Esta foto fornecida pela OceanGate Expeditions mostra o submersível "Titan" desaparecido com 5 pessoas a bordo durante uma viagem turística aos destroços do "Titanic" no Atlântico Norte (AFP/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 14 de junho de 2024 às 17h47.
Última atualização em 14 de junho de 2024 às 17h58.
Há um ano, a implosão do submersível Titan colocou a segurança do luxuoso mercado de viagens submarinas em evidência — tal qual o afundamento do submarino nuclear USS Thresher 60 anos antes acendeu um alerta sobre os limites da exploração oceânica. Mas se naquela época a morte dos 129 tripulantes levou à rápida criação do Programa de Segurança Submarina (Subsafe) pelos Estados Unidos, o acidente ocorrido em junho de 2023 ainda não teve consequências legais. O processo de investigação aberto pela Guarda Costeira americana tão pouco foi concluído, e a previsão é de que demore dois ou três anos para que as causas do desastre sejam conhecidas.
De acordo com a Guarda Costeira, vários fatores levaram à extensão do cronograma original de 12 meses para a investigação, incluindo a necessidade de contratar duas missões de salvamento "para garantir evidências vitais e os extensos testes forenses necessários".
"O Conselho de Investigação da Marinha do Titan permanece na fase de apuração dos fatos da investigação e está coletando todas as evidências e informações relevantes", disse a Guarda Costeira em nota enviada ao O Globo na segunda-feira e tornada pública nesta sexta, acrescentando que "não há uma data de conclusão prevista" e que, "por uma questão de política", a instituição "não discute investigações em andamento".
A implosão do Titan ocorreu durante uma expedição aos destroços do mítico Titanic, localizados a quase 4 mil metros de profundidade no Atlântico Norte. O mergulho, no entanto, se deu em águas internacionais, onde a jurisdição da terra é limitada — enquanto os navios operam sob as regras do país cuja bandeira carregam e, portanto, estão vinculados aos padrões nacionais de segurança, os submersíveis não são enquadrados nessa categoria e, por isso, se tornam mais difíceis de fiscalizar.
A Guarda Costeira dos EUA até fornece orientação para a certificação de submersíveis turísticos, mas nenhuma cobre as profundidades que o Titan pretendia atingir; o mesmo ocorre com a Organização Marítima Internacional (OMI), que oferece diretrizes para o projeto, construção e operação das embarcações, além de regras mais gerais sobre segurança, que devem ser aplicadas pelos Estados-membros. Mas a equação no caso do minissubmarino Titan é ainda mais complexa.
A OceanGate, fabricante do Titan, tinha sede nos EUA, mas seu navio-mãe, o Polar Prince, era do Canadá, e as cinco pessoas a bordo eram cidadãos do Reino Unido, Paquistão, França e EUA, enquanto a OceanGate Expeditions, que ofertou a expedição, foi registrada nas Bahamas. Como resultado, a investigação da Guarda Costeira tem muitos parceiros — não apenas o Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos EUA, mas também órgãos semelhantes no Canadá, na França e no Reino Unido, além da Marinha dos EUA, que atua na recuperação dos destroços —, e as autoridades ainda estão tentando descobrir quem é o responsável por determinar a causa da tragédia.
A embarcação também não foi registrada nos EUA nem agências internacionais que regulam a segurança no setor marítimo, tão pouco foi classificada por algum grupo que estabelece padrões em questões como a construção do casco, a exemplo do Escritório Americano de Navegação. A verdade é que o mundo da exploração em águas profundas não é bem regulamentado e, "por quase 60 anos", o mercado de submersíveis tem sido "praticamente autorregulado", diz Salvatore Mercogliano, professor de História na Universidade Campbell e na Academia da Marinha Mercante dos EUA:
"Seu histórico tem sido quase impecável, não houve quase nenhum acidente grave, nenhuma perda de vida importante em um submersível [antes do Titan], e isso ocorreu porque todos os que operavam submersíveis entendiam o perigo, percebiam que havia uma margem de erro muito pequena e que era preciso ser quase perfeito ao fazer isso. Mas com a expansão do turismo no fundo do mar, esse tipo de imersão turística muda tudo e precisamos ver algum tipo de regulamentação clara".
A Sociedade de Tecnologia Marinha, um grupo internacional de engenheiros oceânicos, tecnólogos, formuladores de políticas e educadores, recomendou que a Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (Solas, na sigla original), principal instrumento da OMI que estabelece padrões de segurança para navios mercantes, seja alterado para tratar os submersíveis como navios, exigindo que mesmo aqueles que operam exclusivamente em águas internacionais — como o Titan — sejam sinalizados e classificados.
Procurada pelo O Globo, a Organização Marítima Internacional disse que "normalmente, um Estado-membro precisaria levantar a questão junto à OMI para que quaisquer discussões ou regulamentações fossem desenvolvidas ou alteradas", o que "até o momento, não aconteceu". No entanto, "a OMI pode ser solicitada a tomar medidas adicionais com relação à regulamentação de embarcações de passageiros submersíveis no futuro, assim que os Estados-membros envolvidos concluírem suas investigações", acrescentou a agência da ONU em nota.
Mercogliano se diz cético quanto a mudanças substanciais nas regras internacionais, porque, segundo ele, o próprio setor de submersíveis não quer que isso aconteça, já que "acrescentaria uma camada de burocracia e inspeção sobre eles, que argumentam que seu histórico é perfeito".
"Acho que veremos isso em nível nacional, principalmente nos EUA e no Canadá, antes de vermos em nível internacional", afirmou, acrescentando que "o perigo, mais do que qualquer outra coisa, é a arrogância de não ouvir o que todos estão lhe dizendo: "Todos sabiam que o Titan provavelmente apresentava uma falha fundamental, mas seu proprietário não estava disposto a ouvir".