Na Alemanha, a indústria é proteção contra populismo
Bolsões industriais, que nos EUA apoiaram Trump, são uma frente de apoio da chanceler alemã Angela Merkel
Da Redação
Publicado em 13 de outubro de 2017 às 12h09.
Última atualização em 13 de outubro de 2017 às 13h18.
Dortmund, Alemanha – Esta cidade no centro do que já foi a região do carvão e do aço da Alemanha poderia facilmente ser um solo fértil para o populismo.
A última caldeira foi desativada há quase vinte anos; o desemprego, a 11 por cento, é quase o dobro da média nacional; um terço dos 600.000 habitantes são imigrantes, incluindo milhares de refugiados recentemente chegados da Síria.
Em vez disso, Dortmund pode ajudar a explicar porque não existe um equivalente alemão de Marine Le Pen, da França, de Nigel Farage, do Reino Unido ou de Donald Trump, dos Estados Unidos – pelo menos não até agora.
Como em grande parte da Europa, o populismo está em ascensão na Alemanha, alimentado por frustrações em relação à desigualdade crescente e ao fluxo de imigrantes. O partido de extrema-direita, Alternativa para a Alemanha, conhecido pela sigla em alemão, AfD, conseguiu um número suficiente de votos na eleição de 24 de setembro para chegar ao Parlamento.
Mas os bolsões industriais, que deram força a uma reação nos Estados Unidos, estão provando ser uma base de apoio da chanceler Angela Merkel. Dortmund e outras cidades alemãs outrora industriais basicamente evitaram a alienação da classe trabalhadora que alimenta o sentimento populista em outras paragens.
Através de uma combinação de políticas públicas e criatividade empresarial, a cidade tem atraído novos postos de trabalho em setores como o de semicondutores e de logística, para substituir aqueles perdidos na indústria pesada, mantendo um núcleo de empregos na manufatura. O desemprego caiu drasticamente na última década e continua diminuindo.
Mais do que qualquer outra nação rica, a Alemanha ainda oferece postos de trabalho industriais, que garantem uma renda de classe média para pessoas sem diploma universitário. Embora o país tenha sofrido um declínio acentuado desses cargos, começando na década de 1970, 19 por cento dos alemães trabalham no setor, quase duas vezes a porcentagem dos Estados Unidos ou do Reino Unido, e maior que a do Japão ou da Coreia do Sul.
O crescimento de empresas de médio porte ajudou a compensar a perda de empregos nos grandes conglomerados siderúrgicos. Essas “empresas Mittelstand”, responsáveis pela metade da produção econômica alemã, transformaram a globalização em vantagem, pois entraram em mercados internacionais com produtos que exploram a longa tradição da precisa engenharia alemã.
A Wilo, fabricante de bombas de água especializadas, é a típica empresa de médio porte que fez da Alemanha o terceiro maior exportador do mundo no ano passado, depois da China e dos Estados Unidos.
Sediada perto de uma das enormes siderúrgicas abandonadas, que podem ser vistas como monumentos ao passado de Dortmund, a empresa está construindo um novo campus corporativo em frente à sua sede, em uma área que ainda está sendo limpa de bombas não detonadas da Segunda Guerra Mundial. Cerca de 1.800 pessoas vão trabalhar no complexo, metade delas na manufatura.
A Wilo tem fábricas na China, na Índia e nos Estados Unidos. Ela e outras empresas de médio porte também continuam a criar postos de trabalho na Alemanha, acreditando que é importante manter a experiência de fabricação perto de casa.
“Tivemos a crise do carvão, tivemos a crise do aço, Essa é a grande vantagem desta área. Sabemos lidar com a mudança, e as pessoas aqui são muito flexíveis”, disse Oliver Hermes, executivo-chefe da Wilo, referindo-se à resiliência de Dortmund.
As coisas poderiam ter sido diferentes; a cidade está localizada no Vale do Ruhr, que desempenhou um papel central na transformação da Alemanha em uma potência industrial no século 19 graças à abundância de carvão e ferro.
Mas a região começou a declinar acentuadamente na década de 1970. A última mina de carvão foi fechada em 1987, e o último alto-forno usado na produção do aço, desativado em 1998. Em alguns casos, as fábricas foram desmontadas e enviadas para a China, para o uso das mesmas empresas que encerraram as atividades em Dortmund. Até mesmo as cervejarias da cidade, que já foram as maiores da Europa, enfrentaram tempos difíceis.
