Banksy: O navio "Louise Michel", foi financiado pelo misterioso artista (AFP/AFP Photo)
AFP
Publicado em 29 de agosto de 2020 às 09h48.
Última atualização em 29 de agosto de 2020 às 10h02.
O navio humanitário fretado no Mediterrâneo pelo artista de rua britânico Banksy lançou um pedido de ajuda na madrugada de sexta (28) para sábado após um resgate maciço de migrantes, anunciando ao menos um óbito a bordo.
A embarcação, que recebeu o nome de "Louise Michel", em homenagem a uma anarquista francesa do século XIX, e decorada com um grafite do artista britânico, resgatou nesta sexta 130 migrantes que estavam à deriva em um bote de borracha que começou a fazer água, tuitaram os organizadores da campanha na conta @MVLouiseMichel, criada para a ocasião.
The crew managed to keep #LouiseMichel stable for almost 12h now. Our new friends told us they lost 3 friends on their journey already. Including the dead body in our one life raft, that makes 4 lives vanished because of Fortress Europe... And we are still waiting. pic.twitter.com/Te2PKCv2Gn
— LouiseMichel (@MVLouiseMichel) August 29, 2020
Após um primeiro salvamento na quinta-feira, o navio tem agora 219 náufragos a bordo para apenas dez tripulantes.
"Nós precisamos de assistência imediata", pedira, exortando a União Europeia e as autoridades italianas a agirem.
"Já há uma pessoa morta no navio. As outras apresentam queimaduras por combustível, passaram dias no mar", acrescentaram.
O navio zarpou em 18 de agosto do porto espanhol de Borriana, perto de Valência, revelou o jornal britânico The Guardian.
Fretado em segredo, o navio resgatou na quinta-feira 89 pessoas, incluindo 14 mulheres e duas crianças, no Mediterrâneo central, de acordo com o jornal.
"Agora procura um porto seguro para desembarcar os passageiros ou transferi-los a uma embarcação da Guarda Costeira europeia".
Segundo o site Marinetraffic, o Louise Michel se encontrava na manhã de sábado (noite de sexta no Brasil) parado no mar a uma centena de quilômetros a sudeste da ilha italiana de Lampedusa, ao sul da Sicília.
A conta @MVLouiseMichel divulgou uma foto "em um mar muito agitado" de uma operação de assistência ao Sea-Watch 4, outro navio humanitário das ONGs Médicos Sem Fronteiras e Sea-Watch, presente na região desde meados de agosto.
"VAMOS LÁ! Um barco patrocinado por Banksy e pintado por ele, uma equipe experiente procedente de toda Europa, o Louise-Michel já garantiu a segurança de duas operações do Sea-Watch4 e salvou até agora 89 pessoas por seus próprios meios. Estamos muito satisfeitos com este reforço rosa!", publicou no Twitter a ONG Sea-Watch.
O Sea-Watch 4 já participou até o momento de três operações de resgate e recebeu a bordo mais de 200 pessoas.
The Guardian publicou com exclusividade várias fotografias do Louise Michel, pintado de rosa e branco, com um grafite de Banksy que mostra uma jovem com um colete salva-vidas e uma boia em forma de coração.
A tripulação é formada por uma dezena de pessoas, "ativistas europeus com uma longa experiência em busca e resgates no mar". Sua capitã é Pia Klemp, uma militante alemã dos direitos humanos conhecida por ter pilotado outros navios de resgate, como o "Sea-Watch 3".
Pia Klemp é objeto de investigação pela justiça italiana por "ajuda à imigração ilegal", entre outras acusações.
A embarcação é um antigo navio da Alfândega francesa. Com 31 metros de comprimento, o "Louise Michel" é menor que outros barcos humanitários, porém muito mais rápido, o que permite escapar da Guarda Costeira líbia.
A operação foi organizada entre Londres, Berlim e Borriana, e Banksy - um artista que aborda regularmente a questão migratória em suas obras - não estaria a bordo, segundo o jornal The Guardian.
Um porta-voz do porto espanhol de Borriana, consultado pela AFP, confirmou que o navio esteve no porto entre 23 de junho e 18 de agosto. "Eles próprios consertaram e prepararam o navio, sem recorrer aos serviços portuários".
Banksy, cuja identidade é um grande mistério, entrou em contato com Pia Klemp em setembro de 2019 por e-mail. De acordo com o The Gardian, a capitã teria pensado que estivessem lhe pregando uma peça.
"Bom dia, Pia. Eu li sua história nos jornais. Você parece ser osso duro de roer", teria escrito o artista em seu e-mail à capitã.
"Sou um artista do Reino Unido que trabalha na crise dos migrantes e, evidentemente, não posso ficar com o dinheiro. Você poderia utilizá-lo para comprar um barco novo ou algo parecido?", perguntava a mensagem assinada por "Banksy".
Pia Klemp acredita que o artista a procurou por seu engajamento político: "Não vejo o resgate no mar como uma ação humanitária, e sim como parte do combate antifascista", declarou ela ao Guardian.
Os dez tripulantes do "Louise Michel" se declaram todos "ativistas antirracistas e antifascistas partidários de mudanças políticas radicais", segundo o jornal britânico.
De acordo com Lea Reisner, uma enfermeira a bordo responsável por operações de resgate, o projeto é "antes de mais nada anarquista, pois pretende defender a convergência de lutas pela justiça social, os direitos das mulheres e dos LGBTIQ, a igualdade racial, os direitos dos migrantes, a defesa do meio ambiente e os direitos dos animais".
E "por se tratar de um projeto feminista, apenas as tripulantes mulheres são autorizadas a se expressar em nome do Louise Michel", destacou o The Guardian.
O ano de 2020 tem sido marcado por um aumento de embarcações no Mediterrâneo central, a rota migratória mais letal do mundo para os que sonham com o refúgio na Europa, em sua maioria procedentes da Líbia e da vizinha Tunísia.
Mais de 300 migrantes morreram este ano ao tentar a travessia, mas o número pode ser muito mais elevado, segundo a Organização Internacional para as Migrações (IOM).
Várias embarcações pequenas de migrantes, essencialmente tunisianos, aportaram durante todo o verão da ilha italiana de Lampedusa.
Último navio vindo do Mediterrâneo central, o Ocean Viking, fretado pela ONG SOS Méditerranée - está imobilizado desde julho pelas autoridades italianas "por razões técnicas" após ter desembarcado na Sicília 180 migrantes.