Javier Milei, presidente da Argentina, durante discurso na Expoagro (Presidência da Argentina/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 16 de março de 2025 às 08h01.
O verão em Florianópolis foi marcado pela invasão argentina às lojas. Redes como Decathlon e Havan viram as vendas dispararem, impulsionados pelos compradores do país vizinho. Só a unidade da Decathlon na ilha recebeu em torno de 5.000 clientes por dia, em busca de economias reais. Como comparação, no Brasil, uma camiseta de corrida da Adidas custa R$ 129,99. Na Argentina, um modelo similar sai por 45 mil pesos, cerca de R$ 250.
A principal razão para esta diferença é que o peso ganha força, enquanto o real se enfraqueceu. Como consequência desses dois movimentos, os argentinos passaram a ter mais poder de compra no exterior, e os brasileiros que viajam à Argentina perderam as vantagens de pagar menos.
O reforço do peso é parte da estratégia do presidente Javier Milei para estabilizar a economia. A inflação saiu de mais de 211% na taxa de 12 meses, no início de 2024, para os atuais 79,4%, segundo os dados mais recentes, de fevereiro. A taxa mensal está em 2,4%.
A política de Milei para baixar a inflação se baseia em âncoras, que foram uma espécie de tripé.
Uma delas é o câmbio mais estável, que tem se depreciado em média a 2% ao mês, bem abaixo da taxa de inflação. Além disso, há um âncora fiscal, o corte forte de gastos públicos, e uma âncora monetária, o fim da emissão de pesos sem lastro para pagar gastos públicos.
Milei também conseguiu equilibrar o câmbio ao conseguir atrair de volta ao mercado dólares que os argentinos deixavam em casa ou no exterior, em contas secretas. Ao menos US$ 19 bilhões retornaram ao sistema, segundo o governo.
"Milei aplicou uma política forte para conter a inflação às custas das reservas internacionais. Ele tomou a decisão de direcionar dólares vindos das exportações para o mercado de dólares financeiros, que usam um câmbio fixo", diz Ricardo Amarilla, economista sênior da consultoria Economatica na Argentina.
Logo após tomar posse, no fim de 2023, Milei desvalorizou o peso no câmbio oficial, que passou de 1 dólar por 400 pesos para 1 dólar por cerca de 800 pesos.
No entanto, depois disso, a taxa subiu menos do que a inflação. A cotação oficial está na faixa de 1.080 pesos por dólar, não tão distante do dólar paralelo, o "blue", a 1.230. Nos anos anteriores, o peso se desvalorizava muito mais rapidamente e a cotação paralela era o dobro da oficial.
Em 2024, o peso perdeu 21% de seu valor frente ao dólar, mas os salários em pesos e a inflação subiram acima de 100%.
Com isso, quem ganha na Argentina e gasta no país não teve muita vantagem, já que a inflação reduz o poder de compra, mas ao converter os salários de pesos para dólares a capacidade de gastar no exterior cresceu. Os custos em dólar dentro da Argentina aumentaram em 70% no último ano, segundo estimativas de analistas.
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Apesar dos avanços da economia argentina, o cenário segue com incertezas. Milei vem renegociando um novo acordo com o FMI, para trazer mais bilhões de dólares para as reservas do Banco Central argentino, que seguem muito baixas.
O presidente também é cobrado para implantar a promessa de campanha de retirar as barreiras para a compra de dólares, o chamado "cepo", e deixar que o câmbio flutue livremente.
Hoje, há cotas e inúmeras regras para cidadãos e empresas comprarem e venderem a moeda americana, o que dificulta o comércio exterior e a entrada de dólares e investimentos no país.
O governo Milei diz que pretende retirar o cepo em 2025 ou 2026, mas sem definir uma data. O BC argentino disse ainda que reduzirá a desvalorização mensal do peso para 1% neste ano, o que fortalecerá mais o peso.
Economistas alertam ainda que a moeda argentina pode estar valorizada excessivamente. Um deles foi Domingo Cavallo, ministro da Economia nos anos 1990, durante o governo de Carlos Menem, que adotou na época a política de um peso para um dólar, similar à do início do Plano Real no Brasil.
Cavallo disse que a "valorização exagerada do peso" é parecida com a que ocorreu no final dos anos 1990, que desaguou em uma recessão forte no começo dos anos 2000. Milei disse que a fala de Cavallo era "estúpida" e que avalia que o câmbio está adequado.
"Se o governo desvalorizar o peso, estará morto politicamente", diz Amarilla. "O governo está fazendo de tudo para que o dólar não incomode durante este ano". Haverá eleições legislativas na Argentina em outubro, e Milei terá seu primeiro teste nas urnas desde a vitória de 2023.