Líderes políticos locais entraram em ação bem antes do fechamento das minas: o governo construiu um parque tecnológico, que ofereceu espaço de escritório para empresas iniciantes, e garantiu capital inicial aos empreendedores.
Um dos primeiros inquilinos foi a Elmos, fabricante de semicondutores especializados para a indústria automobilística, fundada em 1984. Naquela época, os campos circundantes ainda eram usados como pastagem de ovelhas. A Elmos, hoje líder mundial em chips usados em dispositivos de estacionamento para automóveis, emprega 750 pessoas em Dortmund.
“Houve investimento inicial nas indústrias certas”, disse Anton Mindl, executivo-chefe da empresa.
Para garantir o suprimento de mão de obra especializada, o estado do Reno do Norte-Westphalia expandiu a Universidade Técnica de Dortmund, que hoje está entre as maiores da Alemanha, com 34.000 alunos.
Dela saíram startups como a RapidMiner, produtora de software de aprendizado de máquina, o programa capaz de aprender sozinho a fazer as coisas. Fundada em 2007 por ex-alunos da universidade, ela emprega 30 pessoas em um escritório local, onde as salas de conferência levam os nomes das minas de carvão fechadas.
“Há uma boa cultura de startups”, disse Ralf Klinkenberg, um dos fundadores da empresa, sobre Dortmund.
As autoridades locais e estaduais também procuraram melhorar a qualidade de vida, que veem como algo fundamental para atrair empregados. Em 2001, depois do fechamento do enorme complexo siderúrgico da ThyssenKrupp, o governo local limpou a propriedade e criou um lago artificial, grande o suficiente para acomodar uma pequena frota de barcos. Hoje, ele está cercado por modernos edifícios, abrigando escritórios, apartamentos caros e cafés.
Tudo isso teve um preço que, para os conservadores nos Estados Unidos, seria inaceitável. A rede de segurança do governo aqui é mais abrangente, com impostos idem, incluindo o de 19 por cento sobre vendas nacionais. A Alemanha tem seguro saúde universal, benefícios relativamente generosos para os desempregados e universidade gratuita. O governo desempenha um papel na economia que muitos americanos consideram excessivo.
O país também tem sindicatos poderosos, com uma longa história de oposição aos partidos de direita. Certas pesquisas ligaram o surgimento de Trump ao declínio da filiação aos sindicatos americanos.
Em Dortmund, os representantes dos trabalhadores pressionaram, com sucesso, as empresas para que estas financiassem novos treinamentos ou a aposentadoria antecipada de trabalhadores demitidos. Sabine Birkenfeld, presidente do conselho dos trabalhadores de uma fábrica de galvanização da ThyssenKrupp em Dortmund, passou por várias fusões e demissões ao longo dos anos, que reduziram a força de trabalho em 90 por cento, resumindo-se a cerca de 1.300 pessoas.
Ainda assim, disse ela, “ninguém teve que ir atrás de seguro desemprego”.
A luta continua. Birkenfeld chegou para uma entrevista com o The New York Times usando um capacete, após uma volta pelo chão de fábrica para fazer os trabalhadores protestarem contra os planos da ThyssenKrupp de fundir suas operações siderúrgicas em uma joint venture com a Tata Steel, acordo esse que levaria à perda de dois mil empregos.
Birkenfeld disse que os trabalhadores iriam brigar pelos melhores termos possíveis. “Se ninguém for demitido, não haverá munição para os partidos de direita”, disse ela.
Alguns analistas dizem que a ascensão dos partidos populistas não se origina de fatores econômicos, mas sim da ideia de que parte do eleitorado não está sendo ouvida pelos políticos tradicionais. Nesse caso, o renascimento de Dortmund certamente seria engolido por uma onda de direita.
“Não são as condições econômicas, mas sim a percepção de que suas preocupações estão sendo atendidas pelo sistema”, disse Timo Lochocki, do German Marshall Fund nos Estados Unidos.
Não é possível saber se as políticas antiestrangeiros da AfD, incluindo pedidos de guardas armados nas fronteiras, vão agradar alguns eleitores aqui.
Emad Abdelmalak, egípcio de 30 anos que estuda em Dortmund, não aposta nisso. Ele afirmou que já se sentiu hostilizado na Alemanha uma ou duas vezes desde que chegou, três anos atrás, mas acrescentou que, em Dortmund, nunca sentiu nada parecido.
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