OPINIÃO A guerra russa vai estimular a diversificação comercial?
Em artigo, o economista Michael Spence, ganhador do Nobel de Economia, diz que os países devem evitar a dependência excessiva de qualquer parceiro - não importa quão estável ele seja
Da Redação
Publicado em 13 de março de 2022 às 12h30.
MILÃO – Construir resiliência vem se tornando uma espécie de mantra nos últimos anos, em particular durante a pandemia de covid-19. Já a ação para aumentar a segurança econômica e avançar a diversificação tem sido lenta. Após a invasão russa da Ucrânia, no entanto, pode ser que isso esteja prestes a mudar.
Nas décadas após a Segunda Guerra Mundial, atores econômicos do mundo todo puseram considerável – e crescente – fé num compromisso internacional amplo com uma economia global relativamente aberta. Ao contrário do passado mais distante, quando os países frequentemente entravam em guerra para garantir seus interesses econômicos, os formuladores de políticas pouco se preocupavam com negações arbitrárias ou politicamente motivadas de acesso a recursos ou mercados críticos. Eles poderiam limitar suas preocupações a questões como a exposição da economia às condições de oferta e demanda em mutação, e às vezes a movimentos violentos de preços.
Mas tensões, atritos e bloqueios nas cadeias globais de suprimentos durante a pandemia começaram a corroer essa fé. Os preços e os mercados não foram o principal determinante da distribuição das vacinas. Além disso, China, Estados Unidos e outros ergueram altas barreiras ao acesso de mercado de empresas de tecnologia estrangeiras (especialmente de seus rivais), citando preocupações com a segurança nacional.
De modo mais amplo, as sanções econômicas e financeiras se tornaram uma arma preferencial de política externa, em especial nos EUA. Não deve causar surpresa, então, que as sanções sejam a maior parte da resposta do Ocidente à crise da Ucrânia, especialmente dada a probabilidade de que a Rússia fosse tratar qualquer intervenção militar direta da OTAN na Ucrânia como uma declaração de guerra. Os EUA e a União Europeia agiram rapidamente para cortar os grandes bancos russos das transações internacionais, excluindo-os do sistema de mensagens financeiras SWIFT, e agora congelando os ativos do banco central russo.
Com a economia russa já cambaleando, agora está claro que a segurança econômica de um país depende de suas relações mais amplas com seus parceiros comerciais, que devem ser razoavelmente confiáveis e previsíveis. Isso levanta sérios desafios de curto prazo, em particular para a UE, que está na posição nada invejável de ser bastante dependente das importações de energia russa.
Hoje, a Rússia fornece quase 40% do gás natural da Europa. O medo de perder essa oferta tem limitado de modo significativo a resposta econômica do Ocidente à invasão da Ucrânia. Por exemplo, houve resistência inicial dos principais países da UE à exclusão da Rússia do SWIFT, e quando a decisão foi tomada, apenas bancos “seletos” foram afetados.
Ao mesmo tempo, a Rússia depende da UE para continuar comprando seu gás. Portanto, talvez a arma econômica mais poderosa do arsenal do Ocidente seja aquela que a UE não pode usar sem impor graves danos a si mesma. O resultado é semelhante à “destruição mútua garantida” com a qual o mundo conta há tempos para impedir ataques nucleares.
Como o primeiro-ministro italiano Mario Draghi reconheceu na semana passada: “Os eventos destes dias mostram que foi imprudente não ter diversificado mais nossas fontes de energia e nossos fornecedores nas últimas décadas”. De fato, a impressão é que a Europa foi encurralada num beco sem saída energético, embora as sanções não relacionadas à energia sejam sem dúvida duras, e ainda possam ser apertadas. De todo modo, os custos de quaisquer sanções – inclusive o isolamento da Rússia dos mercados globais e sua perda de acesso a produtos e tecnologias – dependem, em grande parte, de até que ponto a China decide apoiar a Rússia.
Por enquanto, os líderes europeus terão simplesmente de administrar o que vier. Contudo, para fortalecer sua segurança no longo prazo num mundo cada vez mais turbulento, os países também têm de construir resiliência econômica – obtida através da diversificação – em suas estratégias de política externa.
Quando se trata de energia, a Europa poderia imitar o Japão, que também é inteiramente dependente de combustíveis fósseis importados. O Japão obtém petróleo de vários países do Oriente Médio, e gás natural na forma de gás natural liquefeito (GNL) da Austrália, Malásia, Catar, Rússia, EUA e outros, com a Austrália tendo a maior participação de mercado (27%). Se o fornecimento de energia da Europa se parecesse mais com o do Japão, a estrutura de recompensas do atual jogo Rússia-Ocidente seria muito diferente, com a Europa tendo o poder de impor custos assimétricos à Rússia por meio de sanções relacionadas à energia.
O valor da diversificação cresce com a magnitude dos riscos relativamente não associados que se enfrenta. Alguns notarão que essa diversificação é cara, até porque reduz a eficiência. Mas, embora os custos possam não valer a pena num ambiente estável e de baixo risco, não vivemos em tal ambiente. No mundo de hoje, os custos da diversificação são ofuscados pelos potenciais – e prováveis – custos de interrupções. Na presença de riscos significativamente não correlacionados, diversificação é a melhor estratégia.
Isso não é verdade só no caso das importações. Uma vez que o acesso ao mercado pode ser cortado – a China aprendeu isso com exclusividade durante o governo do presidente dos EUA, Donald Trump –, os países também devem se esforçar para diversificar seus mercados de exportação. Embora seja difícil diversificar o fornecimento de economias tão grandes quanto os EUA ou a China, os países podem se mover nessa direção.
É claro, o imperativo mais urgente é diversificar para evitar parceiros comerciais imprevisíveis. Parceiros com os quais as regras do jogo são acordadas de maneira clara e provavelmente permanecerão estáveis representam muito menos risco, reduzindo os benefícios da diversificação. No entanto, os países devem evitar a dependência excessiva de qualquer parceiro, não importa quão estável, em especial devido aos riscos crescentes de problemas ligados às mudanças climáticas.
É importante ressaltar que dificilmente o nível necessário de diversificação – ou seja, um nível que melhore a segurança econômica e a posição de negociação de um país em caso de crise – emergirá como um resultado puramente de mercado, pois os benefícios econômicos e estratégicos não são totalmente capturados pelos atores do mercado. Embora os players do mercado reconheçam os riscos e não devam se recusar a diversificar de todo os mercados e fontes de oferta, eles provavelmente não irão longe o suficiente.
Assim, as políticas públicas e a coordenação internacional devem desempenhar um papel importante no avanço desse processo. Felizmente, por enquanto os formuladores de políticas têm um forte incentivo para dar os passos necessários. Porém, se o senso de urgência deles persistirá ou desaparecerá à medida que os níveis de ameaça percebidos diminuam, ainda não se sabe.
Tradução por Fabrício Calado Moreira
*Michael Spence, ganhador do Nobel de Economia, é professor emérito da Universidade de Stanford e membro sênior da Hoover Institution.
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