na Nicarágua.
Peraza sustenta, no entanto, que "o diálogo é uma boa forma para estender uma ponte de prata ao senhor Ortega para que possa sair das dificuldades que se encontra".
"O problema é que a crise econômica se acentua cada vez mais e ele não vai poder governar assim. É impossível que Ortega chegue a 2021", advertiu Vargas à AFP.
O Banco Central da Nicarágua (BCN) diminuiu sua projeção de crescimento econômico de 4,9% para 1% em 2018 como consequência da crise.
A Fundação Nicaraguense para o Desenvolvimento Econômico e Social (Funides) estima que os setores mais atingidos da economia este ano serão o do comércio, com perdas de 673 milhões de dólares, seguido do turismo, com 159 milhões de dólares.
"A Nicarágua não pode continuar neste impasse", sustentou o analista.
Nesta sexta-feira, a oposição anunciou novas ações após as violentas operações realizadas nas últimas semanas pelas forças antimotins e paramilitares para derrubar as barricadas que os manifestantes levantaram nas vias e desarticular protestos.
A oposição convocou para sábado uma marcha em Manágua chamada "Do povo, para o povo", em solidariedade ao bairro indígena Monimbó, em Masaya (sul), reduto opositor que foi tomado na quarta-feira pelas forças do governo.
Na segunda-feira farão outro protesto para pedir a liberdade dos manifestantes detidos ilegalmente e justiça pelos mortos nos protestos, que começaram em 18 de abril.
"A luta do povo da Nicarágua vai continuar com uma insurreição cívica contra a ditadura de Ortega", assegurou Azahálea Solís, da opositora Aliança Cívica pela Justiça e Democracia.
Para Vargas, os golpes sofridos pela oposição nos últimos dias "fazem parte dos altos e baixos de um processo político", mas a demanda principal do país, que é a saída de Ortega do poder, não mudou.
A oposição acusa Ortega de formar, junto com sua esposa, um regime marcado pelo nepotismo e autoritarismo.